Hollywood fala pela primeira vez em directo para o mundo sobre assédio sexual

“É bom ter um elefante na sala", diz o apresentador Seth Meyers sobre o caso Weinstein e suas réplicas na sociedade – e na temporada de prémios que agora começa. Actrizes vão vestir negro em protesto, mas este pode mesmo ser o "ano das mulheres".

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Debra Messing integra o elenco de Will & Grace, uma das séries nomeadas da noite Reuters/MARIO ANZUONI
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Catherine Zeta-Jones Reuters/MARIO ANZUONI
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Giuliana Rancic, apresentadora de televisão também chegou vestida de preto LUSA/MIKE NELSON
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Ramsey Ann Naito, produtora LUSA/MIKE NELSON
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Susan Kelechi Watson, actriz Reuters/MARIO ANZUONI
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Sadie Sink, actriz Reuters/MARIO ANZUONI
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Claire Foy, actriz Reuters/MARIO ANZUONI
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Tracee Ellis Ross, actriz Reuters/MARIO ANZUONI
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Kelly Clarkson, cantora Reuters/MARIO ANZUONI
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Simone Garcia Johnson, filha de Dwayne Johnson LUSA/MIKE NELSON
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Laura Marano, actriz LUSA/MIKE NELSON
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Os homens também vestiram preto. Edgar Ramirez, actor Reuters/MARIO ANZUONI
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David Harbour, actor Reuters/MARIO ANZUONI
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Richard Jenkins, actor Reuters/MARIO ANZUONI
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Sheinelle Jones, Al Roker, Natalie Morales e Carson Daly EPA/MIKE NELSON

Este ano, os Globos de Ouro têm o papel simbólico de ser a ocasião em que pela primeira vez a indústria falará em directo para o mundo sobre o escândalo Weinstein. O tiro de partida da temporada de prémios será inevitavelmente marcado por um dos temas do ano, o assédio sexual e o papel social e laboral das mulheres – talvez na lista de premiados, seguramente no discurso. A passadeira vermelha será mais negra, não em resposta ao tema dominante dos últimos anos, a diversidade racial, mas porque as actrizes decidiram ser essa a cor do protesto #MeToo.

“É bom ter um elefante na sala. Nada ajuda mais do que uma coisa em que toda a gente está a pensar”, diz o apresentador da cerimónia deste domingo, Seth Meyers. O elefante é o abalo tectónico lançado de Hollywood para o mundo há três meses, que instalou no ar a expectativa de que se “digam algumas coisas que não poderiam ser ditas nos anos anteriores”, completa, no New York Times, o anfitrião do talk show Late Night (não exibido em Portugal). Meyers é uma conhecida voz da comédia (Saturday Night Live) e um rosto do comentário à presidência de Donald Trump – ele que será hoje ultrapassado pelas mulheres, garante Seth Myers, porque o que saiu de Hollywood nos últimos meses é mais importante do que o que se passa em Washington, disse à Hollywood Reporter. Trump, porém, não poderá ser ignorado, e, tal como aqueles que foram acusados de assédio, violação ou outros tipos de violência sexual, será alvo da sua intervenção na gala, que em Portugal  será transmitida pela SIC Caras, a partir da meia-noite.

Os Globos de Ouro são sobretudo uma boa festa, uma mistura pop de cinema e TV. Não são conhecidos pelas nomeações certeiras, nem como indicador fiável acerca dos que chegarão à meta da grande corrida anual, os Óscares. Atribuídos pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (um grupo de cerca de 90 de jornalistas que em nada coincide com os mais de seis mil votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas que decidem os Óscares), são ainda assim um catavento que aponta para a disposição da indústria – “e este ano estão a dizer que é altura de abrir alas para as mulheres”, escreve Sonia Saraiya na Variety.

“Os últimos meses foram de acerto de contas para Hollywood, que muitas vezes – especialmente na temporada de prémios – se projecta como um farol de progressismo e inclusão.” Em 2015 o movimento Black Lives Matter gerou a campanha #OscarsSoWhite, em protesto contra a clamorosa ausência de nomeados não-brancos, e dois anos depois Moonlight recebia o Óscar de Melhor Filme; agora, os sucessivos escândalos de assédio atingiram o núcleo de Hollywood e por isso “não é surpreendente que as nomeações pareçam ser compensações pelas más notícias”, continua Saraiya. Será este o ano de Lady Bird, Três Cartazes à Beira da Estrada ou I, Tonya no cinema, como 2017 foi o ano de The Handmaid’s Tale e Big Little Lies na TV?

Conhecidas em Dezembro, as nomeações dos Globos repetem o que já tinha sido uma tendência nos Emmys, na esteira da derrota Clinton e da reacção contra a retórica Trump, e juntam-lhes histórias do cinema com uma marca de mulher. Casos de poder (The Post, Três Cartazes), de sexo e agência (The Deuce), de atletas ambiciosas (I, Tonya, GLOW, Guerra dos Sexos). “Este ano, a história pode muito bem ser a narrativa Anti-Harvey”, avisou a Vanity Fair. Ainda que dominada pelas mulheres brancas, nota Saraiya – Issa Rae, autora e protagonista de Insecure, é a única actriz não-branca nomeada. Entre as nomeações, convém notar, também há filmes de forte carga masculina, como o heróico Dunkirk, racial, como Foge (cujos realizador e protagonistas, negros, estão nomeados), ou gay, como Chama-me Pelo Teu Nome.

Uma temporada de ausências

Esta será também uma temporada de ausentes, sem o outrora poderoso Weinstein, sem o até recentemente admirado Louis C.K., sem o em tempos adorado Kevin Spacey, mas com o seu rasto: Todo o Dinheiro do Mundo, o filme de que Spacey foi apagado e em que acabou substituído por Christopher Plummer, está nomeado nas categorias de Melhor Realizador e Melhor Actriz; Pamela Adlon concorre com a comédia Better Things, produzida e criada com Louis C.K.; Oprah Winfrey, uma das vozes do projecto Time’s Up, que quer combater o assédio sexual, vai receber o prémio honorário Cecil B. DeMille.

Sendo um dos trunfos dos Globos de Ouro o seu alcance mediático, a gala deste ano será inevitavelmente usada como palco para forçar a mudança. Meryl Streep, Jessica Chastain, Allison Janney, Shonda Rhimes, America Ferrera, Reese Witherspoon ou Mary J Blige vão vestir de preto em protesto contra a desigualdade de género – é parte da iniciativa Time’s Up, que além de prestar apoio legal a vítimas de assédio visa tornar momentos como estas passadeiras vermelhas, repletas de imprensa focada em cor e cultura de celebridades, em plataformas de discussão. Alguns actores irão juntar-se ao tom negro solene.

“Isto pode ser o princípio de algo melhor”, diz Meyers sobre a viragem construtiva das últimas semanas. Contudo, a iniciativa não é imune a críticas – é um protesto “silencioso”, critica a actriz Rose McGowan, que acusa Weinstein de a ter violado e tem sido uma das vozes mais despudoradas do momento; as actrizes deviam “comprar um vestido” ao invés de “serem vestidas" pelas marcas, sugere a jornalista de moda Robin Givhan.

Se há anos Cate Blanchett questionava frente às câmaras se certas perguntas eram também feitas aos homens na passadeira vermelha, este ano o The Cut, site da revista New York, abdicou de classificar os bem e os mal vestidos “por respeito pela causa” e “porque o jogo mudou”. O New York Times quer olhar de forma diferente para estes rituais da sociedade-espectáculo, e deixar de "tratar as cerimónias de prémios como coisas tontas para pessoas tontas”. Da sua equipa nos Globos farão parte Jodi Kantor, uma das jornalistas que revelaram o caso Weinstein, ou o fotojornalista premiado Damon Winter, que tentará lançar um outro olhar sobre o desfile de corpos, vestidos e marcas a que normalmente se reduzem estas noites.

Até 4 de Março, dia dos nonagésimos Óscares (as nomeações serão conhecidas a 23 de Janeiro), Los Angeles receberá uma série de cerimónias – os prémios dos Produtores (dia 20), dos actores (dia 21), dos realizadores (3 de Fevereiro) e dos argumentistas (11 de Fevereiro). E haverá mudanças, umas mais populistas como a da Guilda dos Argumentistas, que vai ter apenas apresentadoras, por exemplo, outras menos visíveis. A poderosa agência de talentos Creative Artists Agency, visada como possível cúmplice das actividades ilícitas de Weinstein, cancelou a sua festa dos Globos e dará o dinheiro a vítimas de assédio e abuso. Sinais de ajustamento a um novo clima, que alguns vêem com cepticismo: “é um sinal de virtude – ou será de contrição?”, perguntava esta semana Dana Goodyear na New Yorker.

OS NOMEADOS

CINEMA

Melhor Filme Dramático
    •    Chama-me Pelo Teu Nome, de Luca Guadagnino
    •    Dunkirk, de Christopher Nolan
    •    The Post, de Steven Spielberg
    •    A Forma da Água, de Guillermo del Toro
    •    Três Cartazes à Beira da Estrada, de Martin McDonagh

Melhor Filme de Comédia ou Musical
    •    Um Desastre de Artista, de James Franco
    •    Foge, de Jordan Peele
    •    Um Grande Showman, de Michael Gracey
    •    I, Tonya, de Craig Gillespie
    •    Lady Bird, de Greta Gerwig

Melhor Actriz num Drama
    •    Jessica Chastain, Jogo da Alta Roda
    •    Sally Hawkins, A Forma da Água
    •    Frances McDormand, Três Cartazes à Beira da Estrada
    •    Meryl Streep, The Post
    •    Michelle Williams, Todo o Dinheiro do Mundo

Melhor Actor num Drama
    •    Timothée Chalamet, Chama-me Pelo Teu Nome
    •    Daniel Day-Lewis, Linha Fantasma
    •    Tom Hanks, The Post
    •    Gary Oldman, A Hora Mais Negra
    •    Denzel Washington, Roman J. Israel, Esq.

Melhor Actriz em Comédia ou Musical
    •    Judi Dench, Vitória & Abdul
    •    Helen Mirren, The Leisure Seeker
    •    Margot Robbie, I, Tonya
    •    Saiorse Ronan, Lady Bird
    •    Emma Stone, Guerra dos Sexos

Melhor Actor em Comédia ou Musical
    •    Steve Carell, Guerra dos Sexos
    •    Ansel Elgort, Baby Driver – Alta Velocidade
    •    James Franco, Um Desastre de Artista
    •    Hugh Jackman, Um Grande Showman
    •    Daniel Kaluuya, Foge

Melhor Realizador
    •    Guillermo del Toro, A Forma da Água
    •    Martin McDonagh, Três Cartazes à Beira da Estrada
    •    Christopher Nolan, Dunkirk
    •    Ridley Scott, Todo o Dinheiro do Mundo
    •    Steven Spielberg, The Post

Melhor Argumento
    •    A Forma da Água, Guillermo del Toro e Vanessa Taylor
    •    Lady Bird, Greta Gerwig
    •    The Post, Liz Hannah e Josh Singer
    •    Três Cartazes à Beira da Estrada, Martin McDonagh
    •    Jogo da Alta Roda, Aaron Sorkin

Melhor Filme de Animação
    •    The Boss Baby
    •    The Breadwinner
    •    Coco, de Lee Unkrich, Adrian Molina
    •    Ferdinando, de Carlos Saldanha
    •    A Paixão de Van Gogh, de Dorotha Kobiela, Hugh Welchman


TELEVISÃO

Melhor série dramática
    •    The Crown (Netflix)
    •    A Guerra dos Tronos (HBO/Syfy)
    •    The Handmaid's Tale (Hulu/Nos Play)
    •    Stranger Things (Netflix)
    •    This Is Us (NBC/Fox Life)

Melhor série de comédia
    •    Black-ish (ABC/Fox Comedy)
    •    The Marvelous Mrs. Maisel (Amazon)
    •    Master of None (Netflix)
    •    SMILF (Showtime)
    •    Will & Grace (NBC)

Melhor Actriz numa série dramática
    •    Caitriona Balfe, Outlander
    •    Claire Foy, The Crown
    •    Maggie Gyllenhaal, The Deuce
    •    Katherine Langford, Por 13 Razões
    •    Elisabeth Moss, The Handmaid's Tale

Melhor Actor numa série dramática
    •    Jason Bateman, Ozark
    •    Sterling K. Brown, This Is Us
    •    Freddie Highmore, The Good Doctor
    •    Bob Ondenkirk, Better Call Saul
    •    Liev Schreiber, Ray Donovan

Melhor Actriz numa série de comédia
    •    Pamela Adlon, Better Things
    •    Alison Brie, G.L.O.W.
    •    Rachel Brosnahan, The Marvelous Mrs. Maisel
    •    Issa Rae, Insecure
    •    Frankie Shaw, SMILF

Melhor Actor numa série de comédia
    •    Anthony Anderson, Black-ish
    •    Aziz Ansari, Master of None
    •    Kevin Bacon, I Love Dick
    •    William H. Macy, Shameless
    •    Eric McCormack, Will & Grace

Melhor Telefilme ou série limitada
    •    Big Little Lies
    •    Fargo
    •    Feud: Bette and Joan
    •    The Sinner
    •    Top of the Lake: China Girl

Melhor Actriz num telefilme ou série limitada
    •    Jessica Biel, The Sinner
    •    Nicole Kidman, Big Little Lies
    •    Jessica Lange, Feud: Bette and Joan
    •    Susan Sarandon, Feud: Bette and Joan
    •    Reese Witherspoon, Big Little Lies

Melhor Actor num telefilme ou série limitada
    •    Robert De Niro, Madoff: Teia de Mentiras
    •    Jude Law, The Young Pope
    •    Kyle MacLachlan, Twin Peaks
    •    Ewan McGregor, Fargo
    •    Geoffrey Rush, Genius

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