Entrada da Santa Casa no Montepio passa a ser só simbólica

Investimento será feito em conjunto com outras instituições de solidariedade social. Entretanto, Tomás Correia aguarda por "informação vinculativa" de Mário Centeno sobre créditos fiscais para a Associação Mutualista.

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Tomás Correia continua a liderar a Associação Mutualista JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa

A parceria assumida entre a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, de compra até 10% da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), deverá recuar para seguir uma linha menos ambiciosa: a entrada da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (SCML) deverá ser através de um conjunto (pool) de misericórdias e de institutos de solidariedade social que fará um investimento simbólico.

A solução está em cima da mesa e foi mencionada ao PÚBLICO por várias fontes com interesses divergentes. A mudança de caminho começou a 14 de Fevereiro. Nesse dia, a SCML informou o Banco Haitong, de que prescindia dos seus trabalhos, depois de o ter contratado em Outubro para fazer a análise aprofundada (due diligence) à CEMG. O afastamento foi justificado pelo provedor Edmundo Martinho com o facto de o Haitong não ter apresentado nos prazos acordados uma avaliação firme da instituição.

Por seu turno, o Haitong contrapôs que se não o fez foi porque a AMMG não lhe facultou toda a informação necessária que lhe foi requerida. Entre os dados que solicitou está alguma correspondência trocada entre o Banco de Portugal e a instituição chefiada por José Félix Morgado, a concluir o seu mandato à frente da CEMG. Félix Morgado irá, tudo indica, ser substituído. E não é por Nuno Mota Pinto como foi anunciado (que ficará na gestão), mas pelo ex-presidente da CMVM Carlos Tavares, conforme a notícia avançada pelo Jornal Económico e confirmada pelo Eco.

O que parece ser ponto assente é que a Santa Casa não vai para já entrar no capital da CEMG nos moldes previstos. Sublinhe-se que o provedor Edmundo Martinho chegou a admitir que a SCML poderia ter uma presença no banco Montepio até 10% do capital e um investimento de 200 milhões. Uma ambição que nas últimas semanas se foi ajustando.

A nova solução passa agora por tentar criar uma pool de misericórdias - onde a SCML terá um papel forte - e de instituições particulares de solidariedade social. Mas desta vez os investimentos no banco serão simbólicos. O recuo na estratégia de injecção de fundos na CEMG só é possível porque o banco não tem necessidades imediatas de capital.

Uma equação que permite salvar as faces do ministro Vieira da Silva (com a tutela da Associação) e da vice-governadora do Banco de Portugal Elisa Ferreira (que fiscaliza a CEMG), uma vez que põem em marcha a criação do desejado Banco da Economia Social, mas não como foi apresentado.

O menor envolvimento da SCML no grupo Montepio era o desfecho expectável. Porque o dossiê é controverso: se aceitar que a CEMG vale o montante que a AMMG tem contabilizado nas contas, a SCML expõe-se a um risco financeiro elevado; mas se a entrada da SCML no banco se fizer abaixo do valor contabilístico, Tomás Correia terá de registar imparidades. O que será uma exigência natural do auditor externo, a KPMG, que aguarda pelo desfecho desta operação. E hoje, é até a própria Associação a inclinar-se para que Edmundo Martinho se afaste do processo, para evitar a deterioração do balanço.

No Plano de Acção da AMMG para 2018, aprovado a 27 de Dezembro, a CEMG está contabilizada em 2,045 mil milhões (no documento, o orçamento de 2018 valoriza a mesma posição em 2,09 milhões).

As questões repetem-se na área seguradora, onde se acentuam problemas e se somam os prejuízos. O acordo de venda de 60% da Holding Montepio Seguros, celebrado em Novembro entre Tomás Correia e os chineses da CEFC Energy Company Limited, está bloqueado depois de o dono do grupo chinês ter sido detido. O que coloca dúvidas sobre a execução do negócio.

No balanço da Associação, o investimento na Montepio Seguros está inscrito a 255 840 milhões de euros, com uma imparidade de 69,3 milhões. O valor no livro (book value) é de 190 milhões de euros. Se a transacção for por diante e abaixo dos 190 milhões, a Associação terá também de colmatar o défice.

Sublinhe-se que entre 2015 e 2017, a holding Montepio Seguros registou prejuízos consolidados de cerca de 110 milhões de euros, fruto do desempenho da Lusitânia Seguros, cuja actividade se degrada desde 2012, ano em que Fernando Nogueira (o ex-presidente do ISP), assumiu a chefia. 

Esta quarta-feira os 23 membros do Conselho Geral da AMMG estiveram novamente reunidos de forma informal, mas sem aprovar as contas consolidadas do grupo em 2016, que continuam por fechar. E que deverão mostrar, como o PÚBLICO já indicou, capitais próprios negativos que podem atingir os 346 milhões. Um montante que está em cima da mesa e ainda por auditar.

O número final depende da realização de um evento subsequente, a venda dos 60% da Montepio Seguros à CEFC Energy Company Limited,  que pode aliviar a pressão negativa. No entanto, tudo indica que o auditor não aceitará que o impacto positivo do negócio (assinado em 2017) se reflicta nas contas de 2016.

No encontro do Conselho Geral desta semana, onde participou a KPMG, Tomás Correia aproveitou para esclarecer que está a aguardar por “informação vinculativa das Finanças” de modo a que, por renúncia à isenção de IRC, a Associação possa beneficiar do regime de créditos fiscais aplicado a bancos e outras empesas.

O objectivo é que, alterando a natureza da empresa, a divulgação das contas individuais da Associação em 2017 apresente uma fotografia da instituição mais favorável. O Estado injecta dinheiro na empresa, através de créditos fiscais. Ontem, ao final do dia, admitia-se que o ministro das Finanças, Mário Centeno, tenha avançado com uma decisão positiva.

Todas estas questões explicam os atrasos no fecho dos números individuais da AMMG (não consolidados) de 2017, que ainda não foram enviados aos membros do Conselho Geral para que os analisem antes de entrarem na reunião que está agendada para a próxima segunda-feira. Um encontro que tem como propósito discutir as contas do ano passado para serem submetidas a aprovação da AG de 28 deste mês.

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