Magistrados elogiam Joana Marques Vidal, mas concordam com nomeação de novo procurador-geral

Entendimento histórico é no sentido de limitar funções do procurador-geral da República a um só mandato. A não renovação permite o exercício do cargo com “mais liberdade”, diz o sindicato. Funcionários judiciais tecem fortes elogios.

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LUSA/RICARDO GRAÇA

Não é por falta de elogios a Joana Marques Vidal, mas antes por questões históricas e práticas: os magistrados do Ministério Público concordam com a não renovação do mandato da actual procuradora-geral da República e vêem com “naturalidade” que a ministra da Justiça o tenha afirmado esta terça-feira de manhã, mesmo que a dez meses do fim do mandato – até porque, acrescenta António Ventinhas em declarações ao PÚBLICO, Francisca van Dunem já tinha transmitido essa opinião ao sindicato.

A procuradora-geral da República, contactada pelo PÚBLICO, recusa fazer comentários. “De acordo com a Constituição da República Portuguesa e o Estatuto do Ministério Público, trata-se de matéria da competência do Presidente da República e do Governo, não cabendo à procuradora-geral da República pronunciar-se sobre a mesma”, foi a resposta enviada por escrito.

Numa altura em que se discute ainda o pacto da Justiça e em que existem vários megaprocessos em curso, António Ventinhas não vê neste anúncio tão cedo qualquer sinal de fragilização de Joana Marques Vidal. “Até ao dia em que terminar o seu mandato, mantém todos os seus poderes; não há nenhuma menorização por causa deste anúncio.” E acrescenta: “A procuradora-geral da República não faz parte do pacto da Justiça, nem tem poder político ou de iniciativa legislativa, ou seja, não tem qualquer interferência.”

“O texto da lei, seja do Estatuto ou da Constituição, não refere qualquer impedimento na renovação do mandato de procurador-geral da República. Mas estabeleceu-se um entendimento histórico, por causa do caso de Cunha Rodrigues [que ocupou aquelas funções durante 16 anos], de que a interpretação da norma deveria ser de um único mandato de seis anos”, afirma o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). Lembra que Francisca van Dunem conhece bem este processo, uma vez que trabalhou com Cunha Rodrigues.

O SMMP tem o mesmo entendimento de que “não é defensável que um procurador-geral da República esteja mais de seis anos no cargo”. Doze anos torna-se um “período demasiado longo” e um só mandato “permite uma maior liberdade de actuação do procurador-geral da República, que assim não está dependente de necessidade de tomar medidas para agradar, com vista à renovação do mandato”, argumenta António Ventinhas.

Sobre Joana Marques Vidal o presidente do sindicato não tem dúvidas em garantir: “Pelo trabalho que desempenhou, se fosse preciso um juízo de mérito para continuar, defenderíamos a renovação.” “Foi um mandato positivo”, disse, e é isso que leva a que se coloque a questão da sua recondução ou não. “Até hoje, nenhum procurador-geral da República foi reconduzido”, lembra.

É exactamente isso que lembra também um dos antecessores de Marques Vidal, Pinto Monteiro: “Nem eu nem Souto Moura ouvimos alguma vez falar de renovação de mandatos. Entendia-se que havia um prazo-limite de seis anos”, observa. Admite, porém, que a lei possa ser interpretada de forma diferente, uma vez que não proíbe explicitamente mais de um mandato. Seja qual for a decisão, sublinha o ex-procurador-geral da República, ela cabe não ao titular da pasta da Justiça mas ao Governo, que “tem liberdade para decidir o que entender” e apresentar depois essa decisão ao Presidente da República.

Mais do que uma apreciação positiva, Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, tece rasgados elogios a Joana Marques Vidal. Dela diz que fez um “excelente mandato”, com “competência e capacidade extraordinárias e uma ética profissional inexcedível”. O sindicalista realça ainda o “contributo desta procuradora-geral da República para a credibilização e o reconhecimento público do sistema de Justiça”, que “alguns, nos últimos anos, tentaram descredibilizar”.

Fernando Jorge recusa fazer uma apreciação legal da possibilidade de renovação, afirmando apenas que a lei “não é objectivamente impeditiva de um segundo mandato". E, se o fosse, no caso de Joana Marques Vidal deveria até “considerar-se uma alteração”, justificando haver “situações – e esta é uma delas – em que o interesse público e a imagem da Justiça o justificam”.

Contactada pelo PÚBLICO, Manuela Paupério, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, preferiu não comentar o assunto, alegando que a substituição da procuradora-geral da República é uma “decisão exclusivamente política” e que o exercício do seu mandato é algo que “não toca os juízes de uma forma muito directa”. “Nós vivemos bem com esta procuradora-geral da República ou com outro qualquer”, rematou.

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