Avaliação internacional mantém SNS à frente do inglês e espanhol

Portugal mantém o 14.º lugar entre 35 países europeus avaliados, apesar da ligeira descida de pontuação. Para o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, o retrato traçado pelo ranking não traduz a situação actual dos serviços.

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O ranking europeu é liderado pela Holanda, seguida da Suíça e da Dinamarca Nuno Ferreira Santos (arquivo)

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) está no 14.º lugar, com 747 pontos, no ranking internacional Euro Health Consumer Index, que compara o desempenho dos sistemas de saúde de 35 países europeus. Uma posição semelhante à conseguida no ano passado, apesar do ligeiro decréscimo na pontuação — no ano passado tinha somado 763 pontos em mil possíveis —, mantendo-se à frente do sistema de saúde inglês (15.º lugar), espanhol (18.º) e italiano (20.º). Já a Grécia, país que tal como Portugal foi intervencionado pela troika, está na 32.ª posição.

Segundo o Euro Health Consumer Index (EHCI) 2017, Portugal “manteve essencialmente a mesma performance que em 2016, com uma redução de pontuação sobretudo relacionada com a exigência maior na avaliação de critérios relacionados com os resultados”. Esta avaliação internacional é elaborada por uma organização sueca que tem em conta a perspectiva do consumidor. Com ligeiras diferenças em relação aos critérios avaliados no ano passado, o relatório estabelece o ranking tendo em conta resultados em seis áreas: direitos e informação dos doentes, acessibilidade, resultados, diversidade e abrangência dos serviços prestados, prevenção e produtos farmacêuticos.

O ranking é liderado pela Holanda com 924 pontos — o relatório lembra que este serviço de saúde tem estado sempre entre os lugares cimeiros, considerando que é o melhor serviço de saúde da Europa e que os restantes países podem aprender muito ao avaliar a evolução que registou —, seguindo-se a Suíça, com 898 pontos, e a Dinamarca, em terceiro lugar, com 864 pontos.

O relatório, que dá grande enfoque à acessibilidade e aos tempos de espera lembrando aos países que “ter listas de espera sai mais caro que não as ter”, pois “não poupam dinheiro”, refere que a Grécia sofreu “uma descida drástica” no valor per capita gasto na saúde entre 2009 e 2011 (menos 28%), do qual ainda não recuperou. Situação que não foi registada em mais nenhum dos países, incluindo Portugal, que passou por um processo de ajustamento e intervenção financeira do exterior. Destaca o documento que, apesar das medidas de austeridade, os sistemas de saúde europeus estão a ter melhores resultados com a melhoria da sobrevivência nas doenças cardíacas e cancro.

Graças à pontuação conseguida, o SNS continua, assim, à frente do Serviço Nacional de Saúde inglês (que somou 735 pontos), que tem servido de referência a Portugal. O relatório destaca, aliás, o facto de o serviço inglês ter sofrido uma grande pressão no final do ano passado, com aumentos dos tempos de espera, mas também uma “redução da qualidade dos cuidados prestados na área da oncologia”. Também Espanha, com problemas na acessibilidade, Itália, com grandes diferenças regionais que acabam por penalizar os resultados, e a Irlanda, penalizada pelos longos tempos de espera e limitações na opção do aborto, estão abaixo de Portugal.

Bem nas cataratas, mal nas infecções

A avaliação transforma a pontuação conseguida numa escala de três cores: verde para os bons resultados, amarelo para os razoáveis e vermelho para os maus. Portugal consegue nota positiva no envolvimento das organizações de doentes nas decisões, no acesso à terapia oncológica, na mortalidade infantil, na percentagem de doentes diabéticos controlados, nos transplantes renais e na redução da mortalidade antes dos 65 anos. Está em primeiro no número de operações às cataratas em cada 100 mil pessoas com mais de 65 anos.

Mas recebe nota menos positiva no acesso ao médico de família no próprio dia e cartão vermelho quando se fala de acesso directo a um especialista. Esta última resulta da organização do sistema por comparação ao de outros países, já que em Portugal é preciso referenciação por parte do médico de família para uma consulta da especialidade. A vermelho está também a percentagem de infecções hospitalares, o tempo de espera para uma tomografia computorizada (TAC) e a taxa de cesarianas.

A Direcção-Geral da Saúde (DGS), que desde 2006 colabora com a organização na validação dos dados, destaca “a subida dos scores de alguns indicadores, como sejam os relacionados com os tempos médios de espera nos serviços de urgência, a cobertura dos cuidados de saúde oral e o número de horas de actividade física no período escolar”. Acrescenta ainda, em comunicado, que “todos estes indicadores testemunham uma maior transparência dos dados e um investimento inovador na área da saúde oral e da actividade física”.

“Salienta-se, ainda, que nos dois novos indicadores introduzidos em 2017, relativos ao acesso informático do processo clínico do doente e à percentagem de doentes com diabetes diagnosticados, e controlados”, Portugal obteve pontuação máxima, “demonstrando maior transparência e um bom controlo clínico dos doentes diabéticos”, destaca ainda a nota da DGS, que lembra que Portugal criou no ano passado tempos máximos de resposta garantidos para a realização de exames.

"Não traduz a situação actual"

Para o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, o retrato traçado pelo ranking não traduz a situação actual dos serviços, referindo que este se baseia em dados nacionais de anos diversos, incluindo 2013, 2014 e 2015. "Não traduz exactamente a situação actual, que se tem vindo a degradar ao longo dos anos, que não tem parado de degradar-se", afirmou Miguel Guimarães, em declarações à agência Lusa.

Miguel Guimarães assume que um 14.º lugar é uma posição favorável e considera que ela se deve em grande parte à qualidade da formação médica em Portugal. Porém, manifestou-se preocupado com o que considera serem resultados negativos de Portugal no acesso aos cuidados de saúde, na área da prevenção e nos produtos farmacêuticos ou acesso a medicação inovadora.

"São três áreas nobres. Sobretudo, o acesso em tempo útil, que é a principal dimensão da saúde. E nós aqui temos limitações. Nós tempos de facto dificuldades no acesso. Ninguém tem dúvidas de que a questão do acesso se tem agravado ao longo dos últimos anos. Não é uma questão exclusiva deste governo nem do anterior", frisou.

Na área da prevenção, Miguel Guimarães lembrou que Portugal investe apenas cerca de 1% do seu orçamento de saúde em cuidados preventivos, considerando que tem de passar a ser uma aposta mais forte.

Já para a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, “Portugal teve dos piores desempenhos relativamente ao acesso aos cuidados de saúde primários e à marcação de consultas nos centros de saúde". Em declarações à agência Lusa, Ana Rita Cavaco sublinhou que apesar de manter a 14.ª posição, Portugal desceu 28 pontos em relação à avaliação feita em 2016.

Para a bastonária, esta descida de pontos significa piores resultados em parâmetros como o acesso aos centros de saúde, o acesso a consultas de especialidade e também o financiamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS). "O relatório refere que Portugal gastou muito menos em saúde do que qualquer dos outros países. Cá está a questão do subfinanciamento. É referido que registou um severo decréscimo na despesa de saúde e isso faz com que haja pior acesso e também perda em termos de qualidade", sustentou.

"Olhando para este relatório, não é tudo bom como diz o comunicado do Ministério da Saúde. Dentro dos critérios estamos muito mal. Se isto está a acontecer, é a altura de quem está a governar encarar que tem um problema que tem de resolver e não fingir que o problema não existe", disse.

A mesma considerou que este ranking europeu não espelha tão bem a realidade dos serviços de saúde portugueses como o relatório do Tribunal de Contas divulgado no ano passado, e referente a 2016, que aponta para aumento dos tempos médios de espera para consultas e aumento de utentes em espera para cirurgias.

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