Morar num barco porquê?

Ricardo Oliveira vive na sua Mathilda, embarcação ancorada na Douro Marina, em Vila Nova de Gaia. “A liberdade que dá...”

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Adriano Miranda

Liberdade, simplicidade, humildade, auto-suficiência, aventura, ecologia e economia. Morar num barco porquê? A lista de vantagens vai aumentando à medida que vai evoluindo a conversa com Ricardo Oliveira a bordo da sua “casa”, a sua Mathilda, embarcação ancorada na Douro Marina, em Vila Nova de Gaia.

“A liberdade que dá...” Longas reticências. “Estás onde queres.” Estamos sentados na sua sala de estar, o convés da Mathilda, um barco-casa, um troller com capacidade para 21 pessoas (três tripulantes e 18 passageiros), mas onde só mora este marinheiro que gostava de ser ainda “mais marinheiro, mais selvagem”, que trocava muito por um veleiro. “Com ele e com o vento dás uma volta ao mundo.”

Viver num barco porquê? “Ensina-te a ser minimalista”, responde Ricardo, que já mora num barco desde 2009, desde que comprou o Calitor. “Não tens espaço para muita coisa. Não dá para 30 pares de sapatos, nem para 30 pares de calças. Gostava de ser ainda mais minimalista, ainda mais marinheiro. Gostava de me ver livre de 50% das coisas que tenho, do carro, da casa... Gostava de despejar a mochila e de levar só o ideal sem me pesar nas costas e dar cabo da coluna.”

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Ricardo e a sua Mathilda Adriano Miranda

Calitor foi o seu primeiro barco, um veleiro, a sua primeira casa no Algarve. Vivia sempre no barco — embora tivesse um apartamento em Portimão. Começou a brincar aos passeios de barco com amigos, mas “a coisa tornou-se séria” e transformou-se na Sailing 360, empresa fundada no mesmo ano em que abriu a marina na Afurada. Depois veio o Lillow (dada a necessidade de passar por baixo da ponte D. Luís) e mais tarde a Mathilda (para satisfazer as necessidades de grupos grandes).

Mathilda é a sua casa — a embarcação foi construída numa fábrica onde são produzidos os Grand Banks. “Não pode ser qualquer pessoa que diz ‘Vou viver num barco’. É preciso ter condições para o fazer”, sugere. O estilo de vida obriga à aquisição de um barco (e “quanto mais aumenta o tamanho do barco, mais aumentam os custos”), mas, garante Ricardo, compensa. “Não usas carro, não pagas IMI e dar a volta ao mundo é mais barato do que estar aqui parado.” Aqui parada, uma embarcação entre os oito e os dez metros paga 1850 euros por ano — água, luz e Internet incluídos. “Problemas não vejo nenhum. Vivo num condomínio fechado com segurança e com vizinhos fantásticos, estrangeiros a chegar todos os dias. Estamos sempre a aprender. Há o balancear, mas às tantas uma pessoa habitua-se e depois sente falta”, descreve este marinheiro que faz muito e manda fazer pouco. “É como numa casa. Se mandares vir o jardineiro, o pintor e o picheleiro fazer as coisas vai ficar caro. Se não souberes fazer coisas com as próprias mãos pensa duas vezes se vais viver num barco”, sublinha.

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“Filhos criados” (“O José tem 21, a Beatriz 18; passam cá muitos dias”), Ricardo vive nesta marina desde Junho de 2016. “Tem todas as condições.” Tem dois quartos, duas casas de banho, um escritório equipado e uma cana de pesca pendurada no tecto. Tem ainda um nascer e um pôr do sol com vistas privilegiadas — e variadas. “O mais importante é ser feliz. Morrer rico não é melhor opção.”

Começou nos barcos quando deixou os ralis. Fez 15 anos a nível amador. Comprou quatro carros e alugava três deles. Foi convidado para director desportivo do Team Porsche Madeira. Quando abandonou “completamente” precisava de algo que lhe desse “a mesma pica e a mesma adrenalina”. “Encontrei isso na vela, esse pormenor, essa afinação, que permite ao barco andar mais um bocadinho. Essa adrenalina, essa necessidade de mais é igual. E encontras na vela o que não encontras no rali, onde não consegues fazer nada ao nível de afinação durante uma prova. O carro está assim e assim fica até ao fim da etapa. Na vela, durante o percurso, consegues chegar à afinação ideal. Só tenho pena de não ter começado aos cinco anos... Só experimentando.” Vela vs rali. “A vela é mais ecológica, mais saudável e mais barata.”

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Ricardo gosta de velejar, de “descarregar baterias”. E tem nos barcos um negócio. Vários. Passeios no rio, festas a bordo, fins-de-semana românticos e declarações de amor. E o futuro da Sailing 360 poderá passar pela gestão de barcos dos outros. “Alguém investe na compra do barco e nós fazemos a gestão. É um investimento, uma aplicação. Em vez de teres o dinheiro no banco, investe-lo nos barcos com outro rendimento. O dinheiro não fica parado como no banco”, explica. O negócio rouba-lhe “bastante tempo para explorar”. Apesar disso, pretende virar o negócio na direcção do mar. “Passeios de mar”, aponta. “Permitir-me-á levar a vida que eu gosto a navegar e transmitir aos outros esse espírito.”

Costuma dizer que “velejar é como uma droga, só que não faz mal”. E costuma dizer que não é “um expert na matéria”. “Nem quero ser. Quero ser um amador, velejar e aprender.”

No seu horizonte está uma volta ao mundo por uma causa. “É para isso que estou a trabalhar. Como em tudo, e como nos ralis ou noutro desporto qualquer, queres chegar ao mundo.” Antes da volta ao mundo de dois anos seguidos, pretende concretizar “uma volta pelo mundo” — talvez um ano no Mediterrâneo, uma espécie de formação intensiva para a circum-navegação global em que enfrentará o desconhecido.

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