“Desnuclearização” – a palavra da discórdia entre Kim e Trump

Os dois líderes têm falado do assunto e assumem-no como o objectivo primordial das conversações. Mas será que ambos querem dizer o mesmo?

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Noticiário em Seul sobre um teste nuclear da Coreia do Norte NARCH30/REUTERS

“Desnuclearização” é uma palavra que tem dominado as manchetes, enquanto o Presidente dos EUA, Donald Trump, tenta intensificar a pressão sobre a Coreia do Norte para que abandone o seu programa de armamento nuclear.

A Coreia do Norte há muito que diz estar aberta a abandonar o seu arsenal nuclear se os Estados Unidos retirarem as suas tropas da Coreia do Sul e cessarem a sua aliança de segurança do “guarda-chuva nuclear” com Seul, entre outras condições.

Os Estados Unidos, por seu lado, têm insistido num desmantelamento completo, verificável e irreversível do armamento nuclear da Coreia do Norte e de todas as infra-estruturas necessárias para a sua produção.

As interpretações divergentes ameaçam interferir nas potenciais conversações entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos ainda antes de começarem. “À medida que as cimeiras se aproximam, as noções de desnuclearização parecem estar a afastar-se em vez de se aproximarem”, diz Adam Mount, da Federação Americana de Cientistas.

No centro do abismo entre o que disse Kim Jong-un e aquilo que os líderes norte-americanos e aliados podem esperar estão muitas lacunas e condições associadas. Anteriores líderes norte-coreanos prometeram acabar com o programa nuclear através de negociações e, segundo dirigentes sul-coreanos, Kim disse estar aberto a destruir as suas armas nucleares se lhe forem dadas garantias de segurança adequadas.

Será improvável que Washington consiga fornecer de forma credível essas garantias depois das intervenções no Iraque e na Líbia, diz Vipin Narang, professor associado do Programa de Estudos de Segurança do MIT. “Se isso é o que o Norte entende por desnuclearização, não há hipótese de acontecer”, afirmou. O mais provável é que a Coreia do Norte ofereça algo que possa limitar o seu programa nuclear sem o eliminar imediatamente, dizem os analistas.

A China e a Coreia do Norte partilham uma definição semelhante de desnuclearização, de acordo com Zhao Tong, especialista do Centro Carnegie-Tsinghua de Pequim. “A China não exige ou pede que as armas sejam destruídas, mas quer assegurar que uma Península Coreana livre do nuclear seja o objectivo último”, diz.

A linha oficial da Coreia do Sul é a de que partilha o objectivo norte-americano de um desarmamento nuclear completo, mas o Presidente Moon Jae-in reconheceu recentemente que isso pode não acontecer imediatamente e disse estar aberto a explorar “outros passos pelo caminho”, disse uma fonte oficial do Parlamento.

Os analistas acreditam que o compromisso mais provável é o de que a Coreia do Norte concorde em suspender os testes nucleares e balísticos e, possivelmente, limite o desenvolvimento de armas a troco de um alívio de sanções e uma redução ou suspensão dos exercícios militares conjuntos entre os EUA e a Coreia do Sul.

O próprio Trump tem enviado mensagens contraditórias sobre a Coreia do Norte, divulgando ameaças de acção militar e dizendo que o diálogo é uma perda de tempo. Ao mesmo tempo que aceitou o convite de Kim para uma reunião. No seguimento desse convite, que foi apresentado por uma delegação sul-coreana que se tinha encontrado com Kim no início do mês, Trump afirmou: “Kim Jong-un falou sobre desnuclearização com os representantes sul-coreanos, não apenas uma suspensão.”

O novo conselheiro para a Segurança Nacional, John Bolton, disse recentemente que o Presidente deveria usar o encontro com Kim “para mostrar que não está ali para perder tempo e que espera uma desnuclearização verdadeira, e não conversações sobre conversações para a desnuclearização”.

Se Trump partilhar essa visão e Kim recusar ceder, as conversações podem não chegar a lado nenhum, diz Mount. “Se Trump rejeitar uma abordagem faseada, ele será visto como irrazoável e fixado nas suas expectativas. Se isso acontecer, poderemos ver outros actores a afastarem Washington deste processo e avançarem sozinhos.”

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