Ex-director do FBI diz que Trump é "moralmente inapto" para ser Presidente

“Não compro esta história de ele ser mentalmente incompetente ou estar numa fase inicial de demência”, disse James Comey, antigo director do FBI, durante a primeira entrevista televisiva que deu depois de ser despedido.

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Comey falou à ABC, no domingo à noite LUSA/MICHAEL REYNOLDS

Numa entrevista ao canal ABC News, James Comey, antigo director do FBI, teceu duras críticas ao Presidente norte-americano. Ao longo da entrevista, Comey descreveu Trump como “moralmente inapto para ser Presidente”, com trejeitos de “chefe de máfia”, que mente constantemente e trata as mulheres como “pedaços de carne”. Ainda assim, não quer que o Presidente seja destituído. Ao longo da entrevista, o antigo director do FBI falou ainda sobre a investigação aos e-mails de Hillary Clinton, que liderava à época.

A entrevista do último domingo à ABC News, no programa 20/20, foi a primeira de Comey depois de ter sido despedido do FBI, em 2017, e o início da digressão de promoção do seu livro de memórias, A Higher Loyalty: Truth, Lies and Leadership (Uma maior lealdade: verdade, mentiras e liderança, em tradução livre). Nele, descreve o Presidente como um “chefe em controlo absoluto” que gosta de manter o silêncio absoluto no seu círculo próximo. As críticas no livro já lhe valeram a fúria de Trump, que o apodou “bola de baba mentirosa” na última sexta-feira.

Durante a entrevista deste domingo, Comey seguiu a linha de críticas iniciada no livro – algo inédito no antigo director, que nunca tinha criticado um Presidente em funções.

“Não compro esta história de ele ser mentalmente incompetente ou estar numa fase inicial de demência”, disse Comey ao jornalista da ABC George Stephanopoulos. “Ele surpreende-me com a sua inteligência acima da média, e com esforço de monitorizar conversas e perceber o que se está a passar. Não acho que ele seja medicamente inapto para ser Presidente. Acho que ele é moralmente inapto para ser Presidente.”

A razão? Donald Trump mente muito, acusa Comey: “O nosso Presidente tem de encarnar o respeito e aderir aos valores que são nucleares neste país. O [valor] mais importante é ser-se verdadeiro. Este Presidente não é capaz disso.”

Uma pessoa que “vê equivalência moral no caso de Charlottesville, que fala sobre e trata as mulheres como se fossem pedaços de carne, que mente constantemente sobre assuntos importantes e corriqueiros, e insiste que os americanos acreditam nisso – esta pessoa não tem aptidão moral para ser Presidente dos EUA”, atira Comey. Ainda assim diz que não quer que o Presidente seja destituído: “As pessoas precisam de se levantar, ir a votos, votar pelos seus valores. A destituição causaria de certa forma, um curto-circuito”, considera.

Quanto à escolha do título para o livro de memórias, Comey recorda uma “conversa bizarra” que teve com o Presidente na Casa Branca, em Janeiro de 2017. “Ele pediu a minha lealdade pessoal enquanto director do FBI. Mas eu só devo lealdade ao povo americano”, disse Comey.

Despedir Mueller seria “ataque ao Estado de Direito”

Quanto à investigação sobre se houve conluio entre a campanha de Trump e a Rússia nas eleições presidenciais de 2016, Comey afirma que “é possível” que os russos tivessem tido acesso a informação comprometedora sobre o actual Presidente. “Há uma possibilidade acima de zero de os russos terem alguma influência sobre ele, enraizada na sua experiência pessoal. Não sei se é sobre a sua actividade num quarto de hotel em Moscovo [onde alegadamente se encontrou com prostitutas russas, em 2013] ou finanças ou outra coisa qualquer”, disse Comey.

O antigo director do FBI afirma ainda que se o Presidente despedisse o conselheiro especial Robert Mueller, que lidera a investigação sobre as suspeitas de intromissão russa nas presidenciais de 2016, isto seria um dos “ataques mais sérios ao Estado de Direito” de que há memória.

Comey salientou ainda a estranheza que lhe causa a ausência de críticas ao homólogo russo por parte de Trump. “Percebo que um Presidente queira tomar a decisão geopolítica de não criticar o líder de um país adversário publicamente”, diz. Mas considera um "mistério" que não o critique "nem em privado”, sublinha Comey. 

Sobre o pedido de Trump para que a investigação a Michael Flynn (acusado de mentir ao FBI sobre contactos com o Kremlin antes da tomada de posse de Trump) fosse arquivada, Comey diz que pode ter havido "obstrução à justiça". "Não sei, sou apenas uma testemunha neste caso, não um investigador ou procurador", defendeu-se.

"Hillary Clinton foi negligente”

Na linha do que já tinha escrito num relatório em Julho de 2016, meses antes das presidenciais, Comey diz que a conduta da candidata democrata foi “extremamente negligente” quanto ao uso de um servidor privado para comunicar por e-mail, mas admite falhas na comunicação da investigação do FBI, que liderava à época.

“Devia ter trabalhado mais para encontrar uma maneira de salientar que era mais do que um erro comum, embora não sendo um comportamento criminoso. Devia ter arranjado palavras que descrevessem bem isso”, disse Comey. Ainda assim, espera que a investigação a Clinton não tenha influenciado o resultado das eleições, e diz que havia "muito amor por Clinton" na sua família.

A reacção dos republicanos chegou logo após a emissão da entrevista. O Comité Nacional Republicano não tardou em publicar um comunicado dizendo que as declarações de Comey não passavam de publicidade ao novo livro, e mostravam que “a sua lealdade é apenas para consigo mesmo”. “A única coisa pior do que a má conduta de Comey é a sua disponibilidade para dizer qualquer coisa para vender livros”, lê-se.

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