Líderes quebram tabu na discussão da reforma do euro, mas o debate ainda só começou

May conseguiu luz verde ao avanço das negociações para a discussão da relação futura entre Londres e Bruxelas e um acordo de princípio para "medidas adicionais" contra a Rússia. Dez países vão expulsar diplomatas.

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OLIVIER HOSLET/EPA

A discussão de uma futura capacidade orçamental própria da zona euro, “um tema que antes era tabu”, como notou o primeiro-ministro português António Costa, dominou por completo a cimeira dos 19 chefes de Estado e de governo que partilham a moeda única que encerrou os trabalhos do Conselho Europeu da Primavera, esta sexta-feira em Bruxelas. Mas mesmo que o debate, antes impensável, agora já seja possível, com todos os países envolvidos a apresentar as suas ideias e posições, qualquer decisão sobre essa matéria permanece ainda no futuro distante.

“Há um debate que ainda tem de ser aprofundado”, admitiu António Costa, que ainda assim registou que “há um consenso que se vai construindo, de modo difícil, lento, ainda não consolidado. Há um caminho de consensualização que tem vindo a ser prosseguido, há um esforço efectivo de todos de procurar construir uma proposta que possa ser maioritária”, observou o primeiro-ministro.

Costa não arrisca um prazo para a conclusão desse processo negocial, que está a correr no Eurogrupo, a par com as discussões relativas à conclusão da união bancária e da evolução do Mecanismo Europeu de Estabilidade para um novo Fundo Monetário Europeu — e cujos desenvolvimentos o presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, veio apresentar ao Conselho Europeu. E quanto a esse dossier, “saímos todos reconfortados que é uma meta possível de cumprir em Junho”, disse António Costa.

Junho foi também o novo prazo apontado pelo Presidente de França, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, para a apresentação da sua declaração conjunta sobre a reforma do euro, isto é, o seu roadmap para a união económica e monetária. Os dois líderes apareceram juntos para a conferência de imprensa final do Conselho Europeu, para dizer que a Alemanha e a França estão a trabalhar em conjunto para encontrar uma proposta para a nova arquitectura do euro, com mini-cimeiras ministeriais para avaliar o progresso dessas conversações agendadas para Abril e Maio, na perspectiva de que uma declaração comum venha a ser apresentada aos restantes parceiros a tempo do próximo Conselho de Junho.

“Penso que estamos no bom caminho”, afirmou Angela Merkel, para quem “agora que a zona euro atravessa uma fase mais calma e a convergência evolui de forma positiva é que devemos tomar medidas para quando as coisas voltarem a ficar difíceis”.

No entanto, não é garantido que tanto no que diz respeito à conclusão do processo da união bancária e da evolução do Mecanismo Europeu de Estabilidade para um novo Fundo Monetário Europeu, como do acordo para o estabelecimento de uma capacidade orçamental da zona euro, as aspirações e o optimismo de Costa, Macron e Merkel não acabem por se esbater na inércia de Bruxelas. Como lembrou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, “em Março decidimos sempre voltar ao assunto em Junho, e em Junho decidimos sempre voltar ao assunto em Outubro. E depois nunca voltamos”. Manifestou logo o seu desejo de que desta vez não seja assim.

E nesse sentido (de assuntos a que será preciso voltar uma e outra vez) este foi um Conselho Europeu típico. Nenhum dos grandes temas da agenda — de uma eventual guerra comercial global lançada pelas acções do Presidente dos Estados Unidos, ao processo do “Brexit” e à resposta às acções beligerantes da Turquia e da Rússia em território europeu — ficou esgotado na reunião dos chefes de Estado e governo, primeiro no formato a 28 e depois só a 27, quando a discussão se voltou para as negociações com o Reino Unido.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, que em vez de ir embora na quinta-feira à noite como previsto, teve de prolongar a sua estadia em Bruxelas por causa do adiamento do debate das questões comerciais (após a confirmação de que a União Europeia beneficiaria de uma isenção das novas taxas de importação de aço e alumínio aplicadas pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump), reclamou no seu regresso a Londres que tinha cumprido todos os seus objectivos neste Conselho.

O Reino Unido — que por esta altura do próximo ano já estará a despedir-se das instituições europeias — conseguiu que os líderes validassem o compromisso alcançado entre Londres e Bruxelas no início da semana para o texto jurídico do acordo de saída (onde está ainda incluído um acordo para um período de transição após o “Brexit”) e dessem luz verde ao avanço das negociações para a discussão da relação futura entre os dois blocos. Para tal, aprovaram um primeiro conjunto de directrizes para as conversações futuras e concederam um mandato ao negociador da Comissão, Michel Barnier, para prosseguir os seus contactos.

Theresa May disse-se satisfeita com a “nova dinâmica” que disse ter encontrado em Bruxelas antes da próxima fase negocial. Os líderes europeus também usaram linguagem positiva, embora o documento das conclusões esteja repleto de avisos (uns mais explícitos, outros mais subtis) sobre os limites e obstáculos que ainda precisam de ser ultrapassados para que os dois blocos consigam desenhar uma “parceria tão próxima quanto possível” depois do “Brexit”. “No que diz respeito à futura relação económica, o Conselho Europeu confirma a sua prontidão para encontrar um acordo de livre comércio equilibrado, ambicioso e abrangente”, lê-se. Porém, os líderes não assumiram uma preferência sobre o modelo de acordo que poderá vir a ser assinado: se algo mais próximo do que a UE tem com o Canadá, se mais parecido com o que fixou com a Noruega.

Dez países expulsão diplomatas russos

May já tinha visto os seus aliados europeus expressarem solidariedade e prometerem apoio ao Reino Unido na sequência do ataque com um agente tóxico contra o antigo espião russo Sergei Skripal, que o Governo britânico atribuiu a Moscovo. “O Conselho concorda com a avaliação feita pelo Governo britânico de que é altamente provável que a responsabilidade [pelo ataque] pertença à Federação Russa, e de que não existe nenhuma outra explicação alternativa que seja plausível”, lê-se no documento final.

Os chefes de Estado e de Governo não avançaram para sanções contra Moscovo, mas deixaram em aberto a possibilidade de “retirar consequências” em função das explicações que vierem a ser dadas pelas autoridades russas. O que não impede acções individuais ao nível dos países.

Dez países disseram que irão expulsar diplomatas russos do seu território - França, Polónia, Alemanha, Irlanda, Holanda, Estónia, Lituânia, Letónia, Bulgária e República Checa e Dinamarca. Na sua conferência conjunta, Angela Merkel e Emmanuel Macron concordaram que o que aconteceu em Salisbury “foi intolerável e exige uma reacção”, prometeram “medidas adicionais” contra a Rússia em breve.

Logo pela manhã, a alta-representante para a política externa, Federica Mogherini, convocou o chefe da delegação diplomática da União Europeia na Rússia para consultas em Bruxelas — um sinal político de que a promessa dos líderes de “continuarem a seguir atentamente esta matéria e as suas implicações” poderá resultar em futuras “acções coordenadas” para penalizar o Kremlin.

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