A carga fiscal subiu. E o “esforço fiscal”? Centeno e oposição não se entendem

PSD acusa o ministro de ter “engolido” colegas do Governo, o CDS diz que Centeno prefere agora o conceito de “esforço fiscal”. BE vê governante como “força de bloqueio” da despesa. Centeno defende estratégia do OE.

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Mário Centeno durante a audição desta terça-feira no Parlamento LUSA/MÁRIO CRUZ

Era uma discussão que se antecipava e aconteceu: de um lado, o Governo a justificar o porquê de a carga fiscal ter aumentado em 2017; do outro, a oposição a acusar o executivo de ter carregado nos impostos indirectos e de não conseguir baixar o peso da fiscalidade sobre os portugueses.

Na comissão parlamentar do orçamento, onde o ministro das Finanças foi ouvido na tarde desta terça-feira, a conversa chegou ao fim com Mário Centeno a falar de um “cisma da carga fiscal”. A discussão azedou logo no início entre Centeno e o deputado do PSD António Leitão Amaro, e terminou como começou: em desacordo sobre o recorde histórico dos 34,7% de carga fiscal no PIB no último ano. O conceito corresponde à soma da receita dos impostos e contribuições sociais. E é pela decomposição desses valores que Governo e oposição recorrem fazem a leitura dos números.

O ministro já tinha rejeitado a ideia de que o “esforço fiscal” dos portugueses se tenha agravado no último ano, quando o deputado do PSD acusou o governante de “desmentir os próprios números” ao desvalorizar o facto de a carga fiscal ter crescido. Foi um dos 11 “pecados originais” que apontou ao Governo, acusando-o de ter subido taxas de impostos indirectos e, com isso, arrecadar mais 800 milhões de euros por ano em receita só com esse agravamento.

A receita fiscal e as contribuições para a Segurança Social, contrapôs Centeno, cresceram a “ritmos superiores” ao esperado e contribuíram para a subida do indicador, sem que tal signifique “um aumento do esforço fiscal de cada português” porque o rendimento disponível melhorou.

O que dizem os números do INE? Toda a receita dos impostos e das contribuições foi de 67.012 milhões, o equivalente aos 34,7% da riqueza produzida no país. É o valor mais alto desde pelo menos 1995, ficando acima do anterior histórico de 34,4% registado em 2015. A carga fiscal sobe porque tanto o bolo global dos impostos como das contribuições sociais aumenta: quando se olha para o total da receita tributária, o seu peso no PIB cresce em relação a 2016, ao passar de 25,2% para 25,4% (o mesmo valor de 2015); e o das contribuições sociais atinge um máximo, ao escalar de 9,1% para 9,3%.

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Já quando se decompõe a receita tributária, para verificar o que aconteceu entre os impostos directos (IRS e IRC) e os indirectos, é possível ver que o peso dos primeiros na economia encolhe uma décima (está a recuar já desde 2014 e atingiu agora 10,2% do PIB) ao mesmo tempo que a importância dos segundos tem crescido e esse crescimento foi superior à queda nos impostos directos (nunca os impostos indirectos tiveram um peso tão elevado no PIB, passando de 14,9% para um recorde de 15,2%).

Centeno não se referiu nunca ao agravamento dos impostos indirectos (caso dos combustíveis, imposto sobre bebidas alcoólicas, veículos e tabaco), atribuindo a subida do peso das receitas ao aumento do consumo e ao seu impacto no IVA, responsável por mais de 60% do crescimento dos impostos indirectos.

“Se não houve aumento da taxa de IVA, como aumentou a carga fiscal do IVA? Pelo aumento do consumo, de residentes, mas também do turismo”, defendeu. Sobre a receita contributiva, atribuiu essa tendência à melhoria do mercado de trabalho: “Todos sabemos que o Governo não aumentou as contribuições sociais e, ainda assim, a receita das contribuições para a Segurança Social teve um crescimento assinalável e superior ao do PIB nominal.”

O “esforço fiscal” é um conceito em que o nível de fiscalidade é avaliado pelo índice que relaciona a carga fiscal com outras medidas, como o PIB per capita ou a capacidade fiscal da economia. O deputado do CDS João Almeida contrariou a mudança de versão do Governo, dizendo que quem durante a discussão do orçamento do Estado escolheu falar do “critério da carga fiscal” foi Centeno, embora apareça agora a “divergir para o esforço fiscal”. E contrapôs: “O esforço fiscal não diminuiu, está estagnado.”

Para o deputado do PCP Paulo Sá, mais do que fazer a conta às décimas, a carga fiscal “está mal distribuída” e, por isso, desafia o executivo a pensar numa redistribuição, aliviando impostos sobre o trabalho e agravando a fiscalidade sobre “as grandes empresas e as grandes fortunas”.

Críticas sobre despesa

Olhando para a situação de 2017, a deputada do BE Mariana Mortágua considerou desonesto fazer uma associação “entre aumento da receita fiscal e aumento dos impostos”, porque, afirmou, 80% desse crescimento “diz respeito a impostos que se mantiveram exactamente iguais”. Mas isso não quer dizer que não possa haver espaço para rever alguns benefícios fiscais, disse, pedindo que os incentivos fiscais à criação de emprego deixem de fora as grandes empresas.

O uso da despesa pública marcou a intervenção das várias bancadas, em tons diferentes, mas de forma transversal aos diferentes grupos parlamentares, da oposição aos parceiros que o suportam no Governo, incluindo o próprio PS. Mariana Mortágua descreveu mesmo Centeno como “uma força de bloqueio a despesas absolutamente necessárias” na saúde e na ferrovia – um título que a Centeno fez lembrar outros tempos (a expressão celebrizada por Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro)...

O deputado do CDS João Almeida considerou as cativações um “instrumento de dissimulação” da execução orçamental, por ser uma “estratégia de ocultação” da aplicação da despesa; e do lado do PSD Leitão Amaro deixou uma farpa ao governante, falando dos outros ministros como estando cativos de Centeno, que, diz, os “engoliu” na gestão ministerial.

Paulo Sá criticou o aperto de cinto na despesa, dizendo que o Governo travou a realização de “despesa necessária” ao longo do ano passado para os serviços públicos. O défice, lembrou, ficou em 0,92% (sem contar com a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, que o coloca em 3%), mas se tivesse ficado em 1,6%, “o objectivo do Governo”, isso teria permitido “dar resposta a muitos problemas”.

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