Juiz expõe militar infiltrado no caso de corrupção nas messes

Despacho de pronúncia permite chegar à identidade de agente encoberto que se revelou fundamental para desmontar esquema de corrupção na Força Aérea.

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Três dezenas de militares da Força Aérea serão julgados neste caso Paulo Pimenta

O juiz de instrução que decidiu mandar para julgamento três dezenas de militares no caso da corrupção das messes da Força Aérea, Ivo Rosa, revela, no despacho de pronúncia dos arguidos, a identidade do tenente que durante mais de um ano funcionou como agente infiltrado.

Embora não se trate de uma revelação directa, basta juntar as pistas que o magistrado deixa no documento. Já os arguidos, esses perceberam logo que foram detidos, uns no final de 2016 e outros no Verão passado, ter sido este tenente - que sempre actuou com a sua verdadeira identidade e não sob disfarce - quem os havia denunciado, uma vez que ele nunca chegou a ser preso, apesar de supostamente estar envolvido na rede criminosa.

Porém, quer o procurador que dirigiu a investigação quer os inspectores da Polícia Judiciária e da Judiciária Militar que andaram no terreno muniram-se até hoje de vários cuidados para preservar o seu anonimato: no processo judicial da chamada Operação Zeus aparece sob o nome de código de “colaborador Mercado”, tendo as autoridades militares e civis sempre recusado revelar o seu nome. Foi também pelos mesmos motivos que, apesar de ter sido considerado um verdadeiro herói, pelos riscos que correu a troco de nada, não se chegou a colocar a hipótese de o condecorar.

Apesar de nunca dizer de forma taxativa quem é o “colaborador Mercado”, a forma como o juiz Ivo Rosa menciona a identidade do tenente numa das partes do despacho de pronúncia, que tem 300 páginas e cujo resumo foi lido esta semana no Tribunal Central de Instrução Criminal, não deixa grandes margens para dúvidas mesmo a quem não pertença à Força Aérea. “Do depoimento prestado pelo colaborador Mercado (…) verifica-se que trabalhou, desde data anterior a 24-11-2015, na messe de Monte Real, e tinha uma posição hierárquica superior ao arguido Jorge Gonçalves”, refere uma das passagens que permite a identificação do agente encoberto.

Algumas fontes ligadas ao processo dizem-se surpreendidas com a atitude do juiz, que contraria aquilo que é a prática comum nestes casos, de proteger quem actuou encoberto. Uma protecção que, de resto, está prevista por lei, onde se prevê por exemplo que as audiências de julgamento em que os infiltrados prestem declarações possam decorrer à porta fechada.

Foi fundamental na investigação

Se não fosse este tenente, teria sido quase impossível apanhar os suspeitos. Ao longo de mais de um ano, recebeu envelopes com dinheiro dos fornecedores – mais de 40 mil euros –, que fotografou, e gravou conversas comprometedoras. A tal ponto que a parte dos militares envolvidos não restou outro remédio quando foram detidos senão confessarem o seu envolvimento. Em defesa de Ivo Rosa, poder-se-á dizer que quem se desse ao trabalho de ler todo o processo, que conta com milhares de páginas, poderia perceber também quem é o colaborador Mercado.

No centro da Operação Zeus está um esquema de sobrefacturação dos géneros alimentares vendidos pelos fornecedores nas messes de todo o país, à excepção de duas bases aéreas. Com a cumplicidade destes militares, incluindo um general, os fornecedores facturavam à Força Aérea montantes superiores aos alimentos que efectivamente entregavam. Os lucros eram depois divididos entre civis e militares.

Além dos militares, foram pronunciadas para irem a julgamento por corrupção activa cerca de uma vintena de empresas. Por estranho que possa parecer, várias delas continuam ainda a ser fornecedoras quer da Força Aérea quer de outros ramos das Forças Armadas, da PSP e da GNR. A instituição militar alega que não tem forma legal de as afastar dos concursos públicos, uma vez que não foram por enquanto condenadas. Em casos muito pontuais têm-lhes mesmo sido feitos ajustes directos.

Nos últimos meses têm sido contratadas pelas Forças Armadas através de concursos públicos urgentes, modalidade em que o prazo de apresentação de propostas para a aquisição de serviços, como é o caso, pode ser de apenas 24 horas.

Desde o início deste ano o portal da contratação pública Base dá conta dezena e meia de adjudicações feitas pelo Instituto de Acção Social das Forças Armadas a quatro das firmas implicadas pelo Ministério Público. Algumas delas de valores superiores a cem mil euros. E até o Estado-Maior-General das Forças Armadas continua a fazer contratos com elas. 

Pelo menos uma destas firmas já confessou, através dos seus responsáveis, que pagava comissões aos militares. 

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