Santa Clara festeja Díaz-Canel, o homem que vai assumir o poder em Cuba

Assembleia Nacional inicia sessão que consagra a transição da presidência de Raúl Castro para Miguel Díaz-Canel, o primeiro líder do país nascido depois da revolução. A palavra que mais usou foi continuidade.

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Adriano Miranda/Público
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Todos os sábados à noite, a Casa da Cultura da cidade de Santa Clara oferece à população, dentro do edifício de traça colonial ou no passeio virado para a praça central, um espectáculo de música ou de dança, uma leitura de poesia ou uma mostra de artes plásticas. No último sábado, foi um grupo de mariachis vestidos a rigor, com fato negro e camisa branca, sombrero mexicano e botas texanas, que actuou no Parque Vidal. Indiferentes, os adolescentes que enchiam a praça, a borbulhar em hormonas, continuaram atentos ao som vindo dos seus próprios altifalantes: alguns acenavam com a cabeça às rimas debitadas em inglês; outros meneavam as ancas embalados pelos refrões de Shakira.

À mesma hora deste combate de decibéis, animavam-se a sair à rua, igualmente vestidos, penteados e maquilhados a preceito, os travestis e outros membros da comunidade LGBT que há décadas se reúnem na discoteca que aos fins-de-semana ocupa o centro cultural El Mejunje (um nome que traduzido livremente significa “a mixórdia”). Quando abriu portas, no início da década de 80, os homossexuais e os “boémios” eram vítimas de perseguição e repressão. Um dos seus maiores defensores em Santa Clara, e que cuidou que o estabelecimento mantinha em funcionamento o show de drag-queens, foi Miguel Mário Díaz-Canel Bermudez, o homem da terra que se prepara para assumir o cargo de Presidente de Cuba.

Os membros da nova Assembleia Nacional, eleitos a 11 de Março, adiantaram num dia o arranque dos trabalhos parlamentares, dada a invulgar complexidade e importância da primeira sessão legislativa, cuja principal tarefa é seleccionar o nome do sucessor de Raúl Castro como chefe do Conselho de Estado e de Ministros. O velho general de 86 anos, irmão do histórico líder da revolução Fidel Castro, sai do Governo mas mantém-se à frente do Partido Comunista Cubano, que é quem traça a linha política do país.

Diferente dos habaneros

O processo no parlamento não tem nada de imprevisto: os deputados não vão verdadeiramente decidir quem será futuro líder, mas sim ratificar a escolha já feita pelo partido e por Raúl Castro: Miguel Díaz-Canel será oficial e simbolicamente confirmado como o primeiro Presidente civil da Cuba pós-revolucionária a 19 de Abril, dia da vitória cubana após a invasão da Baía dos Porcos (e véspera do seu 58º aniversário).

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Miguel Díaz-Canel junto de Raúl Castro Desmond Boylan/REUTERS

Nascido em Placetas, a cidade que serve de capital à província de Villa Clara, Díaz-Canel — Miguelito ou Migué, como era tratado pelos amigos na infância ou juventude — é um produto do ambiente em que cresceu. Garantem os habitantes locais que exibe todas as características dos campesinos que fizeram crescer Santa Clara após a sua fundação em 1861, assente nas indústrias do açúcar e do tabaco: mostra-se simples e humilde, afável mas reservado, trabalhador, dedicado e solidário. “Muito diferente dos habaneros, cheios de autoconfiança e que se acham muito importantes”, compara uma residente.

Um dos amigos de infância de Miguel Díaz-Canel nos anos 70 era o conhecido opositor do regime Guillermo Fariñas. Altos e atléticos, os dois entretinham-se a jogar basquetebol e ouvir música estrangeira: a paixão de Miguelito pelas canções dos Beatles vem mencionada em todos os perfis escritos sobre ele. O famoso dissidente lembra o futuro Presidente de Cuba como um jovem “curioso, impulsivo, agressivo, corajoso, e amigo do seu amigo”; outros dos seus companheiros de estudo em Santa Clara dizem que não revelava um interesse particular pela política.

Inspirador

Depois de se formar como engenheiro em 1982, Díaz-Canel cumpriu o serviço militar obrigatório de três anos e partiu para um ano de missão na Nicarágua, na altura governada por Daniel Ortega, um aliado de Fidel Castro. Em 1987, inscreveu-se na União dos Jovens Comunistas e a partir daí foi sempre a subir na hierarquia partidária.

Em 1994 tornou-se o primeiro secretário do Partido Comunista em Santa Clara — cargo semelhante ao de um governador, e que repetiu em 2003 na província de Holguín, ao mesmo tempo que era chamado pelo partido para integrar o politburo. Partiu para Havana seis anos mais tarde, para dirigir (e modernizar) o Ministério do Ensino Superior. Entrou para o Conselho de Estado, como primeiro vice-presidente, em 2013.

“Ele é muito bem preparado e fez muito por esta terra”, assegura o dono de uma oficina de bicicletas e motorizadas, satisfeito com a evolução da carreira política do engenheiro convertido em professor da Universidade Marta Abreu de Las Villas (chamada a “central” pelos cubanos), que na terra é recordado como um excelente administrador, próximo das pessoas e preocupado em resolver os seus problemas.

O critério que Yusmani Díaz usa para avaliar um líder é a credibilidade: “Se és um político que diz que amanhã vais pintar este muro de verde, e depois ele aparece vermelho, já ninguém vai crer no que prometes”, observa este antigo militar das forças especiais, estabelecido como taxista. Pela sua experiência, Miguel Díaz-Canel é “um homem de palavra e que nunca faltou com o que disse”. Além disso, acredita, mesmo que não tenha a legitimidade política dos líderes da geração histórica, pelo seu trajecto e exemplo “vai ser capaz de inspirar o povo”.

“Aqui antes havia muita fome”, lembra um dos ajudantes da oficina. Durante o “período especial”, os anos após o desmantelamento da União Soviética, Díaz-Canel foi fundamental na solução da gravíssima escassez. Esses tempos parecem distantes, embora uma passagem pelos dois mercados da cidade — um estatal, com os produtos subsidiados pelo Estado, e outro de chamada “oferta e procura” — revele pouco movimento.

Mas no Boulevard, a artéria comercial pedonal, as lojas estão cheias de gente em busca de champôs e detergentes, calçado, tachos e baldes e claro, a inevitável fila à porta da empresa de telecomunicações Etecsa que vende senhas para acesso à Internet. Barbeiros e manicures não podem trabalhar mais, e as esplanadas dos restaurantes estão quase todas cheias. Apesar de um ribeiro que corre quase como um esgoto a céu aberto, e das crateras no asfalto da auto-estrada, não se vê em nenhuma das ruas ou edifícios de Santa Clara a degradação de Havana. Nem os milhares de turistas.

Um tema delicado

No Café Tuté da rua Rafael Trista, um espaço recente de decoração hipster frequentado por jovens, uma pergunta sobre as mudanças na presidência de Cuba não suscita nenhuma reacção. “Não se fala muito nisso, não é uma preocupação”, responde uma das funcionárias, que assim evita mais perguntas sobre a saída de Raúl Castro e a promoção de Díaz-Canel ao cargo de topo do Conselho de Estado.

Dois universitários do curso de Engenharia Mecânica, que preferem não ver o nome escrito num jornal, explicam que “a política é um tema muito delicado em Cuba” e que as pessoas, “mesmo as mais jovens”, não gostam muito de fazer comentários em público — mas acedem a falar sobre a transição de poder. “Faça as perguntas e nós logo vemos se respondemos ou não.”

Vocês votam?, arrisca-se, para quebrar o gelo. “Sim, claro, apesar de não ser obrigatório”, informam. E gostavam de ter a oportunidade de eleger directamente o Presidente? A resposta é de novo sim, mas vem acompanhada por uma lição sobre a organização política cubana e comparação com outros modelos eleitorais mundiais, que os dois têm na ponta da língua.

“Há outros países que, como o nosso, elegem indirectamente o Presidente”, referem. E na verdade, nem sequer é isso que para eles é o mais importante. “Sabes que aqui temos um sistema socialista e que a votação é num partido único”, dizem, lamentando que ao contrário de outras paragens, “não existam cartazes, não exista campanha, nem verdadeira concorrência entre candidatos”. Para os jovens, seria importante que isso mudasse rapidamente, mas quem sabe? “Sabemos o que temos no presente, mas não temos nenhuma ideia do que podemos ter no futuro”, dizem.

O enigma

Como no resto do país, prevalece em Santa Clara um sentimento de incerteza sobre o significado (e o resultado) da anunciada transição de poder. Mas na cidade, cuja libertação às mãos de uma brigada conduzida por Ernesto Che Guevara precipitou a fuga do ditador Fulgêncio Batista, no fim de Dezembro de 1958, e conduziu à vitória os guerrilheiros que forjaram a revolução com o ataque ao quartel de Moncada, sobressai a percepção de que mais uma página da História de Cuba será escrita a partir dali.

Escolhido pessoalmente por Raúl Castro, segundo consta, Miguel Díaz-Canel era apresentado como um líder pragmático e moderado. A sua reputação de reformista sofreu um abalo quando foi divulgado um vídeo da sua intervenção num encontro do partido no Verão de 2017, em que criticava a existência de media independentes e censurava o movimento de normalização das relações com os Estados Unidos iniciado por Barack Obama, na sua opinião “com o objectivo de destruir a revolução”.

Sabe-se pouco do seu pensamento para o país. Mas à medida que a transição se aproxima, as suas (poucas) declarações públicas reproduzem o discurso do fervor revolucionário da linha mais dura do partido. “Esta votação envia ao mundo uma mensagem de unidade, de continuidade e de convicção. É uma expressão de que este povo não se deixa dobrar, nem por um furacão e muito menos pelas pressões externas e os desejos que outros têm de mudança do nosso sistema”, afirmou aos jornalistas no arranque da primeira ronda do processo eleitoral, em Novembro, quando os cubanos escolheram milhares de delegados das assembleias municipais.

Este Março, os 8,6 milhões de eleitores voltaram às urnas, para uma escolha uninominal, nos candidatos às assembleias provinciais e ao Parlamento de Havana. Entre os cerca de 50 mil que tiveram o direito de votar em Miguel Díaz-Canel estão duas amigas cujas moradas abrangem o distrito eleitoral número três de Santa Clara, que postulou como candidato à Assembleia Nacional o futuro Presidente de Cuba (que obteve 92,85% dos votos válidos). “Votámos nele, e com convicção. Mas o que se ouve por aí é que ele ainda vai ter de esperar mais um ano até ser Presidente. Dizem que Raúl não sai para já”, informa a mais faladora ressalvando, para que não fiquem dúvidas, que “isto são os rumores que correm pela terra” e não “informação fidedigna”.

As duas mulheres falaram francamente com o PÚBLICO à porta de casa, mas não quiserem revelar os nomes e explicaram que não convidavam os jornalistas a entrar para que os vizinhos não percebessem que estavam a dar uma entrevista — “Aqui não há liberdade”, sussurrava a dona da casa. Depois de se queixar da “terrível situação económica” que o país atravessa, e lamentar as “oportunidades perdidas” por Fidel Castro para abrir Cuba ao mundo, repetia declarações patrióticas e juras de amor eterno à sua terra. “Jamais seria capaz de deixar Cuba, eu amo muito o meu país”, frisava, antes de voltar a reclamar das dificuldades do dia-a-dia.

“A vida está dura, as coisas são caras e não há dinheiro”, diz a amiga. “Mas ao contrário do que acontecia antes, a vida já não é dura para todos, agora a balança está muito desnivelada. Quem pode trabalhar no sector privado até pode ir de férias para Varadero”, riposta a anfitriã, que atribui a crescente desigualdade à introdução do sistema de duas moedas e à limitação das profissões liberalizadas.

O seu desejo para o futuro era ver o país transformar-se numa nova Rússia. “De início passávamos um mau bocado, como eles passaram, mas veja-se como estão bem agora, com a economia forte”. Porém, não acredita que Díaz-Canel, por mais reformista que venha a revelar-se, possa quebrar o sistema como fez Gorbatchov. “Até pode ser que um dia a ilha mude, mas isso já não vai ser para o meu tempo de vida”, estima.

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