O autómato, o rival, a aliada: quem é quem no novo Governo alemão

O Executivo alemão toma posse para a semana com vários ministros novos. Para o quarto mandato, Merkel trouxe políticos mais jovens, incluindo um adversário, e o SPD também renovou nas pastas-chave.

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Merkel e o seu quarto govenro tomam posse na quarta-feira FELIPE TRUEBA/EPA

O Governo que mais tempo demorou a formar na Alemanha do pós-guerra toma posse na próxima semana, quase meio ano depois das eleições. No quatro mandato de Angela Merkel, os conservadores de Angela Merkel aliam-se mais uma vez aos sociais-democratas, mas o executivo não é uma mera repetição do anterior: cargos chave como as Finanças, Negócios Estrangeiros ou Interior mudam de mãos.

Chanceler, Angela Merkel

A chanceler dos últimos 12 anos na Alemanha inicia o que será o seu último mandato. Quando anunciou o óbvio – que iria candidatar-se mais uma vez – Merkel disse que o queria cumprir até ao final. A líder europeia há mais tempo no poder poderá, no entanto, passar o mandato antes disso. Se o fizer, sublinhou o analista Frank Decker à emissora Deutsche Welle, seria a primeira vez que um chefe de Governo alemão saía por vontade própria. Nas últimas semanas, Merkel deu sinais de preparar uma sucessão.

No quarto mandato, Merkel tem, entre outros, o desafio interno de lidar com a maior força da Alternativa para a Alemanha (AfD) no Parlamento, e o desafio europeu lançado pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, de reformas para a zona euro.

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Olaf Scholz HANNIBAL HANSCHKE/Reuters

Vice-chanceleria e Ministério das Finanças, Olaf Scholz (SPD)

Olaf Scholz vai ser o homem mais poderoso do SPD no Governo: vice-chanceler e ministro das Finanças. Na sua pasta, promete ser parecido e diferente do seu antecessor, Wolfgang Schäuble: respeitar a santidade do “zero negro” no orçamento, expressão usada pelos alemães para caracterizar contas públicas sem nova dívida, mas também já declarou que o Governo alemão não quer dar lições aos países sobre o modo como se desenvolvem, abrindo caminho a uma visão diferente para a zona euro.

Jurista de profissão, Scholz não é conhecido por ter particular elegância na oratória, e por isso recebeu a alcunha de Scholz-o-mat, uma espécie de autómato que debita uma resposta predefinida conforme a palavra-chave na pergunta.

Próximo do antigo chanceler Gehard Schröder, Scholz não é um estreante numa “grande coligação” – foi ministro do Trabalho do Governo de Merkel entre 2007 e 2009. Foi nos últimos anos um raro trunfo eleitoral no SPD, vencendo a câmara (e o governo) da cidade-estado de Hamburgo em 2011 e mantendo-a nas eleições seguintes.

Criticou de modo aberto e forte a liderança de Schulz após o resultado eleitoral desastroso do SPD nas eleições de Setembro, perfilando-se como candidato à sua sucessão. Scholz e a líder parlamentar Andrea Nahles, que está prestes a assumir a presidência do partido, são as caras actuais do SPD. 

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Heiko Maas HANNIBAL HANSCHKE/Reuters

Ministro dos Negócios Estrangeiros, Heiko Maas (SPD)

Heiko Maas, 51 anos, é um político experiente que ocupou o Ministério da Justiça no Governo cessante e que recebe uma pasta que permitiu a Sigmar Gabriel tornar-se num dos políticos mais populares da Alemanha. Gabriel saiu do cargo não por dúvidas sobre o seu desempenho mas sim pelas críticas públicas que fez aos líderes do partido, deixando assim uma pressão acrescida sobre Maas para um cargo muito visível e em que lidará com as relações cada vez mais complicadas da Alemanha não só com a Rússia ou Turquia, mas também com os EUA ou a China.  

Maas empenhou-se no último executivo na lei contra o discurso de ódio na Internet, que impõe duras multas às redes sociais por conteúdo proibido segundo a lei alemã, uma lei que foi, no entanto, alvo de críticas por deixar demasiado poder às redes sociais, cujos moderadores não sabem distinguir o que é humor e já apagaram posts de publicações como a revista satírica Titanic.

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Jens Spahn CLEMENS BILAN/EPA

Ministério da Saúde, Jens Spahn (CDU)

A “jovem promessa” da CDU é também o principal crítico de Angela Merkel, e vários no partido mediam o empenho da chanceler na renovação do partido pela inclusão ou não de Spahn (37 anos) no Executivo. A chanceler chamou-o no que muitos vêem como uma manobra de manter os adversários perto, e deixar que sejam testados: a pasta da Saúde é cheia de perigos e desafios e dará a Spahn oportunidade para se mostrar, ou falhar.

Eleito deputado da CDU aos 22 anos, discípulo de Schäuble nas Finanças, Spahn foi muito crítico da política de refugiados de Merkel, e defende o regresso à raiz conservadora do partido, embora com uma excepção – Spahn casou com o seu companheiro depois da aprovação da lei do “casamento para todos”, que recebeu vários votos contra de elementos da liderança da CDU, incluindo de Merkel.

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Peter Altmaier BERND VON JUTRCZENKA/EPA

Ministério da Economia, Peter Altmaier (CDU)

Peter Altmaier recebeu “um prémio de consolação” com o ministério da Economia, diz o diário Frankfurter Allgemeine Zeitung, justificando a afirmação com a perda de importância do ministério, que tem sido ocupado pelo SPD nos executivos de Merkel. Altmaier, 59 anos, o antigo chefe de gabinete e “solucionador de problemas” de Angela Merkel, era considerado “o homem mais poderoso de Berlim”. Era ele quem dava a cara pelos argumentos de Merkel e os defendia nos media. Agora, o fiel aliado da chanceler e apologista do seu caminho centrista no partido, será “apenas” ministro da Economia. Nesta pasta, já prometeu dedicar-se especialmente à defesa das Pequenas e Médias empresas (“Mittestand”), que são a coluna vertebral da economia alemã.

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Horst Seehofer MICHAEL DALDER/Reuters

Ministério do Interior, Horst Seehofer (CSU)

O líder da CSU, o partido gémeo da CDU na Baviera, vai ocupar um cargo ministerial de peso em Berlim, um Ministério do Interior com mais responsabilidades (Construção e “Heimat”, palavra de difícil tradução, entre a pátria e o país natal, que traz a ideia de “casa”). Seehofer reverte assim a sua fortuna que vinha a descer no próprio partido – a CSU escolhera Markus Söde, seu rival de Seehofer, para ficar à frente do Governo bávaro e ser o candidato nas eleições no estado-federado deste ano.

Enquanto líder da Baviera, cargo que ocupava desde 2008, Seehofer destacou-se pelas críticas à política de Merkel permitir a entrada de refugiados em 2015 – e desde então vinha a insistir na fixação de um limite máximo, algo a que a chanceler sempre resistiu. Os dois protagonizaram um desentendimento bastante público que durou meses e provocou algum desgaste.

Seehofer (68 anos) já foi ministro de Governos nacionais, antes, da Saúde e Segurança Social (1992-1998), e da Agricultura (2005-2008). Foi presidente do Bundesrat, o Conselho das Regiões, e nessa qualidade ocupou interinamente a presidência alemã após a demissão de Christian Wulff em Fevereiro de 2012 e a eleição de Joachim Gauck um mês depois.

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Ursula von der Leyen Fabrizio Bensch/Reuters

Ministério da Defesa, Ursula von der Leyen (CDU)

Ursula von der Leyen, 59 anos, esteve sempre em todas as coligações lideradas por Angela Merkel, na pasta da Família e depois do Trabalho e Assuntos Sociais. Em 2013 recebe uma missão mais espinhosa, o Ministério da Defesa, e foi a primeira mulher a ter este cargo na Alemanha. Tida como a eterna candidata à sucessão de Merkel para quem, no entanto, a hora não chegava, a sua imagem saiu algo manchada pelo modo como lidou com escândalos no Exército durante o ano passado, em especial o de um plano de um militar levar a cabo um atentado com o objectivo de atribuir a culta a um refugiado. Apesar disso, mantém-se no cargo, o que lhe dá hipótese de recuperar – embora na sucessão haja entretanto candidatas muito mais bem posicionadas, como Annegret Kramp-Karrenbauer, também ela próxima de Merkel e eleita com entusiasmo secretária-geral da CDU, a segunda posição mais importante no partido.

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Julia Klöckner FELIPE TRUEBA/EPA

Ministério da Agricultura, Julia Klöckner (CDU)

Julia Klöckner, 45 anos, é muito próxima de Merkel, mas o seu resultado eleitoral nas últimas eleições no seu estado federado da Renânia-Palatinado, em que não conseguiu derrotar o SPD, deixou-a numa situação desfavorável. A sua nomeação para o Governo dá-lhe uma hipótese de recuperar a imagem.

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Franziska Giffey Hannibal Hanschke/Reuters

Ministério da Família, Franziska Giffey (SPD)

A nomeação de Franziska Giffey, 39 anos, é um caso algo excepcional porque passa da política local para um governo nacional sem ter sido primeiro eleita para o Parlamento. Giffey ganhou reputação de política hábil e que se preocupa com as pessoas enquanto presidente de Neukölln, município de Berlim, com mais de 300 mil habitantes, muitos deles estrangeiros – jovens europeus chegados após a crise do euro, refugiados sírios e os mais antigos turcos-alemães – e com reputação de zona problemática por alta taxa de desemprego e insucesso escolar.

Outros

A CDU ocupa ainda o Ministério da Educação com Anja Karliczek, 46, que foi uma surpresa, e a CSU tem ainda os Ministérios dos Transportes (Andreas Scheuer, 43, a face da renovação) e do Desenvolvimento (Gerd Müller, 62, mantém o cargo).

O SPD terá uma nova Ministra do Ambiente – Barbara Hendricks anunciou a saída abrindo caminho a Svenja Schulze, de 49 anos, que fez até agora carreira política na Renânia do Norte-Vestefália, Katarina Barley ocupa a pasta da Justiça (deixada livre por Heiko Maas), e Hubertus Heil, 45 anos, deputado desde 1998, será o novo ministro do Trabalho.

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