A escritora fantasma

Pode ser um Polanski “menor”, mas é uma lição de bem filmar. E tem Eva Green.

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Mesmo sendo um Polanski “menor” é uma pequena lição de economia, elegância, inteligência narrativa
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Da última vez que vimos Roman Polanski, vimo-lo no seu melhor com uma Vénus de Vison (2013) que, sem reinventar a roda, jogava de maneira hábil e provocadora com as ligações entre o palco e a vida, o teatro e o cinema, a realidade e o fantasma, o masculino e o feminino. É por isso legítimo olhar para A Partir de uma História Verdadeira, adaptado do romance homónimo de Delphine le Vigan, como uma “transposição” desse jogo meta-textual para o mundo da literatura: põe Delphine (Emmanuelle Seigner), escritora aterrorizada por ter de preparar um novo livro depois de um enorme êxito, em confronto com Ela (Eva Green), uma admiradora misteriosa que diz ser um dos “autores-fantasma” que são os verdadeiros responsáveis por tantas autobiografias de celebridades. O medo da página branca, do recomeçar do zero a cada novo texto, é elegantemente transformado por Polanski e por Olivier Assayas (aqui co-argumentista) numa combinação progressivamente mais inquietante entre o suspense psicológico, o horror da loucura, o drama do artista em crise e o questionamento de uma cultura que parece literalmente comer vivos aqueles que celebra. É um filme onde, a par da “piscadela de olhos” ao Escritor Fantasma (2010) que foi um dos melhores Polanskis recentes, se reconhecem muitas das marcas registadas do Polanski “claustrofóbico” (o de Repulsa, 1965, ou O Inquilino, 1976) mas também vários dos interesses das obras menos realistas de Assayas (como Demonlover, 2002, ou Personal Shopper, 2016).

Dito isto, a “maionese” não “pega” tão bem em A Partir de uma História Verdadeira como em Vénus de Vison, do qual é um evidente filme gémeo. A dimensão de “animação suspensa”, algures entre a alucinação e a realidade, é tão fascinante quanto frustrante, e o intrigante sub-texto do sexismo e da culpabilidade pelo sucesso que parece perseguir Delphine fica por explorar condignamente. O que vale é que, primeiro, Polanski sabe tão bem o que está a fazer que mesmo um filme aparentemente “menor” como este é uma pequena lição de economia, elegância, inteligência narrativas. E, segundo, há Eva Green no papel de Ela, a admiradora misteriosa, assertiva, temperamental, perfeito reverso de medalha de uma Delphine em constante questionamento. Green é uma daquelas actrizes cuja simples presença já projecta uma aura de mulher literalmente fatal – e a sua dimensão magnética e hipnótica é intensamente amplificada pela velha raposa Polanski, que sabe muito bem como aproveitar essa inteligência carnal e carnívora em favor do bascular constante entre realidade e ficção do filme. É injusto para Emmanuelle Seigner, relegada aqui para o papel mais ingrato, mas é também inevitável: não houvesse mais nenhuma razão para ir ver A Partir de uma História Verdadeira, haveria sempre Eva Green. Felizmente, há mais razões e não são poucas.

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