Depois de “perder o povo”, Partido Democrático prepara uma “cura de oposição”

Matteo Renzi abandonou a direcção e o partido segue a sua linha de recusar uma aliança com o Cinco Estrelas. Para lá dos erros políticos, o seu grande problema é a ruptura com as classes populares.

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Corre o rumor de que Matteo Renzi, depois de se demitir da direcção do PD, quer formar um novo partido RICCARDO ANTIMIANI/EPA

O Partido Democrático (PD) iniciou ontem à tarde, em Roma, a era pós-Renzi. O presidente do partido, Matteo Orfini, leu a carta de demissão do secretário nacional, Matteo Renzi. A liderança será provisoriamente exercida pelo vice-presidente, Maurizio Martina, até uma assembleia do partido, em meados de Abril, decidir se elege a nova direcção ou passa a decisão para um congresso. O grande tema em jogo é a posição do PD perante um acordo com o Movimento 5 Estrelas (M5S). Mas falta a resposta à grande pergunta: a que se deve a derrota histórica de 4 de Março?

Renzi não participou na reunião. Numa entrevista ao Corriere della Sera, reafirmou ontem a sua frontal oposição a qualquer aliança com os vencedores das eleições, o M5S ou a Liga, definidos como “extremistas”, posição que diz ser partilhada “pela esmagadora maioria do povo PD”. Desafia-os a formarem um governo em conjunto ou a declararem falência. “O PD deve estar na oposição.” Os “renzistas” sublinham o risco de o PD “ser absorvido pela maré alta grillista” em caso de aliança.

A opção de Renzi

Na reunião da direcção, Martina corroborou: “O M5S e a Liga que governem, nós somos minoria. “Recebemos um cartão vermelho dos eleitores”, sublinhou o ministro Graziano Delrio. “Quando o país se der conta de que as promessas [dos vencedores] são irrealizáveis, os eleitores tirarão conclusões.” Também Orfini declarou numa entrevista: “Uma aliança com o M5S seria o nosso fim.” Recusa, inclusive, negociações sobre a próxima eleição dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados e considera normal que estes lugares sejam ocupados pelos vencedores, M5S e Liga.

O PD está sob pressão europeia para evitar um governo do M5S ou da Liga. Mas é difícil. “De facto, nesta fase, é muito arriscado para o PD apoiar qualquer governo”, escreve o politólogo Roberto D’Alimonti. “O partido de Renzi necessita da oposição para curar as feridas. Que sejam os outros a assumir a responsabilidade de governar. É esta a ideia que circula. É o paradoxo de um partido derrotado, sem o qual os vencedores dificilmente conseguirão fazer um governo.” Remata: para resolver a crise política, “é preciso fantasia”.

Perante apelos para que retirea demissão, repetiu Renzi: “Demito-me e não cedo”. Apenas exercerá o cargo de senador para que foi eleito.

O secretário demissionário dispõe da maioria na direcção. Ignora-se ainda a relação de forças no Parlamento. Num clima de intensa especulação, correm rumores sobre a possibilidade de ele abandonar o partido e fundar um outro, com os seus “fidelissimos”, seguindo o exemplo de Macron. Observou o deputado Dario Ginefra (PD) que, em tal caso, “o PD ficaria reduzido a uma bad company”.

É certo que Renzi não vai abandonar a política. Mas especulação sobre a cisão é improvável. Um momento de derrota pessoal não é propício para fazer secessões.

O risco de colapso

Os dois vencedores, Di Maio e Salvini, podem falhar na construção num novo modelo bipolar com base nos seus partidos, escreve Giuseppe Fioroni, deputado PD. Mas é um ilusão pensar que “a onda populista e radical sofrerá um refluxo que recupere a anterior dialéctica esquerda-direita.” A esquerda “precisa de reconstruir uma perspectiva de programas e alianças, capaz de inverter o sentimento colectivo da raiva, desilusão e insegurança”. Entretanto, “o PD arrisca-se ao colapso”. O ministro do Interior, Marco Minniti, fala numa “ruptura sentimental com o país” o que exige uma “discussão exaustiva” sobre as suas razões: “O PD arrisca-se a desaparecer”.

Esta “ruptura sentimental” tem uma razão: o divórcio entre a esquerda e as classes populares. Os sinais de alarme soam desde o fim dos anos 1990 e intensificaram-se com a crise de 2008 e os efeitos da globalização. É um fenómeno largamente europeu.

Lembre-se, no caso italiano, que nas legislativas de 2013 Beppe Grillo conquistou 40% do voto operário, à frente de Berlusconi com 25,8 e do Partido Democrático, com 21,7.

O PD perde no Norte e no Sul. Anota o politólogo Luca Ricolfi: “Onde falta trabalho, as pessoas votam Cinco Estrelas, onde há trabalho votam PD e sobretudo na Liga. Deste ponto de vista, o alegado populismo da Liga é de natureza completamente diferente do do Cinco Estrelas, porque se afirmam em contextos opostos, de máximo e mínimo emprego.”

O eleitor do M5S, onde não há empregos, pede rendimentos. O liguista, onde há trabalho, pede condições para trabalhar melhor — menos impostos e menos burocracia. E, sobretudo, menos imigrantes, que vêm como uma ameaça.

O PD é, desde há muito, um partido da classe média e, em particular, da classe média alta. Nas grandes cidades vence nos bairros abastados e perde nos pobres.“Que razões tem um operário de Turim para votar no PD?” Ou, “por que é que um jovem de Potenza [Sul], que não sabe como sobreviver, deveria votar do PS?”.

Também a politóloga Nadia Urbinati reconhece que são movimentos diferentes. O que os aproxima? “É o anti-establishment. É a distinção entre os que estão dentro e os que estão fora. Revivemos, numa forma moderna, a polarização da Roma antiga entre a plebe e os patrícios.”

Na origem, está o pano de fundo que todos conhecem. Como efeito da era pós-industrial e, depois, da globalização, a classe operária e a classe média sentem-se “atacadas” em termos absolutos e relativos. O Estado-providência estar a ser corroído. O “elevador social” desacelerou. Crescem a raiva e a impotência dos “perdedores da globalização”. É a última oportunidade para o PD repensar a sua estratégia.

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