Turquia "fará tudo" para expulsar curdos do Norte da Síria

Ofensiva Ramo de Oliveira tem como objectivo retirar o controlo de Afrin, junto à fronteira com a Turquia, aos curdos apoiados pelos EUA. Foram detidas 91 pessoas por criticarem a operação militar.

A ofensiva foi lançada no dia 20 de Janeiro
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A ofensiva foi lançada no dia 20 de Janeiro LUSA/SEDAT SUNA
Funeral de um soldado turco morto na ofensiva
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Funeral de um soldado turco morto na ofensiva LUSA/TUMAY BERKIN
Manifestação de sírios curdos no Iraque contra a ofensiva da Turquia
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Manifestação de sírios curdos no Iraque contra a ofensiva da Turquia LUSA/GAILAN HAJI
O Presidente turco, Receep Tayyip Erdogan, no funeral de um soldado morto
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O Presidente turco, Receep Tayyip Erdogan, no funeral de um soldado morto LUSA/TURKISH PRESIDENTAL PRESS OFFICE HANDOUT
Manifestação em Istambul de apoio à ofensiva da Turquia
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Manifestação em Istambul de apoio à ofensiva da Turquia LUSA/ERDEM SAHIN

A situação na Síria já podia ser comparada a um labirinto onde vários países e grupos armados estão envolvidos em combates sem terem ideia de como vão sair, mas tudo ficou ainda mais complicado no último fim-de-semana. Quatro dias depois de a Turquia ter começado a bombardear as forças curdas em Afrin, no Norte da Síria, o ministro dos Negócios Estrangeiros declarou esta terça-feira que "fará tudo" para acabar o que começou – mesmo que isso signifique pôr o Exército turco a combater contra forças dos Estados Unidos, da Rússia ou do regime de Bashar al-Assad.

"Temos de fazer o que for preciso. Se não, o nosso futuro como país ficará em causa já amanhã. Não temos medo de ninguém e estamos determinados. Não viveremos nem com medo, nem com ameaças", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Mevlut Cavusoglu, numa comunicação ao país. Para reforçar essa ideia, o ministro disse que "o objectivo da Turquia não é entrar em confronto com os russos, com o regime sírio ou com os Estados Unidos", mas sublinhou que o país não recuará se isso acontecer.

Em causa está a ofensiva a que os turcos chamam Ramo de Oliveira, lançada a 20 de Janeiro com o objectivo de expulsar as milícias curdas do YPG (Unidades de Protecção Popular) da região de Afrin, no Noroeste da Síria, junto à fronteira com a Turquia.

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— Emily Wither (@ewither) @ReutersTV

Afrin foi uma das regiões do Norte da Síria que caiu nas mãos das milícias curdas desde o início da guerra civil no país, em Março de 2011. Essas milícias foram – e continuam a ser – determinantes para o enfraquecimento dos extremistas do Daesh, e é por isso que são apoiadas pelos Estados Unidos.

Para aliviar a tensão com a Turquia, o ex-vice-presidente dos EUA, Joe Biden, prometeu à Turquia em 2016 que a ajuda aos curdos seria cortada se eles não se retirarem para as zonas a Leste do rio Eufrates – uma exigência turca que o Governo de Erdogan já queria ter visto cumprida por considerar que o Daesh deixou de representar uma ameaça na região.

As milícias curdas do YPG são apoiadas pelos norte-americanos por terem provado a sua importância nas batalhas contra o Daesh, mas são catalogadas como organização terrorista pelos turcos, por causa da sua ligação ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que mantém um conflito armado com a Turquia pela independência do Curdistão há mais de 30 anos (e que também está catalogada nos EUA e na União Europeia como organização terrorista).

De acordo com o Governo de Recep Tayyip Erdogan, o objectivo da ofensiva é acabar com o controlo curdo em Afrin, na Síria, para impedir que esta região seja mais tarde ligada aos territórios no Sudeste da Turquia cujo controlo é reivindicado pelo PKK. Para Ancara, a luta pela independência do Curdistão no seu território é o mais importante assunto de defesa nacional, e está fora de questão qualquer acordo com os EUA para que os curdos da Síria possam manter o controlo de Afrin e de outras regiões no Norte do país, como Manbij – onde os EUA têm uma força estacionada.

Aviso à Administração Trump

E a situação pode ficar ainda mais complicada para a relação entre os EUA e a Turquia, dois aliados que têm as duas maiores forças militares da NATO e agendas muito diferentes na Síria – os EUA privilegiam a luta contra o Daesh e o regime sírio; a Turquia põe em primeiro plano o receio de uma crescente influência dos curdos junto às suas fronteiras.

Para além de Afrin, o Exército turco está de olho precisamente em Manbij, cerca de 150 quilómetros a Este de Afrin.

"Os terroristas em Manbij estão constantemente a disparar tiros de provocação. Se os Estados Unidos não puseram fim a isto, seremos nós a pôr", disse o ministro dos Negócios estrangeiros turco. E deixou um aviso à Administração Trump: "O futuro das nossas relações depende do próximo passo que os Estados Unidos derem. Seja Manbij, Afrin ou ameaças do Norte do Iraque, não interessa. Se houver terroristas no outro lado das nossas fronteiras, isso constitui uma ameaça para nós."

O lado norte-americano tem tratado esta ofensiva da Turquia com pinças. O secretário de Estado, Rex Tillerson, chegou esta terça-feira a Paris para discutir o futuro da Síria com vários parceiros (e sem a Turquia, que só estará presente nas discussões sobre o uso de armas químicas pelas forças de Bashar al-Assad).

O secretário da Defesa, Jim Mattis, tentou relativizar o assunto dizendo que "algo se há-de arranjar" para travar a deterioração das relações norte-americanas com a Turquia, mas as suas palavras revelaram também que uma das partes terá de abdicar das suas exigências para que isso possa acontecer – por um lado, Mattis elogiou o papel das milícias curdas na luta contra o Daesh, salientando que isso foi feito "à custa de milhares de vidas"; por outro lado, admitiu que a Turquia tem "preocupações de segurança legítimas".

Entretanto na Turquia, o Governo de Erdogan já ordenou a detenção de 91 pessoas desde o início da ofensiva contra Afrin. Os detidos são jornalistas, políticos e activistas que se manifestaram nas redes sociais contra a operação militar – as autoridades dizem que expressar opiniões contrárias à ofensiva turca contra os curdos na Síria é o mesmo que "disseminar propaganda terrorista".

"Entram em casas de jornalistas sem baterem à porta e detêm-nos como se eles tivessem um exército ou munições lá dentro. Isto mostra o medo que estas pessoas têm de teclados, canetas e palavras", disse o porta-voz do Partido Democrático do Povo (pró-curdo), Ayhan Bilgen.

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