Nova comissão de apoio às vítimas levanta dúvidas à direita e à esquerda

Alvo de críticas da maioria dos partidos, o diploma do Governo vai ser negociado em comissão durante dois meses.

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pp paulo pimenta

O Governo quer melhorar o apoio às vítimas de crime e alargar o leque de vítimas que podem ter acesso a compensações do Estado, como as de terrorismo, tortura, perseguição, sequestro e auxílio à imigração ilegal, mas as competências, o nível de financiamento e até o âmbito da classificação de vítima suscitaram muitas dúvidas à maioria dos partidos no Parlamento.

Por isso, para evitar o chumbo da proposta de lei do Executivo, o PS pediu que o diploma baixasse para discussão na especialidade em comissão durante 60 dias, sem ser submetido a votação.

No debate na Assembleia da República, a secretária de Estado adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro, bem tentou argumentar que o objectivo do novo regime é “melhorar o sistema de compensação às vítimas de crime” alargando o leque de possíveis beneficiários e aumentando o financiamento, mas também apostar na informação às vítimas de crime. A par disso, há uma “harmonização conceptual” entre a tipologia de crime de violência doméstica e de vítima especialmente vulnerável.

Mas não convenceu os partidos que a ouviam, embora todos se tenham mostrado disponíveis para debater soluções na discussão na especialidade.

A centrista Vânia Dias da Silva apontou vários problemas ao diploma do Governo, defendendo ser necessário que na sociedade portuguesa se aposte mais em matéria de protecção da vítima e de prevenção da revitimização — que, disse, é algo que falta na proposta. Considerou que o Governo tornou o conceito de vítima mais “subjectivo” e rejeitou a consideração da conduta da vítima para efeitos de culpabilização, como o diploma agora prevê. Alertou que se deixa cair a relação entre a compensação e a insuficiência económica da vítima e mostrou-se preocupada com o alargamento de competências da nova entidade que vem substituir a Comissão de Protecção às Vítimas de Crime, que adopta a designação de Comissão Nacional de Apoio às Vítimas de Crime (CNAVC), mas sem o respectivo aumento de recursos humanos.

A bloquista Sandra Cunha apontou praticamente os mesmos problemas e recusou a “diluição do conceito de vítima de violência doméstica e respectiva integração no conceito mais alargado de vítimas mais vulneráveis” por temer que se perca o “efeito positivo de combate e condenação da violência doméstica, que ainda é o crime que mais mata em Portugal”.

“É um entendimento redutor do conceito de vítima até mesmo à luz do que impõe a convenção de Istambul”, insistiu.

Outra divergência do Bloco prende-se com um “recuo” do direito claro a uma compensação para uma situação em que o processo de compensação ficará sempre dependente de “averiguação”, com critérios “vagos e subjectivos que abrem a porta ao juízo moral de quem decide”. O valor máximo de apoio do Estado a uma vítima de crime mantém-se nos 34.680 euros.

"Lógica de monopólio"

A social-democrata Sara Madruga da Costa criticou a “lógica de monopólio” da nova comissão, que além de decidir os pedidos de indemnização às vítimas também gere a atribuição do financiamento a projectos de entidades privadas que façam campanhas anti-violência.

E a comunista Rita Rato defendeu o aprofundamento do critério de insuficiência económica da vítima porque restringir o apoio apenas àquelas que tenham rendimento inferior ao salário mínimo “deixará muita gente de fora”.

A deputada apontou ainda a necessidade de se reforçar a informação às vítimas de crimes, já que em 2016 apenas 311 requereram apoios e só 197 vítimas de violência doméstica requereram indemnização, assim como o reforço das equipas de apoio multidisciplinares que funcionam junto dos tribunais.

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