Juiz Rui Rangel suspeito de vender decisões judiciais

Magistrado da Relação de Lisboa também venderia a influência que alegadamente tinha junto de colegas.

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A PJ fez cinco detenções, quatro homens e uma mulher FÁBIO AUGUSTO

O juiz Rui Rangel, constituído arguido nesta terça-feira no âmbito da Operação Lex, é suspeito de vender, a troco de dinheiro, decisões judiciais, mas também de vender a sua influência no desfecho de processos judiciais que não estavam nas suas mãos, junto de outros colegas magistrados, apurou o PÚBLICO. Neste momento, a investigação não recolheu indícios de que os juízes que de facto tinham os casos entre mãos fossem influenciados por Rui Rangel, que, no entanto, iludiria quem lhe pagava.

Entre os “clientes” do juiz do Tribunal da Relação de Lisboa estará o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que terá pago pela influência do juiz na resolução de um processo fiscal que envolvia o filho e estava pendente nos tribunais administrativos e fiscais. É por este motivo que Vieira foi constituído arguido no âmbito desta investigação, que, para já, não parece ter nada a ver com o clube que dirige.

Igualmente constituída arguida foi a juíza-desembargadora Fátima Galante, que formalmente ainda é casada com Rui Rangel, mas de quem este está separado de facto há mais de década e meia. No entanto, os dois sempre mantiveram boas relações, tendo a Polícia Judiciária detectado entre ambos inúmeras movimentações em numerário. Envolvido nos movimentos de dinheiro aparece o advogado José Bernardo Santos Martins, um dos cinco detidos pela Polícia Judiciária esta terça-feira, que seria amigo de longa data de Rangel e que a polícia acredita que serviria de intermediário do juiz. O advogado usaria o seu único filho, também detido esta terça-feira, para camuflar os beneficiários finais do dinheiro, por vezes Rangel, por vezes Galante.

Tanto magistrados próximos de Rangel, como elementos ligados à investigação, notam que Rui Rangel mantinha um nível de vida faustoso, incompatível com os rendimentos recebidos na magistratura. O juiz-desembargador vivia num condomínio de luxo, guiava carros topo de gama e gostava de fazer férias dispendiosas, algumas das quais acompanhado pelo advogado Santos Martins.

O empresário José Veiga não está entre os seis arguidos constituídos esta terça-feira, mas a sua condição de suspeito na Operação Lex deve ser formalizada nos próximos dias. Em causa, segundo apurou o PÚBLICO, está a alegada compra da influência de Rangel junto dos colegas da Relação de Lisboa que decidiram, em 2013, em sede de recurso, o caso da fraude fiscal associada à transferência do jogador João Pinto para o Sporting. O futebolista viu confirmada a condenação determinada em primeira instância, mas tanto José Veiga, como outros intervenientes, como Luís Duque, acabaram por ser absolvidos naquela instância superior.

Nesta terça-feira a PJ fez cinco detenções, quatro homens e uma mulher, neste caso. Além dos já referidos, foram detidos mais um advogado e um oficial de justiça da Relação de Lisboa, bem como a mãe da filha mais nova de Rui Rangel.

O número de detenções foi divulgado pela PJ num comunicado. "No decurso da operação foram realizadas trinta e três buscas, sendo vinte domiciliárias, três a escritórios de advogados, sete a empresas e três a postos de trabalho", precisa a nota.

Os detidos serão presente ao Supremo Tribunal de Justiça para primeiro interrogatório judicial e aplicação das medidas de coacção, o que só deve acontecer nesta quarta-feira. Só depois deverão ser ouvidos os dois juízes desembargadores.

A residência e o gabinete de Rui Rangel foram alvo de buscas, no âmbito desta megaoperação da PJ que envolveu centena e meia de investigadores. As buscas visaram a residência do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, e instalações da Benfica SAD. Aqui, segundo o Correio da Manhã, os polícias terão estado no gabinete do vice-presidente Fernando Tavares. O Benfica reagiu logo de manhã garantindo, num comunicado publicado online, que o clube "nada tem a ver" com este processo.

A Procuradoria-Geral da República precisou que o inquérito investiga "suspeitas de crimes de recebimento indevido de vantagem, ou eventualmente de corrupção, de branqueamento de capitais, tráfico de influência e de fraude fiscal". Na nota confirma-se igualmente que esta investigação nasceu de um outro processo, o Rota do Atlântico que também se mantém actualmente em investigação, centrado na actividade do empresário José Veiga.

A operação desta terça-feira foi acompanhada pelo antigo Procurador-Geral da República, José Souto Moura, actualmente juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, a quem cabe o papel de juiz de instrução neste caso. Como um dos suspeitos é um juiz desembargador, a investigação teve de ser conduzida pelo Ministério Público (MP) junto do Supremo Tribunal de Justiça. O inquérito a Rui Rangel está a ser  dirigido pelo coordenador do MP neste tribunal, o procurador geral-adjunto Paulo Sousa, que tem estado a investigar o caso com a ajuda de diversos procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que investiga a Rota do Atlântico.

A lei impede a detenção neste momento quer de Rui Rangel quer de Fátima Galante. Segundo o Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes não podem ser presos ou detidos sequer preventivamente antes de haver uma data marcada para o seu julgamento. Rui Rangel só poderia ser detido se tivesse sido apanhado em flagrante por crime punível com mais de três anos de cadeia.

Porém, não é líquido que não possa ser submetido a prisão domiciliária, se Souto Moura entender que a medida se mostra necessária para evitar uma eventual fuga ou mesmo destruição de provas. É que quando o estatuto dos magistrados foi aprovado, em 1985, faltavam três anos para surgir em Portugal a detenção caseira com pulseira electrónica, razão pela qual as normas que regem a actuação dos juízes são omissas em relação à aplicação de uma medida de coacção deste género. 

Ainda de acordo com o mesmo estatuto, quaisquer buscas a magistrados judiciais, seja na sua casa ou no seu local de trabalho, têm de ser dirigidas pelo juiz competente - ou seja, de uma hierarquia superior à do suspeito -  e também acompanhadas por um representante do Conselho Superior da Magistratura. 

Não podendo ser presos neste momento, pelo menos na cadeia, Rui Rangel e Fátima Galante podem, no entanto, ver-lhes ser decretada por Souto Moura a suspensão preventiva das funções de juízes. Medida que, de resto, também pode ser tomada pelo Conselho Superior da Magistratura no âmbito de eventuais processos disciplinares abertos na sequência dos acontecimentos desta terça-feira. 

Questionado pelo PÚBLICO sobre se tenciona tomar tal tipo de providência na sequência de os juízes em causa terem sido constituídos arguidos, aquele órgão disciplinar da magistratura não deu qualquer resposta sobre o assunto, tendo apenas referido que ainda tem pendente um inquérito que abriu a Rui Rangel em Outubro de 2016, depois de este ter sido implicado na operação Rota do Atlântico

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