Montepio vende produtos da mutualista sem distinção clara face a depósitos

Instituição detida pela Associação Mutualista não está a cumprir plenamente a determinação do Banco de Portugal e os clientes podem ser induzidos em erro.

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Confusão entre produtos da Caixa Económica Montepio Geral e da Associação mantém-se. Rita Franca

O Banco de Portugal determinou que a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), instituição bancária por si supervisionada, passasse a dar informação clara aos clientes sobre o que eram depósitos bancários e o que eram produtos financeiros da Montepio Geral – Associação Mutualista (MGAM), que não são depósitos, e por isso não são abrangidos pelo Fundo de Garantia dos Depósitos. Mas a visita de um jornalista do PÚBLICO a vários balcões da CEMG, detida a 100% pela MGAM, permitiu constatar falhas graves no cumprimento dessa determinação.

O Banco de Portugal também determinou que “a CEMG apresentasse um plano de acção que assegurasse a separação” entre as marcas Caixa Económica e  Associação Mutualista – que se tem financiado através de produtos financeiros vendidos aos balcões do banco – “de modo a tornar publicamente perceptível, de forma clara e inequívoca, as diferenças entre as duas instituições”. Acontece que, como avançou o Expresso, na última edição, a comercialização dos produtos está a ser feita sem a devida distinção de marcas.

O PÚBLICO confirmou, numa visita a balcões da Caixa Económica – recorrendo à figura do cliente-mistério, sem identificação como jornalista para assegurar tratamento semelhante ao de um cliente –, que passou a estar disponível uma secretária, com um placard lateral, uma espécie de biombo, com a designação de Associação Mutualista, destinado a um funcionário. Essa diferenciação, que deverá ter sido previamente apresentada ao Banco de Portugal, arrisca-se a ser insuficiente para quem não está alertado para a existência das duas entidades, não garantindo assim a separação exigida entre a venda dos produtos e a prestação de informação clara e rigorosa.

Simulando a intenção de constituir uma poupança e perguntando qual taxa oferecida para um montante reduzido, três funcionários, dois do atendimento geral da Caixa Económica e um supostamente em exclusivo para os produtos da associação, começaram por apresentar um depósito a prazo, a três anos (com uma taxa média bruta de 0,625%), e um outro a cinco anos, com uma taxa mais elevada (taxa de juro média bruta de 1,215%), sem nunca fazer a distinção de que o primeiro é um depósito a prazo e o outro não. Nenhum dos funcionários referiu que a aplicação a três anos estava abrangida pelo Fundo de Garantia dos Depósitos, que garante o capital até 100 mil euros por cliente, e que o capital aplicado a cinco anos é garantido exclusivamente pelos capitais da MGAM, que eram negativos, em termos consolidados, em 2015.

Os três funcionários referiram que o produto a cinco anos (que paga juros anualmente, como um depósito tradicional) era da associação, mas apresentaram como único elemento diferenciador a necessidade de o cliente ser tornar sócio, pagando uma jóia e uma quota mensal (que garante o acesso a um conjunto de serviços com desconto, como seguro de saúde). Quando questionado sobre a diferença entre Caixa Económica e a Associação Mutualista, um dos funcionários respondeu textualmente que “a caixa tem o aval do Banco de Portugal e a associação não”, e nada mais foi acrescentado.

Todos os funcionários disponibilizaram a ficha de informação normalizada e logo no topo, cumprindo uma exigência do Banco de Portugal, é feita uma advertência ao associado subscritor, fazendo uma distinção entre associação e Caixa Económica e referindo que o produto denominado Capital Certo “não se encontra abrangido pelo Fundo de Garantia de Depósitos, nem é um seguro ou fundo de investimento ou PPR”. Mas apenas na última de cinco páginas é dito que o cliente não fica dispensado da leitura obrigatória da modalidade mutualista, mais um conjunto de informação contabilística, para só depois se referir que as contas individuais da MGAM relativas a 31 de Dezembro de 2015 apresentavam capitais próprios de 207,7 milhões de euros (aprovadas só em 2017), mas as consolidadas apresentavam capitais próprios negativos de 107,5 milhões de euros. As contas individuais de 2016 apresentam uma redução dos capitais próprios para cerca de metade e as contas consolidadas ainda não foram fechadas, quando o deveriam ter sido no início de 2017.

Para além da confusão que a designação Capital Certo pode gerar, a descrição do produto é de difícil compreensão para o cidadão comum: “As séries emitidas ao abrigo da modalidade mutualista ‘Associação Mutualista Montepio – Capital Certo’ têm a mesma natureza desta, de modalidades mutualistas de regimes complementares de Segurança Social, geridas por associações mutualistas e disponibilizadas por estas, aos seus associados.”

Em resposta ao PÚBLICO, o Banco de Portugal lembrou que a Associação Mutualista não é supervisionada por si e que, “tendo em vista acautelar, de forma preventiva, o risco de uma percepção incorrecta da natureza dos produtos emitidos pelo Montepio Geral – Associação Mutualista por parte dos clientes e, do público em geral, o Banco de Portugal tem vindo a acompanhar a questão da colocação dos produtos mutualistas aos balcões da CEMG, numa perspetiva prudencial”.

A supervisão da Associação Mutualista é responsabilidade do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

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