Diminuir número de vagas em Medicina é “uma questão política”

Directora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto concorda com a criação de licenciatura em Medicina Tradicional Chinesa, mas discorda do nome. Deveriam ter-lhe chamado terapêuticas complementares, defende Maria Amélia Ferreira.

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Adriano Miranda

O número de vagas para as faculdades de Medicina deve diminuir?

Nesta altura penso que devia diminuir. Agora, isso é uma questão política. Ainda nos últimos dias foi publicitada a redução de vagas em cursos [em Lisboa e Porto], mas na Medicina não se mexe.  Também é verdade que o actual número de vagas tem levado a que muitas famílias invistam em cursos no estrangeiro, onde os estudantes pagam propinas que rondam os 10, 15 mil euros por ano. Fazem depois o exame de acesso à especialidade em Portugal e nos últimos anos não tem havido vagas para todos [fazerem a formação especializada nos hospitais e centros de saúde]. Muitos ficam de fora, ficam a trabalhar como médicos indiferenciados. Penso que nenhum de nós gostaria de ser atendido numa urgência por um médico indiferenciado. Eu não gostaria. 

Os estudantes já perceberam que o futuro que tinham imaginado pode estar em causa?

Além da recepção aos estudantes no início do ano, faço questão de receber os pais. A maioria tem expectativas muito elevadas. Já tive uma mãe que me perguntou: “Senhora directora, está a dizer que o meu filho, quando acabar o curso, não vai ter emprego?”. Respondi que sim, que vai começar a ouvir isso. Os tempos mudaram. Também há alunos que me questionam: “Professora, o que me vai acontecer no final do curso?” Já há dois anos, na cerimónia de recepção aos estudantes, disse que aquilo que era certo antes - que quando acabassem o curso a empregabilidade era de 100% - poderia deixar de o ser. Muitos já pensam fazer a especialidade noutro país.

Este cenário vai agravar-se?

Sim, devido à falta de planificação de recursos humanos. Não há Governo que assuma esta planificação. Há outro aspecto dramático: faltam mecanismos de atractibilidade de médicos para o interior do país. A experiência de abertura de cursos de Medicina em regiões mais carenciadas, como o curso da Universidade da Beira Interior [Covilhã] e o do Algarve, tem demonstrado que muitos acabam por não ficar lá. Os hospitais do Algarve são dos mais carenciados em recursos humanos.

Há, portanto, falta de médicos em alguns locais. Concorda com a abertura de cursos de Medicina privados?

O problema é que a actual distribuição dos médicos no país é anormal. E, como têm saído muitos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para o sector privado,no SNS começa a haver falta de médicos. [Quanto a novos cursos de Medicina], não sou contra a competitividade, se considerarmos que isto é um mercado. Agora, Portugal não precisa de mais médicos e temos condições no ensino público para formar os que são necessários. 

A criação de ciclos de estudo que conferem o grau de licenciado em Medicina Tradicional Chinesa está a provocar grande polémica, a Ordem dos Médicos é frontalmente contra. O que pensa disto?

As terapêuticas não convencionais estão implantadas na Europa. Harvard tem um curso de medicina integrativa chinesa. Prefiro ter um curso regulamentado do que ter formações feitas não se sabe onde. Houve a coragem de regulamentar este curso, de o colocar nos politécnicos. Mas não concordo com a designação - Medicina Tradicional Chinesa -, deveriam ter optado talvez por chamar-lhe terapêuticas complementares. Já há formação pós-graduada nesta área. As biomédicas [Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto] têm e nós temos um curso de formação contínua de medicinas complementares.  

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