Começa o braço-de-ferro entre Macron e o nacionalismo corso

A Córsega sofreu uma mudança radical. Os nacionalistas varreram do mapa o antigo sistema dos clãs. Aguardam Macron para lhe apresentarem as suas exigências. Vai ser uma negociação muito dura.

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ZOUBEIR SOUISSI/Reuters

O Presidente Emmanuel Macron chega esta terça-feira à Córsega. Vai presidir à cerimónia de homenagem ao prefeito Claude Erignac, asssassinado por um comando nacionalista corso na noite de 6 de Fevereiro de 1988. Deverá encontrar-se com os dois líderes nacionalistas, Gilles Simeoni e Jean-Gui Talamoni. Fará quarta-feira, em Bastia, um discurso em que definirá a sua política perante o estatuto da ilha, marcada por um historial de violência.

Os autonomistas (de Simeoni) e os independentistas (de Talamoni) propõem a “abertura de um diálogo” com Paris, visando uma revisão constitucional que reconheça a existência do povo corso e lhe conceda um regime de larga autonomia. Outro ponto muito crítico é a introdução do bilinguismo na administração pública. Querem a definição de um “estatuto de residente” que reservaria aos residentes mais antigos o privilégio na compra de bens imobiliários. E ainda a transferência dos presos corsos para a Córsega.

A independência, a que a esmagadora maioria dos corsos se opõe, não faz parte do “caderno reivindicativo”. Mas, pela Constituição, o regime de autonomia está reservado a territórios do ultramar.

Na campanha eleitoral, Macron fez uma breve alusão à ilha: “O lugar da Córsega é na República porque a República é suficientemente forte para acolher particularidades no seu seio.” Mas admitiu uma revisão constitucional. A autonomia não é uma utopia. A identidade corsa é muito forte.

Ao convocar uma manifestação na véspera da chegada de Macron, os nacionalistas deram a entender que usarão a rua para pressionar o Eliseu e que evocarão o perigo de um regresso da violência se Estado se mostrar intransigente.

A “nova Córsega”

A ilha foi secularmente dirigida por dinastias de notáveis, que chefiavam clãs, trocando a protecção e os empregos pelo voto e pela fidelidade. Os grandes clãs — os Zucarelli, os Giacobbi, os Rocca Serra — estavam ligados aos partidos franceses, da esquerda e da direita. Negociavam e distribuiam os recursos. O seu declínio veio-se acentuando perante a ascensão dos nacionalistas. “As estruturas mais poderosas até agora, a família e as redes dos eleitos locais, foram suplantadas pela organização de massa nacionalista”, escreve o politólogo corso André Fazi.

Em 2014, Gilles Simeoni conquistou o município de Bastia, feudo dos Zucarelli desde 1968. Os independentistas, com que os autonomistas serecusavam aliar, tiraram as lições. Ainda em 2014, a Frente de Libertação Nacional Corsa (FLNC) — com décadas atentados e mortes — anunciou a renúncia à violência. Foi o ponto de partida para a unificação eleitoral das várias correntes nacionalistas. Os feudos foram caindo como dominós. Aproveitando a unificação administrativa da ilha pelo governo Hollande, Simeoni é o primeiro presidente do Conselho Executivo da Córsega, gozando de uma larga maioria na assembleia regional, facto inédito na História corsa.

Longe da Catalunha

A Córsega teve sempre uma História violenta. A violência exacerbou-se no fim do século passado, pelo surto do crime organizado e pela entrada em cena da FLNC: mais de 700 assassínios desde 1988. Esta escalada exasperou os franceses. Uma sondagem de 2001, indicava que 46% dos franceses desejavam a independência da Córsega. E o antigo primiero-minstro Raymond Barre disse um dia: “Se os corsos querem a independência, que fiquem com ela.”

Quase todos afastam um cenário catalão. Os independentistas não representam mais de 10% dos eleitores. Simeoni explica que a Córsega não é a Catalunha. A Córsega é uma região com 320 mil habitantes, ainda economicamente atrasada, vivendo do turismo e dependente de planos de desenvolvimento.     

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