O estranho caso do Sud Expresso que não pode cruzar a fronteira francesa

Passageiros de França com destino a Espanha e Portugal continuam sem transbordo em Hendaya porque SNCF e Renfe não se entendem.

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A falta de entendimento entre espanhóis e franceses tem deixado o Sud Expresso sem ligação aos comboios da SNCF Miguel Manso (arquivo)

Ninguém sabe explicar por que motivo o Sud Expresso, que todos os dias liga Lisboa à fronteira de Hendaya, está impedido de iniciar a viagem de regresso a partir daquela estação, deixando sem transbordo os passageiros provenientes do TGV de Paris, que são obrigados a ir para a parte espanhola pelos seus próprios meios.

A CP é a primeira a não entender o que se passa naquela fronteira, onde a falta de entendimento entre as autoridades ferroviárias espanholas e francesas tem deixado o Sud Expresso sem ligação aos comboios da SNCF. Ana Portela, porta-voz da transportadora portuguesa, diz que “prosseguem os contactos com a Renfe e a SNCF com o objectivo de encontrar uma solução que, como se reconhecerá, não depende da CP”.

E o que dizem os franceses? Gaelle Le Ficher, da SNCF, explicou ao PÚBLICO o que já é público: “Desde 10 de Dezembro todos os TGV Paris-Bordéus-Hendaya são realizados com composições Duplex de dois pisos, aptos a 320 Km/hora a fim de beneficiar os nossos clientes com a velocidade máxima possível na nova linha de grande velocidade Sud Europe Atlantique.” Esses TGV Duplex têm de ser homologados pelas autoridades espanholas para poderem prosseguir viagem de Hendaya para Irún, separadas por 2,7 quilómetros. E enquanto isso não acontecer, terminam a sua marcha do lado francês.

A mesma fonte diz que a SNCF já pediu à AESF (autoridade de segurança espanhola que trabalha com a Renfe e o gestor de infra-estrutura Adif) a homologação do TGV Duplex, mas “esse processo necessita de vários meses de estudos para poder ter o acordo das autoridades competentes”.

E o que dizem os espanhóis? Manuel Sempere, da Renfe, contou ao PÚBLICO que uma nova directiva comunitária impede que um operador possa entrar com os seus comboios noutro país sem o aval das agências de segurança dos respectivos países, neste caso a França e a Espanha. Essa directiva não interfere com as circulações que já existem — caso do Sud no sentido ascendente que vai até Hendaya —, “mas regula as condições de novas circulações que venham a realizar-se”.

E por que motivo o Sud não sai de Hendaya? “Seria o ideal”, reconhece Manuel Sempere, mas para isso terão que se pôr de acordo as autoridades francesas e espanholas. A mesma fonte diz que nem sempre a SNCF põe em circulação o TGV Duplex (que está impedido de ir a Irún) naquele eixo, havendo dias em que é um TGV normal que faz o serviço e, esse sim, continua a ir à parte espanhola.

“Como nuns dias sim e noutros não, a Renfe não pode tomar a decisão de fazer sair o Sud Expresso de Hendaya enquanto a SNCF não decidir onde termina realmente a marcha do TGV”, disse, acrescentando que, por exemplo, neste sábado, 13 de Janeiro, estava previsto que o serviço fosse feito por um TGV normal. No entanto, a SNCF disse ao PÚBLICO que “desde 10 de Dezembro todos os TGV Paris-Bordéus-Hendaya são realizados com composições Duplex de dois pisos”.

Já a CP, questionada sobre este assunto, optou por não responder para não ferir susceptibilidades entre franceses e espanhóis, dos quais depende para poder continuar a operar o Sud Expresso com uma boa ligação na fronteira entre aqueles dois países.

Ao contrário do Lusitânia Expresso (Lisboa-Madrid), que é explorado conjuntamente entre a CP e Renfe, com repartição das receitas e despesas entre ambas, o Sud Expresso é um comboio da inteira responsabilidade da transportadora portuguesa, que paga em Espanha a tracção e o uso da infra-estrutura, ficando com a totalidade das receitas.

O PÚBLICO questionou o Ministério dos Transportes francês — que naquele país tem o emblemático nome de Ministério da Transição Ecológica e Solidária — sobre se a existência de obstáculos técnicos nas fronteiras ferroviárias não colidia com esse desiderato da transição ecológica no que diz respeito aos transportes amigos do ambiente, mas Nathalie Jacquot, porta-voz daquele ministério, respondeu que essa questão deveria ser remetida à SNCF. Já a Direcção-Geral da Mobilidade e dos Transportes da Comissão Europeia e a Agência Ferroviária Europeia, questionadas pelo PÚBLICO, não responderam.

Enquanto isso, diariamente o Sud Expresso continua a terminar a sua marcha em Hendaya dando ligação ao TGV, mas no regresso só pode sair de Irún. Curiosamente, durante o dia, a composição fica estacionada a apenas 1500 metros da gare francesa de Hendaya. 

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