Ao prender Ahed, Israel exibiu a sua política de detenção de menores

A imagem de uma adolescente palestiniana de 16 anos a tentar dar um soco num polícia israelita correu mundo e pôs novo foco nas centenas de crianças e adolescentes, com idades entre os 12 e os 17 anos, nas prisões do Estado hebraico.

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Ahed Tamim quando foi presente ao tribunal militar que prolongou a sua detenção Ammar Awad/REUTERS

A imagem de uma palestiniana de 16 anos a tentar bater em dois soldados israelitas fortemente armados provocou reacções extremadas entre palestinianos e israelitas. Ahed Tamimi acabou por ser presa, e o seu caso chamou a atenção para a situação, e o número de menores palestinianos nas prisões israelitas, que é de 500 a 700 todos os anos.

Na Cisjordânia há protestos desde que Donald Trump anunciou que os Estados Unidos reconheciam Jerusalém como capital de Israel, ignorando a pretensão palestiniana à parte oriental para sua capital, a 6 de Dezembro. Muitos protestos acabaram com violência e o exército israelita a usar gás lacrimogéneo ou balas de borracha para dispersar os manifestantes. Morreram já oito palestinianos, e cerca de 2900 foram feridos (entre estes, 345 menores). Sete israelitas ficaram também feridos.

Mas apesar das mortes e violência, acabou por ser a imagem da adolescente loura a marcar o ciclo noticioso. A história é contada de dois modos diferentes conforme o lado: palestinianos dizem que Ahed, activista contra a ocupação desde os 13 anos e de uma família de activistas da Fatah (a facção do presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas), protestava pelo uso de balas de borracha que deixara um familiar também jovem internado e sujeito a cirurgia para retirar a bala. Para os israelitas, trata-se de uma agressão da jovem aos soldados, que ficam relativamente impassíveis.

O vídeo, que se tornou viral, mostra Ahed a tentar acertar com as mãos, fechadas em punho, na cara de dois soldados – ela mais baixa, aos pulos, tentando ultrapassar  outra adolescente que se vai pondo entre ela e os dois soldados. Os militares vão evadindo os golpes, sem reagir. A dada altura, ela consegue atingir um com uma estalada.

A assimetria é o mais valorizado pelos palestinianos, para quem Ahed é uma heroína.

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Activistas palestinianos no Líbano com uma imagem do vídeo em que Ahel levanta o punho contra o polícia israelita WAEL HAMZEH/EPA

Na pequena localidade de Nabi Saleh, onde vivem cerca de 600 pessoas, tem havido marchas semanais contra a expropriação de terra para um colonato judaico vizinho. Estas acções levavam muitas vezes a confrontos com militares israelitas, e no âmbito destes protestos o pai de Ahed, Bassem, foi várias vezes detido (a família é conhecida por, durante os protestos, provocar os soldados e filmar a sua reacção – a figura de Ahed e a sua cabeleira são mais um elemento que chama a atenção).

Em Israel, o facto de os soldados não terem reagido foi visto sobretudo de modo crítico – considera-se que mostraram fraqueza. Depois de o vídeo ser mostrado, comentadores viram humilhação e políticos decretaram que a palestiniana deveria ser presa. “Elas deviam acabar os seus dias na prisão”, disse o ministro da Educação, Naftali Bennet.

Quatro dias depois do incidente, uma unidade feminina de militares israelitas foram de novo à localidade de Nabi Saleh, às 4h da manhã (hora local). Levaram Ahed Tamimi detida, e divulgaram imagens da detenção.

No dia seguinte, a mãe de Tamimi foi visitar a filha e assegurar-se de que esta não era interrogada sozinha. Foi também detida por incitamento – foi ela quem gravou o vídeo. Tamimi foi entretanto esta semana presente a tribunal militar, que considerou que a palestiniana “pode representar perigo” e por isso decretou a sua detenção durante pelo menos mais dez dias.

Em Israel há quem diga que o crime de Tamimi foi “levar a ocupação [israelita da Cisjordânia] a fazer má figura”, como dizia o diário Ha’aretz, defendendo em editoral que fosse libertada.

Detenções de madrugada

Organizações de defesa dos direitos humanos e a própria UNICEF criticam há muito algumas rotinas dos militares israelitas nas detenções de menores palestinianos: são feitas durante a noite ou madrugada, como no caso de Tamimi, os interrogatórios fazem-se sem a presença dos pais, e são-lhes apresentados documentos de confissão escritos em hebraico, para que os menores assinem, quando muitas vezes não percebem a língua. 

Também é criticada a transferência de uns estabelecimentos prisionais para outros, e de prisões na Cisjordânia para outras em Israel. Não são respeitas várias regras sobre como tratar menores, incluindo limitar ao mínimo o tempo em que estão algemados.

Num relatório de 2013 a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) apontava estas falhas e concluía que “o abuso de crianças que entram em contacto com o sistema de detenção militar parece ser comum, sistemático e institucionalizado ao longo de todo o processo, desde o momento da prisão até à acusação e eventual condenação e sentença”.

Um relatório da organização não-governamental israelita B’Tselem de Outubro de 2017 analisou 60 processos de menores detidos em Jerusalém Oriental e encontrou os mesmos problemas: detenções a meio da noite, esperas de horas por um interrogatório que decorre sem pais ou advogados presentes, apresentação de uma confissão em hebraico para os menores assinarem. Este é o modo habitual, conclui a organização, de as autoridades legais e sistema israelita lidarem com os menores que atiram pedras, o crime mais comum pelo qual respondem.

Segundo dados da B’Tselem, citando o serviço prisional de Israel, em Agosto de 2017 havia 331 menores palestinianos em prisões israelitas. Organizações palestinianas dizem que todos os anos são detidos, presos ou condenados em média entre 500 a 700 menores.

Desde a declaração de Trump de 6 de Dezembro até ao dia 18 foram detidos 364 palestinianos na Cisjordânia, entre os quais 63 menores – ou seja, um sexto de todos os detidos nestes protestos têm entre 12 e 18 anos.

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