O homem que mandou na América por seis meses e que acabou desempregado

Chamaram-lhe "o grande manipulador" e "Presidente Bannon", e foi por isso que a Casa Branca lhe caiu em cima. Lá dentro, aprendeu que ninguém pode ser maior do que Donald Trump.

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Steve Bannon (à direita) perdeu os apoios e a imagem de "grande manipulador" Reuters/CARLOS BARRIA

Há menos de um ano, em Fevereiro de 2017, o último Presidente da União Soviética escolhia as páginas da revista Time para pedir a Washington e a Moscovo que se comprometessem a dizer não às armas nucleares, e deixava um alerta: "Parece que o mundo está a preparar-se para a guerra." Mas Donald Trump tinha acabado de chegar à Casa Branca, e por mais alertas que personalidades como Mikhail Gorbatchov lançassem, a Time tinha outra capa em mente: Steve Bannon, o homem que ajudara Trump a ganhar as eleições e que acabara de ser nomeado estratega principal da Casa Branca, surgia na fotografia com um ar de quem está a congeminar um plano diabólico. A apresentá-lo ao mundo, um título que ele por certo aprovaria: "O grande manipulador."

Para todos os efeitos, era um atestado de relevância que o antigo director do site de notícias Breitbart dificilmente imaginaria apenas sete meses antes – ainda hoje, essa edição da revista Time, de 13 de Fevereiro de 2017, está exposta à entrada da residência em que funciona a redacção do Breitbart, em Washington D.C., conhecida como Breitbart Embassy.

Fora dos círculos mais radicais da direita norte-americana, Steve Bannon era um nome que pouco dizia a quem o ouvisse até ao fim do Verão de 2016. Sim, já era o rosto da transformação do insignificante Breitbart num dos mais influentes sites da direita no país, mas essa medalha tinha sido conquistada à custa de um apoio sem reservas à candidatura de Donald Trump – por essa altura, era a campanha de Trump que influenciava os destinos de Bannon, e não Bannon quem influenciava a campanha de Trump.

Isso mudou em Agosto de 2016, no meio de uma semana particularmente complicada para a campanha de Donald Trump (entre o anúncio da sua candidatura, em Junho de 2015, e a vitória nas eleições presidenciais, em Novembro de 2017, o candidato Trump teve inúmeras semanas difíceis, muitas delas noticiadas como se fossem a última).

Mas a primeira semana de Agosto de 2016 foi, talvez, a semana em que a campanha de Trump esteve mais perto do descalabro – o candidato tinha comprado mais uma guerra de palavras, mas dessa vez os seus inimigos eram o pai e a mãe de um soldado americano chamado Humayun Khan, morto em combate no Iraque.

Depois de meses de um namoro que se ia desenrolando nos artigos do Breitbart, Bannon e Trump decidiram dar um passo em frente. Convidado para fazer parte da campanha, Bannon teve como primeira tarefa aconselhar Trump a lidar com uma nova ameaça no seu caminho para a Casa Branca – já provara que podia lá chegar se insultasse os liberais de Manhattan, de Silicon Valley e de Hollywood, mas o que aconteceria se continuasse a insultar a memória de um soldado americano morto em combate?

O conselho que Bannon deu a Trump foi o único que ele sabe dar a quem quer que seja, e o único que segue na sua vida: quando se começa a pensar se não será aconselhável fazer concessões, então está na hora de carregar ainda mais a fundo no acelerador de confrontos.

E foi nesse momento – no momento em que Trump percebeu que podia insultar a memória de um soldado morto em combate sem prejudicar as suas pretensões – que nasceu a ideia de um Steve Bannon como grande manipulador, como o ideólogo de Trump que era maior e ainda mais perigoso do que o próprio Trump.

Excesso de protagonismo

É verdade que Bannon foi essencial para aquela onda de promessas cumpridas em que se foram transformando as primeiras semanas de Trump na Casa Branca – promessas feitas aos seus apoiantes mais fervorosos, como a proibição da entrada nos Estados Unidos de cidadãos de vários países de maioria muçulmana, por exemplo. Mas também é verdade que Bannon não viu – ou não quis ver – que Donald Trump estava velho demais para mudar um dos pilares em que sempre assentou a sua vida como magnata dos casinos e do imobiliário: só se mantém à volta de Trump quem aceitar que nunca poderá parecer maior do que ele.

Depois de entrevistas e comentários a mais em que reclamou os louros pela vitória de Trump na eleição contra Hillary Clinton, Steve Bannon foi levado pelo braço até à porta da Casa Branca em Agosto do ano passado, precisamente um ano depois de ter furado pela multidão e entrado no círculo mais apertado daquele que viria a ser Presidente dos Estados Unidos. Como é costume, o comunicado oficial tinha uma linguagem menos colorida do que a realidade – dizia que o então recém-empossado chefe de gabinete da Casa Branca, o general John Kelly, e Steve Bannon tinham concordado que estava na hora da saída, mas os jornais norte-americanos já andavam a apontar o dedo a Bannon quando Trump dizia que queria encontrar o responsável pelas constantes fugas de informação na Casa Branca.

O fim da relação consumou-se na semana passada, de uma forma que não seria previsível há um ano, quando Steve Bannon surgiu na capa da revista Time como "o grande manipulador". E quando o The New York Times lhe chamou "Presidente Bannon", num editorial que temia pelo dia em que Trump "tivesse de enfrentar uma crise com a China no Mar do Sul da China, ou com a Rússia na Ucrânia": "Irá ele olhar para o seu maior provocador político, Bannon, com a sua tendência para fazer explodir coisas, ou irá procurar, finalmente, os conselhos de mãos mais experientes na sua Administração, como o secretário da Defesa, Jim Mattis, e o general Dunford?"

Ainda ninguém sabe o que passou pela cabeça de Steve Bannon quando disse ao jornalista Michael Wolff que o filho mais velho de Donald Trump, Donald Trump Jr., tinha traído o país quando aceitou falar com russos na Trump Tower. Nem quando deixou implícito que o próprio Donald Trump foi informado sobre essas reuniões, dando ainda mais embalagem à discussão sobre uma possível destituição – o impeachment do Presidente que ele diz ter posto na Casa Branca há pouco mais de um ano.

O que se sabe é que o Presidente fez aquilo que sempre fez na vida – pegou num homem de confiança, torceu-lhe o braço quando sentiu que estava a ser passado para segundo plano e acabou com ele quando constatou que torcer um braço não tinha sido suficiente. O comunicado que escreveu a meio da semana passada não foi só duro; foi brutal: "Quando ele foi despedido, perdeu o emprego e endoideceu."

Há apenas um ano, Steve Bannon era "o grande manipulador", segundo a revista Time, e o "Presidente Bannon", segundo um editorial do New York Times. Na semana passada, o comunicado de Trump refez o passado do seu antigo estratega, humilhou-lhe o presente e comprometeu-lhe o futuro: "O Steve foi um funcionário que trabalhou para mim depois de eu já ter ganho a nomeação ao derrotar 17 candidatos, muitas vezes descritos como o grupo mais talentoso de sempre no Partido Republicano."

Depois de ter sido corrido da Casa Branca e de ter visto o seu nome arrastado na lama, Bannon foi perdendo o apoio da direita mais radical, que preferiu ficar ao lado do Presidente, e os apoios de peso que ainda tinha – o maior, da multimilionária Rebekah Mercer, iria fazer-lhe imensa falta para continuar a expandir o site Breitbart, mas na terça-feira soube-se que a vingança de Trump nem sequer o poupou ao desemprego: empurrado pelos financiadores Mercer e mal recebido na redacção, Bannon também teve de abandonar o Breitbart.

Fiel apenas ao caos

Depois de tanto ruído, há quem tente perceber, afinal, onde está a verdade – ou o que mais se parece com ela – na história de Bannon como conselheiro de Trump: mais próxima do grande manipulador, ou do simples funcionário?

Para Ronald Beiner, professor de Ciência Política na Universidade de Toronto e autor de um livro sobre Filosofia Política, Steve Bannon é, acima de tudo e antes de mais, um provocador que tem como único objectivo destruir o Estado – mais do que aconselhar o Presidente, Bannon quer incitar o caos com um conjunto de ideologias contraditórias, e partindo deste ponto de vista não se pode dizer que a sua passagem pela Casa Branca tenha sido um fracasso.

"Se juntarmos tudo, a sua visão do mundo é uma mixórdia de ideologias incompatíveis cujo denominador comum é o ódio às elites liberais. Podemos especular que Trump se sentiu atraído por Bannon porque Bannon deu expressão às oportunidades políticas prontas para serem exploradas num estilo europeu de populismo de direita: a ideia era que seja o que for que está a impulsionar o crescimento do populismo na Europa, também pode impulsioná-lo na América. Para além deste instinto estratégico, Bannon não consegue articular um conjunto coerente de ideias a não ser a ideia de uma conspiração da parte da sinistra elite liberal-cosmopolita ('o partido de Davos') contra as pessoas comuns no Kansas e no Colorado. Como declaração de uma filosofia política, temos de dizer que é muito superficial e muito pouco pensada", diz o especialista num artigo publicado no site de comentário político Inroads.

Um exemplo que Ronald Beiner dá sobre a atracção de Bannon pelo caos – mais do que pelo envolvimento na construção de um novo país – é a ideia de nomear Robert F. Kennedy Jr. "czar das vacinas", devido à sua defesa (negada pela medicina) de que as vacinas são responsáveis pelo autismo.

"É o seu sentido de humor perverso que depois serve de fundação para as suas políticas (ou antipolíticas). A ideia de uma governação responsável é, para ele, uma grande piada. O objectivo é rir na cara da classe política tradicional, e garantir que eles sabem que nos estamos a rir na cara deles", diz o professor de Ciência Política. Ou, como disse o correspondente do site Breitbart no Vaticano, Thomas Williams, "ele prefere mandar tudo abaixo do que construir".

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