A diplomacia desportiva pode acalmar a crise nuclear coreana?

Seul propôs encontro na zona desmilitarizada para discutir possível participação norte-coreana nos Jogos Olímpicos de Inverno. Coreia do Norte quer negociar a partir de posição de força.

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Posto militar sul-coreano na aldeia de Panmunjom, na zona desmilitarizada EPA/JEON HEON-KYUN / POOL
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Apresentação das mascotes do Jogos Olímpicos de Inverno de PyeongChang KIM HEE-CHUL/EPA

O descongelamento das relações entre as duas Coreias pode começar no meio da neve. O líder norte-coreano, Kim Jong-un, entrou em 2018 a estender um ramo de oliveira que foi rapidamente recebido pelo Governo sul-coreano, ansioso por um desanuviamento da tensão que foi crescendo no último ano. Porém, é cedo para dar a crise na Península Coreana como controlada.

Seul mostrou disposição para iniciar conversações directas de “alto nível” com a liderança norte-coreana, um dia depois de Kim ter declarado estar “aberto ao diálogo” com o país vizinho. “O Governo está disponível para falar com a Coreia do Norte, independentemente da data, local ou formato”, afirmou o ministro sul-coreano para a Unificação, Cho Myong-gyon, durante uma conferência de imprensa.

Como em várias outras ocasiões na história, o pretexto para a reaproximação diplomática é o desporto. Na sua mensagem de Ano Novo, Kim sugeriu que uma delegação norte-coreana poderá participar nos Jogos Olímpicos de Inverno, recebidos este ano pela cidade sul-coreana de Pyeongchang. “A participação da Coreia do Norte nos Jogos de Inverno será uma boa oportunidade para mostrar a unidade do povo, e desejamos que os Jogos sejam um sucesso”, afirmou Kim, falando ainda da necessidade de um encontro “urgente” para abordar esta possibilidade.

O Governo sul-coreano não quis deixar de aproveitar esta rara abertura para o diálogo demonstrada por Pyongyang e sugeriu que fosse marcado um primeiro encontro entre os dois países a 9 de Janeiro em Panmunjom, em plena zona desmilitarizada, conhecida como a “aldeia das tréguas” por ter sido o local onde foi assinado o armistício de 1953, que pôs fim aos combates da Guerra da Coreia.

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KIm Jong-un sugeriu que uma delegação da Coreia do Norte poderá participar nos Jogos Olímpicos de Inverno no vizinho do Sul JEON HEON-KYUN/EPA

O prazo para a inscrição de atletas nos Jogos de Inverno já terminou, mas não será esse o obstáculo para impedir a sua participação (os únicos norte-coreanos qualificados para a competição são os patinadores Ryom Tae-ok e Kim Ju-sik). Para as autoridades sul-coreanas, a presença de atletas norte-coreanos numa grande competição organizada no país é uma garantia de que, pelo menos, não haverá perturbações causadas por testes do regime. A prioridade é evitar episódios como a explosão de um avião da Korean Air com mais de cem pessoas a bordo nas vésperas dos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988, orquestrada pela Coreia do Norte.

No passado, os dois países promoveram iniciativas baseadas na diplomacia desportiva, como a participação conjunta em algumas competições ou a entrada lado a lado nas cerimónias inaugurais nos Jogos Olímpicos de 2000 e 2004. Porém, nunca a Coreia do Norte participou em Olimpíadas organizadas pelo Sul.

Mas o grande objectivo do Governo sul-coreano é trazer para a discussão a ameaça representada pelo programa nuclear norte-coreano. “A melhoria das relações entre a Coreia do Sul e o Norte não pode ficar separada da resolução do programa nuclear da Coreia do Norte”, afirmou o Presidente sul-coreano, Moon Jae-in, durante uma reunião ministerial.

Desde que Kim chegou ao poder, em 2012, o regime tem acelerado o desenvolvimento do seu armamento nuclear e balístico, aumentando a magnitude a frequência dos testes. Em Setembro, foi realizado o mais potente teste nuclear e Kim garante conseguir atingir a totalidade do território dos EUA. No mesmo discurso em que abriu uma avenida diplomática em direcção a Seul, o líder norte-coreano manteve a retórica belicista em relação a Washington.

Alguns observadores colocam interrogações sobre o real sucesso dos programas nuclear e balístico da Coreia do Norte. Apesar do progresso dos últimos meses, o regime ainda não mostrou ser capaz de construir ogivas nucleares que sobrevivam à reentrada na atmosfera.

A táctica de Kim

Para Pyongyang, a abertura de conversações tem sobretudo a importância de poder vir a dar alguma margem de manobra ao regime, que tem sido alvo de sucessivos pacotes de sanções económicas – embora os EUA continuem a acusar a China de desrespeitar as resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU e fornecer alguns produtos à Coreia do Norte. O preço do gás disparou no último ano e há relatos de falta de combustível, diz o New York Times, que cita responsáveis norte-americanos.

A Coreia do Norte espera também explorar as divergências entre Seul e Washington acerca da forma de lidar com o seu programa nuclear. Moon foi eleito com a promessa de retomar o diálogo com o vizinho e romper com o corte de contactos que marcou os últimos anos. Até agora, Pyongyang tinha ignorado as várias propostas e sinais de abertura enviados a partir de Seul.

Os EUA, sobretudo desde que Donald Trump chegou à presidência, têm adoptado uma posição mais dura em relação à Coreia do Norte. A estratégia norte-americana tem passado sobretudo por pressionar Pequim para apertar o cerco à economia norte-coreana. Esta terça-feira, Trump voltou a mostrar cepticismo em relação à possibilidade de uma reaproximação diplomática entre as duas Coreias. “Talvez seja uma boa notícia, talvez não – vamos ver”, afirmou, através do Twitter. Washington rejeita a ideia, defendida por Pequim e Moscovo, de suspender os exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul em troca de um congelamento do programa nuclear norte-coreano.

A grande dúvida é de que forma a Coreia do Norte se irá apresentar nas negociações. Há vários meses que Kim se tem referido ao país como “um Estado nuclear”, o que sublinha uma noção de que o país entrou num restrito grupo de países e que será a partir dessa posição que pretende negociar.

“Penso que Kim tem tentado ser reconhecido pelos EUA como um Estado nuclear, mas isso tem falhado, portanto agora escolheu a Coreia do Sul como uma porta de entrada para chegar aos EUA”, disse o vice-presidente do Instituto Asan, Kang Choi, citado pelo Asia Times.

Para a liderança norte-coreana, o programa nuclear é inegociável, uma vez que é visto como a garantia de sobrevivência do regime – e é improvável que essa noção se altere durante as conversações com o Sul. No entanto, responsáveis de todos os países envolvidos preferem o diálogo, mesmo que pouco prometedor, a um confronto que apenas poderia resultar numa das piores catástrofes humanitárias desde a II Guerra Mundial.

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