Onde está a verdade?

Sim, é inteligente e interessante; sim, esperávamos um pouco mais, um pouco melhor, um pouco mais rugoso.

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O Terceiro Assassinato: filme falho da intensidade física que mais atrai nos outros filme de Koreeda
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Regresso ao contacto com Hirokazu Koreeda, um dos poucos japoneses com que a distribuição portuguesa tem permitido um diálogo continuado, num filme diferente dos terrenos que o vimos percorrer nos seus melhores e mais conhecidos. De facto, habituámo-nos a ver nele um excepcional retratista dos universos infantis (Ninguém Sabe, Tal Pai, Tal Filho), ou da “família japonesa” a partir de gentis evocações de Yasujiro Ozu (Andando). Sobretudo, um cineasta físico, materialista, às vezes brutalista — aquela sequência com o ruido dos aviões a chegarem ao aeroporto em Ninguém Sabe, que dura e dura e dura, é algo de fora de série e inesquecível. Em O Terceiro Assassinato há menos “física” do que “metafísica”, num registo diverso que acolhemos com maior ambivalência, para não dizer com uma certa decepção.

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A questão, crucialmente metafísica (sem aspas agora), é esta: a verdade, o que é e como se reconhece? O filme acompanha um “teatro” propício à sugestão destas perguntas. Um advogado de defesa e a sua equipa, que trabalham na preparação do julgamento de um homem acusado de um assassínio — o “terceiro assassinato” que comete, depois de há trinta anos ter sido autor de um duplo homicídio, pelo qual foi condenado a pena de prisão, em caso julgado pelo pai do advogado protagonista do filme (coincidência que serve de mote ao enunciar de outra questão que também tem os seus aspectos metafísicos: a pena de morte). A variação do discurso do acusado, sempre a mudar as versões do acontecimento (é um bocado como Rashomon, o filme de Kurosawa que há setenta anos também reflectia sobre a “verdade”), exerce uma estranha atracção sobre o advogado, que da pose “tecnocrática” e bastante cínica com que começa por encarar o caso evolui para uma angústia progressivamente mais intensa, à medida que o assassino parece detentor de um segredo inatingível (em certos planos, assassino e defensor têm os seus rostos “fundidos” pelo reflexo da vidraça que os separa, como se fosse um Persona entre homens). Mas talvez a cena-chave seja aquela em que a filha adolescente do advogado lhe mostra que consegue chorar sem vontade, mas com semblante de convicção. É uma cena muito bem filmada: num plano vemos a personagem a chorar, no plano a seguir, depois da explicação, já não acreditamos, vemos apenas “representação”. E isto, a distância entre a verdade e a (sua) representação, é o coração do filme de Koreeda. Que ele explora com uma austeridade (os planos estáticos, os contrastes preto/branco da iluminação e dos smokings das personagens) que nem por ser rigorosa e intencional parece falha daquela intensidade, propriamente física, que mais atrai nos seus outros filmes. Daí, a ambivalência: sim, é inteligente e interessante; sim, esperávamos um pouco mais, um pouco melhor, um pouco mais rugoso.

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