E se Puigdemont regressar a Barcelona antes da investidura?

Reabriu o parlament catalão. Os independentistas elegeram o novo presidente da mesa, Roger Torrent. Os conflitos vão começar com o debate sobre a reeleição do ex-president.

Os membros da Mesa do parlement
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Os membros da Mesa do parlement ALBERT GEA/Reuters
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Manifestação à porta do parlamento Marta Perez/EPA
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Momento da eleição de Torrent QUIQUE GARCIA/EPA

Não houve grandes surpresas na inauguração da nova legislatura do parlament catalão. Roger Torrent, assumido independentista e dirigente da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), foi eleito presidente da nova mesa com a soma dos votos dos deputados nacionalistas presentes. Foi reconhecido o direito de voto por procuração aos três parlamentares detidos em Espanha, mas não aos cinco refugiados em Bruxelas, o ponto que abriria conflito e impugnações. A “questão Puigdemont” será o tema crucial dos próximos dias ou semanas, surgindo a especulação de que poderá precipitar o regresso à Catalunha.

Torrent foi eleito na segunda votação, por maioria simples: 65 votos contra 56 de Espejo-Saavedra, candidato do partido anti-independentista Cidadãos. Os oito deputados do Catalunha em Comum (CatComú, próximo do Podemos) votaram em branco para evitar um empate. Houve ainda um outro voto em branco de origem desconhecida. O Cidadãos é o maior partido catalão mas os três grupos independentistas — Juntos pela Catalunha (JxCat), ERC e Candidatura de Unidade Popular (CUP) têm a maioria parlamentar.

A eleição foi precedida de um acordo entre o JxCat e a ERC, segundo o qual a presidência do parlament caberia aos “republicanos” em troca do seu apoio à candidatura de Carles Puigdemont à reeleição com president da Generalitat. A eleição da mesa não é uma questão técnica. Cabe à mesa e ao seu presidente interpretar o regulamento parlamentar, o que se afigura decisivo nos próximos passos, a começar pelo modo de eleição de Puigdemont. A abertura do debate da investidura está marcado para o dia 31.

Ausente em Bruxelas, o ex-presidente quer ser eleito não importa como, ou por via “telemática” ou delegando a sua presença no debate de investidura. Ambas as soluções são irregulares, pois é necessária a presença do candidato para pronunciar o discurso de programa e responder aos deputados.

Surpresa de Torrent

Roger Torrent (ver caixa) é um político profissional e um nacionalista radical. “Toda a gente sabe o que penso”, disse no seu discurso. Mas surpreendeu os adversários e aliados ao frisar: “Acima das convicções políticas estão os princípios e quero fazer da democracia e da convivência os pilares fundamentais”. Quer contribuir para voltar a unir a sociedade.

Surpresa maior: afasta-se da doutrina de um “só povo”, defendida por Puigdemont, e reconhece a diversidade catalã. “Somos uma sociedade de identidades, de origem, de classe, de género, de crenças e de convicções cruzadas. Perante esta pluralidade devemos fomentar a coesão com os princípios básicos, com a essência do republicanismo: a democracia. (...) O primeiro passo é pôr fim à intervenção [do Estado] nas nossas instituições.”

É um discurso coerente com as posições da ERC e do seu líder, Oriol Junqueras. No entanto, Torrent nada disse a propósito do respeito dos quadros legais e constitucionais.

Inês Arrimadas, líder da bancada do Cidadãos, disse não ter “nenhuma esperança de encontrar em Torrent uma pessoa imparcial que respeite todos os grupos, o regulamento e as leis”. Surpreendentemente, o Partido Popular louvou o discurso. Menos surpreendentemente, Carlos Riera, o líder da CUP, declarou que Torrent “vai pelo mau caminho” e “atraiçoou o espírito do 1-O [dia do referendo] e do 27-O [declaração de independência]”. Torrent não referiu estas duas datas “míticas”.

O teste de Torrent não demorará a surgir. Os independentistas mais radicais esperam que “reinterprete” o regulamento para facilitar a eleição de Puigdemont.

Regresso de Bruxelas?

O acordo de terça-feira entre a ERC e o JxCat nada explicita quanto à questão fulcral do modo de eleição de Puigdemont. Este, que continua a intitular-se “president da república da Catalunha”, exige ser reeleito em nome da “legitimidade”. Continua, aparentemente, a apostar em criar uma situação que leve a Europa a forçar Madrid a ceder. Se for eleito e logo destituído, poderia proclamar que é o president legítimo derrubado pelo Estado espanhol.

Apesar do seu carácter errático, mantém uma elevada popularidade entre os independentistas, incluindo os eleitores da rival ERC. Através do JxCat passou a dominar o Partido Democrático Europeu da Catalunha (PDeCat), sucessor do partido de Jordi Pujol e Artur Mas.

O ponto fraco da estratégia de Puigdemont é a hipótese, mais do que provável, de o Tribunal Constitucional anular uma decisão da mesa do parlament que autorize uma investidura não presencial. Nesse caso não haveria a eleição.

Escrevendo no El Periódico de Cataluña, o analista José Antonio Zarzalejos levanta uma outra pista: “A Moncloa [presidência do Governo] teme que Puigdemont regresse antes da investidura”. É um cenário que já foi evocado. Alguns dos radicais de Puigdemont sonham com o seu regresso protegido por uma multidão independentista que neutralizaria a polícia.

Há outro cenário. Puigdemont seria detido mas a seguir libertado para comparecer na sessão de investidura. Há um precedente de 1987 no País Basco, em que um candidato da ETA à presidência do governo foi autorizado pelo Supremo de Navarra a comparecer na investidura — para depois ser novamente detido.

Que determinaria o Tribunal Constitucional no caso de Puigdemont? Seria de novo detido enquanto president catalão? Diz uma fonte oficial a Zarzalejos: “Nada complicaria mais a questão do que um regresso de Puigdemont porque prendê-lo, permitir que seja investido e devolvê-lo ao cárcere, colocaria o Estado e a Justiça numa situação delicadíssima.”

Delicadíssima: é o mínimo que se pode dizer.     

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