Governo não vai abrir cordões à bolsa no OE2019

A margem para negociar é curta, já que Centeno não pode abrir o cofre. Reformas das carreiras não contributivas, descongelamento dos funcionários públicos, infraestruturas e saúde são as apostas do Governo.

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Nuno Ferreira Santos

Está excluída qualquer hipótese de haver aumentos salariais para os funcionários públicos em 2019, garantiu ao PÚBLICO um membro do Governo, explicando que o próximo Orçamento do Estado continuará a ser de contenção uma vez que “não haverá mais dinheiro” para que se abram os cordões à bolsa.

Os aumentos aos funcionários públicos já foram exigidos pelos parceiros de aliança parlamentar do Governo, bem como pelos sindicatos. Por seu lado, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, alertou para o risco de eleitoralismo em matéria orçamental no ano em que se realizam eleições europeias (Maio) e legislativas (Outubro). Uma preocupação de Marcelo a que o Governo está atento. “A memória de 2009 impede-o. José Sócrates aumentou função pública em ano eleitoral e em plena crise. Além de que seria visto como puro eleitoralismo”, argumenta o governante.

Os funcionários públicos beneficiarão assim no OE2019, apenas da “concretização da fase seguinte do descongelamento das carreiras”, cujos compromissos foram assumidos o ano passado, lembra o membro do Governo. O executivo pretende também concretizar as “fases seguintes das reformas antecipadas sem penalização para as longas carreiras contributivas sem penalizações”.

De resto, no OE 2019 avançará a concretização da gratuitidade dos manuais escolares, mas a falta de recursos orçamentais é assumida pelo responsável governativo que sublinha que “o investimento público tem de ir para a manutenção e requalificação de infraestruturas que estão em situação de desgaste crítico”, como é o caso dos caminhos-de-ferro e da Ponte 25 de Abril.

 

“Duras e difíceis”

As negociações do Orçamento do Estado para 2019, o último da legislatura, anunciam-se “duras e difíceis”, admite o membro do Governo em jeito de aviso para o BE e o PCP, no momento em que o ministro das Finanças, Mário Centeno, já prepara o seu último Programa de Estabilidade, o documento que antecipa as linhas gerais do próximo Orçamento e que é o compromisso do Governo perante Bruxelas. Neste documento surgirão já as metas do défice e da despesa e as medidas principais para 2019. O CDS já avisou, que vai voltar a levar o documento a votos no Parlamento em Abril.

Quando o ministro das Finanças está à frente do Eurogrupo, a palavra de ordem é a de voltar a ultrapassar as metas orçamentais apontadas pela Comissão Europeia. Ainda que dentro do PS haja sectores que defendem que a opção devia ser a de investir mais na recuperação dos serviços públicos, não é expectável que seja alterado o espírito de contenção que tem sido apanágio do ministro das Finanças.

 “Centeno está a conseguir ir para lá do que estamos obrigados e é preciso ter sempre presente que ele tem o total apoio do primeiro-ministro”, sublinhou o responsável governativo, na mesma semana que, em Bruxelas, António Costa anunciou que o défice de 2017 ficou perto de 1,1%, abaixo dos 1,4% que o próprio Governo previra.

Risco de ruptura?

“No Orçamento não haverá recuos” do Governo nos compromissos assumidos com os parceiros de aliança parlamentar, mas “o avanço do que está estabelecido será feito dentro do mesmo espírito”, explica o governante, concluindo: “Não avançará tudo como o BE e o PCP querem, mas também já nos outros Orçamentos não demos tudo.” O membro do Governo considera, contudo, que “será difícil o BE e o PCP chumbarem o Orçamento, pois isso dará uma imagem de oportunismo antes das eleições e quem romper os entendimentos vai ter de pagar o ónus” político e eleitoral.

As negociações avizinham-se assim como “um jogo de sombras” nos bastidores, a que se contraporá “a dança pública” das declarações, onde, diz, “cada encenação é um medir de forças”. Mas, conclui: “Já se sabe que o Governo não cai, ninguém quer antecipar eleições, até o PSD precisa de tempo.” Embora seja “provável que haja um intensificar da contestação”, num quadro reivindicativo em que “as greves actuais já fazem parte dessa encenação”.

Paralelamente, às negociações com o BE, o PCP e o PEV, o Governo irá explorar o canal de diálogo aberto pelo líder do PSD, Rui Rio. As negociações estão a decorrer na descentralização, onde o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, tem reunido com Álvaro Amaro, mandatado por Rui Rio, mas também na preparação do programa de aplicação dos fundos estruturais para a década de vinte, o Portugal 2030, e nas alterações ao programa de fundos em vigor, o Portugal 2020.

Este último assunto tem sido negociado entre o ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, e o vice-presidente do PSD Manuel Castro Almeida e deverá incluir um acordo sobre a aprovação do Conselho de Obras Públicas que o Governo defende no seu programa, para gerir os investimentos públicos, os quais passarão a ter de ser aprovados por dois terços do Parlamento.

Trabalho fora do OE

À esquerda, o Governo irá também manter as negociações em curso. Ainda que não esteja disponível para ceder ao PCP em matéria de legislação laboral, em temas como “o fim da caducidade das contratações colectivas e do banco de horas grupal”, sublinhou o membro do Governo.

No plano laboral a aposta do Governo passa pela busca de soluções que diminuam o impacto do trabalho precário, em que o parceiro de negociação tem sido o BE. Esta decisão terá sempre implicações no OE2019 devido à integração de precários no Estado em 2018, a qual, segundo o mesmo responsável governativo, “não podia deixar de ser feita, já que não havia há 20 anos, desde o Governo de António Guterres”.

O Governo está, assim, a negociar com o BE medidas para diminuir o trabalho precário no sector privado, as quais “podem passar pelo apoio a empresas que contratem sem termo”, mas esse apoio não deverá incidir em benefícios fiscais. A solução poderá ser trabalhada em coordenação com o cumprimento de um outro compromisso já assumido e que passa por, “em 2019, ser feita a revisão do estatuto dos benefícios fiscais e do pagamento especial por conta”, explica o membro do Governo. A ideia “não é baixar a fiscalidade das empresas, é substituir o actual regime por um sistema gradual em que uns pagam mais e outros menos consoante a realidade dos sectores”.

Também sem incidência orçamental, mas fazendo parte dos compromissos assinados pelo Governo com o BE está o aumento do salário mínimo nacional, cujo acordo o PCP não quis assinar. Em 2019, o tecto dos 600 euros mensais será atingindo, lembra o membro do Governo, salientando que “se há aumento do salário mínimo é porque foi assinado sobre ele um acordo com o BE”, já que “Centeno era contra”. Tal como pode vir a ser renegociada com o BE a diminuição das rendas no sector da Energia.

Saúde, o sector que “as pessoas valorizam mais”

A Saúde é uma prioridade de investimento do Governo no Orçamento do Estado para 2019 e deverão aumentar os seus recursos financeiros, garantiu um membro do Governo ao PÚBLICO, embora reconhecendo que as verbas que vão ser disponibilizadas não sejam suficientes para resolver todos os problemas. “Haverá investimento de manutenção, embora o ministro Adalberto Campos Fernandes tenha lembrado que tem havido mais investimento no sector, só que não chega porque a Saúde cada vez mais produz mais”, afirmou.

Consciente de que o investimento que venha a ser feito “não será suficiente para acabar com as necessidades”, o mesmo membro do Governo defende que este “é o sector mais crítico, porque as pessoas valorizam mais” e exemplifica: “Mesmo os mais ricos precisam do SNS para tratar um cancro.” Daí a atenção que o Governo quer dar ao sector, cujo ministro tem coordenado a sua acção também com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, de quem é amigo pessoal.

Antes das negociações do OE2019 e com incidência neste deverá avançar a revisão da Lei de Bases da Saúde. O BE já apresentou uma proposta feita pelo seu dirigente João Semedo em conjunto com António Arnault, presidente honorário do PS e antigo ministro da Saúde que foi o “pai” do Serviço Nacional de Saúde.

Também o PS está a preparar uma proposta, através de um grupo de trabalho presidido pela antiga ministra da Saúde Maria de Belém Roseira. Neste domínio ainda pouco se sabe sobre o que vai concretizar-se, mas em cima da mesa do debate está já a ideia do BE de “internalizar no sistema público os serviços que hoje são prestados por privados e pagos pelo Estado”.

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