Kim põe o nuclear em cima da mesa, mas exige o "impossível"

Em Pyongyang, uma delegação governamental sul-coreana ouviu Kim Jong-un dizer que está disposto a conversar com os EUA, caso haja uma garantia de segurança para o seu regime. Washington quer esperar para ver.

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Kim Jong-un (esquerda) cumprimenta o chefe da comitiva sul-coreana, Chung Eui-yong Reuters/HANDOUT

O ambiente de tréguas na Península Coreana proporcionado pelos Jogos Olímpicos de Inverno parece estar para durar, pelo menos a médio prazo. O regime norte-coreano mostrou disponibilidade para entrar em negociações com os EUA sobre a sua possível desnuclearização, de acordo com responsáveis sul-coreanos que estiveram esta semana em Pyongyang, e garantiu que não irá fazer qualquer teste nuclear ou balístico enquanto o diálogo durar.

"O Norte afirmou claramente o seu compromisso de desnuclearização da Península Coreana e disse não ter razões para possuir armas nucleares, desde que a segurança do seu regime seja garantida e as ameaças militares contra a Coreia do Norte sejam retiradas", afirmou o assessor presidencial sul-coreano Chung Eui-yong, que chefiou a delegação. Do lado norte-coreano não houve qualquer referência a possíveis negociações, embora a agência estatal KCNA tenha citado Kim Jong-un a defender uma “nova história da reunificação nacional”.

Os responsáveis das duas Coreias delinearam os pormenores da visita do Presidente sul-coreano Moon Jae-in a Pyongyang, que deverá acontecer no final de Abril, segundo Chung. Em Pyongyang, a delegação sul-coreana – a primeira a ser recebida por Kim Jong-un – foi recebida com um jantar e pisou mesmo o edifício onde está sedeado o Partido Coreano dos Trabalhadores. Na primeira página do Rodong Shinmun, órgão oficial do partido, estava uma fotografia dos dirigentes sul-coreanos ao lado dos responsáveis norte-coreanos, incluindo Kim.

Em Washington, a palavra de ordem é cautela. O Presidente norte-americano, Donald Trump, disse estar à espera para ver passos concretos que possam levar a uma retoma do diálogo, falando apenas num “possível progresso”. “Pela primeira vez em muitos anos, um esforço sério está a ser feito por todas as partes envolvidas. O mundo está a ver e à espera! Pode ser apenas uma falsa esperança, mas os EUA estão preparados para serem duros em qualquer direcção”, escreveu Trump no Twitter.

O director nacional dos serviços de informação, Dan Coats, disse, durante uma sessão de uma comissão no Senado, que é necessário saber mais sobre as intenções da Coreia do Norte. “Não temos grande escolha que não seja a de saudar este desenvolvimento e levá-lo a sério, mas também existem todas as razões para guardarmos os nossos aplausos e esperar por uma mudança real nos programas militares e na postura do Norte”, disse à Reuters um responsável norte-americano sob anonimato. Parte da delegação sul-coreana que esteve em Pyongyang visita Washington ainda esta semana.

"Desconfiança extrema"

Uma das chaves para perceber se a recente aproximação entre Seul e Pyongyang está a dar frutos serão os exercícios militares conjuntos entre os EUA e a Coreia do Sul – que o Norte costuma encarar como “provocações”. O Governo sul-coreano já informou o regime norte-coreano que os exercícios irão decorrer nos mesmos moldes dos anos anteriores, após a conclusão dos Jogos Paralímpicos, a 18 de Março. Os responsáveis norte-coreanos mostraram compreensão, segundo membros da Administração sul-coreana, citados pela Reuters.

O analista do Council on Foreign Relations, Scott Snyder, lembrava, citado pelo Guardian, que o ambiente entre a Coreia do Norte e os EUA é ainda “caracterizado por uma desconfiança extrema”. “Apenas palavras não serão suficientes para impressionar as pessoas em Washington”, acrescenta.

Apesar de a desnuclearização, mediante garantias de segurança providenciadas pelos EUA, ter feito parte do caderno de encargos do regime norte-coreano sempre que se sentou à mesa das negociações, é significativo que Kim tenha feito esta referência junto dos dirigentes sul-coreanos. Ao contrário dos líderes norte-coreanos anteriores, Kim Jong-un rejeitou quase desde o início do seu mandato qualquer iniciativa diplomática, parecendo sobretudo focado no desenvolvimento do programa de armamento nuclear.

Na base desta prioridade está a convicção da liderança norte-coreana de que a sobrevivência do regime está dependente da possibilidade de dissuadir qualquer hipotético ataque externo através da ameaça nuclear. Depois de um ano em que multiplicou os testes balísticos e nucleares, Kim parece estar confiante nas capacidades do seu programa para entrar em negociações com a Coreia do Sul e os EUA.

O grande obstáculo parece ser a exigência de “garantias de segurança” por parte de Pyongyang. Apesar de não terem sido dados quaisquer pormenores, é bastante provável que estas medidas incluam o fim dos exercícios militares conjuntos entre os EUA e a Coreia do Sul na região e da presença militar norte-americana na península – onde estão estacionados mais de 20 mil soldados.

“A Coreia do Norte quer o impossível”, diz o antigo representante diplomático britânico em Pyongyang, James Hoare, citado pelo Guardian. “Eles querem as forças militares dos EUA fora da Coreia do Sul e, provavelmente, do Japão, e essas alianças foram construídas ao longo de décadas”, afirma.

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