Número de famílias sobrecarregadas com custos da habitação quase duplicou

Relatório da Federação Europeia de Organizações Nacionais que Trabalham com População Sem-abrigo lembra que custos mensais das rendas ou empréstimos das famílias mais pobres aumentou 40%.

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Famílias mais pobres, mesmo quando não estão sobrecarregadas, usam 35,1% do seu orçamento em custos com a habitação Rui Gaudêncio

Em Portugal, o número de famílias sobrecarregadas com os custos da habitação quase duplicou em seis anos. Em 2016, 7,5% das famílias em geral e 29,1% das famílias pobres estavam a gastar mais de 40% do seu orçamento mensal em habitação, percentagem que está acima do que é recomendável. Em 2010 esse dado era de 4,2% no caso da população em geral e de 15,9% nas famílias mais pobres. Isto representa um aumento de 80%.

“Ou seja, o bem-estar destas pessoas é afectado pelo facto de pagarem muito pela habitação”, explica ao PÚBLICO Chloé Serme-Morin, perita da Federação Europeia de Organizações Nacionais que Trabalham com População Sem-abrigo, FEANTSA (na sigla francesa), que publica esta quarta-feira o seu terceiro relatório sobre a exclusão habitacional na Europa, e de onde foi retirada aquela informação.

O relatório é baseado nos mais recentes dados do Eurostat para 2016, publicados em 2017. “Tentamos ver se as desigualdades aumentaram”, refere a perita. E, de facto, confirma-se: em Portugal, além da percentagem de famílias em sobrecarga financeira ter aumentado, as mais pobres, mesmo quando não estão sobrecarregadas, usam 35,1% do seu orçamento em gastos com a habitação (ou seja, um aumento de 37.6% desde 2010). A diferença em relação à população em geral é grande, pois nesse caso gastam apenas 17,7% do seu orçamento (mesmo assim, este número subiu 23,8%).

Já se olharmos para os custos mensais das rendas ou dos empréstimos ao banco dos agregados mais pobres o aumento atingiu números igualmente mais altos do que a média europeia: 40%. De acordo com o relatório, houve subidas em três quartos dos países europeus neste item, mas em metade desses foi de apenas 20%. 

Ao mesmo tempo, a qualidade da habitação também piorou: se é verdade que entre 2010 e 2016 se detectou uma descida de quase 30% do número de famílias a viverem em casas sobrelotadas, é elevado o número de pessoas a viver em casas com fracas condições de habitabilidade, sobretudo quando isso é comparado com o resto da União Europeia: 4,9% da população portuguesa em geral e 11,3% das famílias pobres estão nesta situação. Também neste indicador houve uma descida de 12,5% relativamente aos dados de 2010.

Há que acrescentar que, em 2016, em Portugal, mais de um terço das famílias pobres não tinham capacidade para manter uma temperatura confortável em casa. Também a idade e nacionalidade contaram para factores como a sobrecarga financeira e a sobrelotação, o que se traduziu no facto de os cidadãos não-europeus (29%) terem quatro vezes mais de probabilidade de estarem sobrecarregados com o custo da habitação do que os nacionais (7%).

Habitação social devia ser 20%

E porque é que em Portugal as pessoas estão a gastar mais na habitação? Olhando a diferença entre proprietários e inquilinos, percebe-se que “há qualquer coisa que está errada”, refere Chloé Serme-Morin." Achamos que é porque os mercados não estão a ser controlados por políticas públicas. Em países onde a habitação social está presente e tem um parque significativo, com um equilíbrio com o mercado, é fácil encontrar o controlo de preços.”

Por exemplo, em Portugal apenas 2% do mercado é habitação social comparando com 20% em França, refere. “Se se desenvolver a habitação social para famílias pobres e vulneráveis isso pode representar uma grande mudança. O que também previne despejos e sem-abrigo”, conclui. Embora tenha consciência que não é possível passar de 2% para 20% de habitação social de repente, a perita refere que aquela percentagem se aproxima do cenário ideal.

Não há dados sobre o número de sem-abrigo em Portugal, sublinha ainda o relatório, que elogia o facto de ter sido o primeiro país mediterrânico a adoptar um plano estratégico para este grupo. Mas lembra que tem havido críticas. “A falta de suporte político, transparência no financiamento e a fraca coordenação horizontal, bem como a ausência de mecanismos de avaliação, juntos, comprometeram seriamente o impacto da estratégia”, afirmam. Porém, o relatório mostra-se optimista com o novo plano, referindo inclusivamente o empenho do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em erradicar o fenómeno até 2023.

Uma das secções do relatório é justamente sobre conselhos e armadilhas na execução de políticas para os sem-abrigo. “Se tivermos políticas separadas, uma para a habitação, outra para os sem-abrigo, sem elas se cruzarem, as coisas não funcionam: porque se não há casas a preços acessíveis disponíveis no mercado não se pode actuar nem ter efeitos no terreno dos sem-abrigo”, afirma a perita ao PÚBLICO.

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