Homofobia, fama e moda n'O Assassinato de Gianni Versace

A segunda American Crime Story é sobre o muito real Assassinato de Versace, um “génio” ou “o gajo das calças de ganga”. Série estreia-se nesta quinta-feira na Fox Life, com Penélope Cruz e Ricky Martin.

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Edgar Ramirez como Gianni Versace FOX/FX
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Darren Criss como Andrew Cunanan FOX/FX
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Andrew Cunanan DR
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Naomi Campbell, Gianni Versace e Shalom Harlow no desfile de Janeiro de 1997 Reuters
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Penélope Cruz como Donatella Versace FOX/FX
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Donatella Versace Reuters/NACHO DOCE
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Edgar Ramirez como Gianni Versace FOX/FX
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Ricky Martin como Antonio D'Amico FOX/FX
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Em 1997, Gianni Versace era uma personalidade da moda e do mundo dos ricos e famosos. Em 2018, Gianni Versace é uma personagem da televisão sobre o mundo do crime e da fascinação dos ricos e famosos. Essa dualidade está toda na série American Crime Story: O Assassinato de Versace, uma operática construção de amor e família, barroca como a roupa de Gianni e melodramática como a Donatella de Penélope Cruz. Mas também é uma história de crime real à prova de spoilers, uma caça ao homem embebida em psicodrama e um contributo para a história televisiva da cultura gay.

Gianni Versace era “um génio”, como confirmam o seu companheiro, Antonio D’Amico, interpretado por um surpreendente Ricky Martin, e a irmã e sua sucessora, Donatella, interpretada pela sua amiga na vida real Penélope Cruz. Era um símbolo da vitalidade da indústria da moda dos anos 1990, um self made man italiano que tornou uma medusa e um friso gregos nos símbolos de um império de luxo e de opulência, mas também de saúde e festa. Um dos centros gravitacionais da era das supermodelos e das novas casas de moda familiares num sistema empoeirado que via a couture dar espaço à moda rápida (e tentava absorver o despojamento da cultura que vinha das ruas), a Versace era Gianni. E Gianni era Elizabeth Hurley de vestido preso por alfinetes dourados, era a Princesa Diana, era cor. Era demais, mas com classe.

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Elizabeth Hurley DR

Ou era “o gajo das calças de ganga”. É assim que um agente do FBI tenta explicar quem é aquela suposta celebridade que foi alvejada na cabeça à porta da sua mansão em Miami Beach, num momento que marcaria os anos 1990. Tal como a primeira American Crime Story, O Caso de O.J., esta segunda temporada da série de antologia (em que cada temporada tem uma história autónoma das restantes) escolhe um caso charneira nestes ciclos de 20 anos de rememoração da cultura de massas contemporânea.

Aqui cruza-se a moda, sim, e a forma como ela absorveu e somatizou o poder das celebridades, com a fome da fama do serial killer Andrew Cunanan (interpretado por Darren Criss, rosto conhecido de Glee e o verdadeiro protagonista da série), mas também a forma como compreender vidas, vidas homossexuais, que não eram as do mainstream hetero. “American Crime Story, no seu âmago, só funciona se se estiver a contar uma história maior sobre um mal social”, disse o produtor Ryan Murphy ao New York Times. A homofobia, como o racismo em O.J., é o desta segunda temporada. Gianni Versace foi também, como lembravam nos seus obituários, “o primeiro dos principais designers de moda italianos a confirmar que era gay”.  

Em O Assassinato de Versace, a dificuldade de definir uma relação amorosa entre dois homens ou em encontrar a simples geografia quotidiana de uma comunidade por parte da polícia produz cenas que hoje surtem quase o mesmo efeito que ver um ginecologista a fumar em pleno exame a uma paciente em Mad Men. A série “usa a sua vítima para contar uma história sobre ser gay na América: o isolamento e a solidão do armário, a dor do desejo bloqueado, a necessária acumulação de mentiras e a confusão de um mundo pós-crise da sida e pré-Will and Grace em que a tolerância é nascente mas o cepticismo ainda prevalece”, escreveu Jake Nevins no Guardian.

Andrew Cunanan é o homem no espelho numa série que a crítica americana recebeu, com poucas excepções, muito bem. Gianni Versace (interpretado por Edgar Ramírez) foi a sua última de cinco vítimas, uma mente descrita por Tom Rob Smith (autor de A Criança N.º 44) para a antologia de Ryan Murphy a partir do livro Vulgar Favours, da jornalista Maureen Orth, e sem a “autorização” da família Versace. “Deve ser apenas vista como uma obra de ficção” com base num livro “cheio de mexericos e especulação”, disse a família, ainda à cabeça de um império de moda de gangas, sim, mas também de perfumes, jóias e sobretudo de moda sazonalmente elogiada.

Sensacionalismo “repreensível”, dizem os Versace, apesar de Penélope Cruz ser tão amiga da inconfundível Donatella que só aceitou o papel após ter com ela conferenciado. Sendo uma série imune aos spoilers – a história está escrita a sangue e começa logo aí, com a morte de 15 de Julho de 1997 (precedendo em dois meses a de Diana de Gales), e o homicida é seguido até ao fim –, há detalhes que nunca foram confirmados pela família. Como se Cunanan e Versace se conheceram anteriormente ou qual o verdadeiro estado de saúde do designer de moda nos anos anteriores ao crime. Outros são contestados por D’Amico, que diz que nunca segurou o corpo do namorado nos braços numa das cenas mais camp, e mais noveleiras, da série.

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Diana de Gales e Elton John no funeral de Gianni Versace Reuters

O produtor Ryan Murphy defende a sua actual detractora, Donatella Versace, como uma “heroína feminista” e frisa que a sua história “não é uma obra de ficção” – mas, claro, tem “elementos de docudrama. Não estamos a fazer um documentário”. Pela oposição da família, usam roupa Versace de arquivo, comprada ou de museus, e reproduziram alguns vestidos emblemáticos. O primeiro de dez episódios da série estreia-se nesta quinta-feira na Fox Life, às 23h10.

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