A blockchain além da bitcoin

O sistema de informação descentralizada que nasceu com as criptomoedas já é utilizado para emitir diplomas, criar contratos, “salvar o jornalismo”, e até dar consentimento sexual.

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As blockchains são mantidas pelos computadores ligados à rede LUSA/LIU XINGZHE/CHINAFILE

A bitcoin precisa da blockchain, mas a blockchain nem por isso. É comum as duas palavras surgirem lado a lado – foram ambas inventadas por Satoshi Nakamoto (o pseudónimo utilizado pelo misterioso criador da bitcoin) em 2008. O sistema da blockchain, porém, é uma base de dados distribuída que regista informação em blocos encadeados por ordem cronológica. Normalmente, são transacções com criptomoedas. O sistema é mantido pelo esforço colectivo dos vários computadores ligados à rede, depende de métodos de encriptação para funcionar e está concebido para que ninguém tenha o poder de alterar os registos.

Dez anos anos após a criação, há muitos mais usos para o sistema de Nakamoto além das bitcoin e suas semelhantes: desde emitir diplomas, criar contractos, “salvar o jornalismo”, e até dar consentimento sexual.

Sexo consensual 

Blockchain como solução para sexo consensual? Parece inventado, mas recentemente uma startup holandesa – que se dedica a criar todo o tipo de contratos digitais – desenvolveu uma aplicação para o telemóvel que permite que duas pessoas possam definir, detalhadamente, como será a sua interacção sexual. Chama-se LegalFling.

O acordo fica registado na blockchain: inclui informação sobre permissão de filmagens, resultados de exames sobre doenças sexualmente transmissíveis, e uso de preservativo. Para o co-fundador Arnold Daniels “dizer ‘sim’ já não é suficiente” e é preciso definir limites para cada relacionamento. A ideia, que tem sido alvo de alguma controvérsia, surgiu depois de a Suécia discutir uma iniciativa para reforçar a lei de violação.

Jornalismo descentralizado

Civil, uma startup que se declara uma organização noticiosa, quer utilizar a blockchain para definir o futuro das notícias. O site abre com a pergunta “E se as notícias fossem controladas pelas pessoas?”

A visão de futuro da Civil é substituir os diferentes órgãos noticiosos que existem actualmente por uma enorme rede descentralizada de informação que é usada por jornalistas e consumidores de media. Para ter acesso à rede, é preciso investir uma certa quantidade de criptomoedas chamadas CVL.

O projecto deve motivar os consumidores a investir em redacções em que acreditam, e garantir que todos os jornalistas trabalham pelo mesmo objectivo. O lançamento está planeado para os primeiros meses de 2018. Recentemente, o projecto recebeu cinco milhões de dólares em financiamento da ConsenSys, uma empresa que se foca no desenvolvimento da blockchain.

Dar música à indústria

A plataforma PeerTracks quer que cada artista tenha a sua própria versão de um token digital (uma espécie de bitcoin da Taylor Swift ou do Salvador Sobral) que usa para vender as músicas e registá-las na blockchain através de contratos inteligentes. O projecto MyCelia oferece um conceito semelhante, mas sem tokens personalizados. O objectivo destas iniciativas é baixar o preço das músicas sem dar menos dinheiro aos artistas, ao eliminar os intermediários na relação com os fãs.

As intenções são boas, mas há muitos críticos que as consideram irrealistas. Uma das preocupações é que não seja possível recriar uma só blockchain para a totalidade da indústria musical: há 30 milhões de músicas no Spotify e 45 milhões de músicas na plataforma iTunes. Ao optar por criar várias blockchains (por exemplo, uma para cada artista) passa a existir o problema de conciliar toda a informação.

Momento Kodak

Não são apenas startups desconhecidas a agarrarem-se à popularidade da blockchain. Recentemente, a empresa de fotografia Kodak anunciou a sua própria moeda virtual – a KodakCoin – que é utilizada para registar pagamentos de fotografias digitais na KodakOne. A nova plataforma utiliza a tecnologia de blockchain com o objectivo de ajudar os fotógrafos a proteger o direito às suas imagens. Depois de os fotógrafos registarem as suas imagens na KodakOne e de estas serem validadas, o serviço navega a Internet para procurar sites a utilizar as mesmas fotografias sem autorização e pedir um pagamento.

Alguns questionam-se se o sistema é uma tentativa da empresa para reconquistar a relevância depois de ter declarado falência em 2012. “Blockchain e criptomoedas são temas quentes,” admitiu o presidente da Kodak, Jeff Clark, em resposta. “Para os fotógrafos que lutam para manter o controlo do seu trabalho e da forma como é utilizado, estas palavras são cruciais para resolver um problema que parece impossível.”

Roupa de marca

A moda também não escapa à blockchain. Há um mecanismo para verificar se uma peça de roupa de um estilista é genuína através de um código na roupa que se lê via chip NFC (Near Field Communication).

O conceito – apresentado em 2016 – está a ser desenvolvido pela VeChain, uma empresa chinesa que vê a tecnologia de blockchain como “uma máquina de confiança”, e pela marca de moda BabyGhost. Cada item de roupa fica registado na blockchain com uma identificação única que posteriormente é guardada num chip. O objectivo é poder autenticar as peças de roupa e ver o seu percurso (desde a sua criação, até chegarem às mãos de um cliente) através de uma aplicação móvel. 

Diplomas tecnológicos

Nos EUA, já há mais de uma centena de licenciados com o diploma de final de curso registado numa blockchain. Chamam-se blockcerts e estão a ser emitidos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, num projecto-piloto para testar os benefícios do sistema.

“Emitimos um registo oficial num formato que continua a existir mesmo que a instituição desapareça”, observou Chris Jagers, o director executivo da empresa de software Learning Machine, que colaborou com o MIT para criar os blockcerts e a aplicação que os emite na blockchain.

Os alunos interessados em ter um destes diplomas usam a aplicação para gerar parte da chave necessária para encriptar a informação. Quando terminam o curso, recebem uma nota de emissão do certificado do MIT na blockchain.

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