Poço sem fundo

Um documentário duríssimo, quase insuportável, sobre a violência no México, que dá voz a vítimas e carrascos, assassinos e sobreviventes.

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As vozes e os corpos dos que sofrem na pele a onda de violência no México
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Aki Kaurismäki diz que o ser humano, no seu íntimo, não é bom – não é preciso ir mais longe do que este documentário, duríssimo, quase insuportável, para termos prova disso. O mexicano Everardo González filma em A Liberdade do Diabo as vozes e os corpos daqueles que sofrem na pele a onda de violência no México – a violência do narcotráfico mas também da corrupção policial e judicial. Vítimas e carrascos, assassinos e sobreviventes, militares e criminosos, todos são tratados por igual, os seus rostos anónimos e irreconhecíveis atrás de máscaras elásticas que remetem ora para a cirurgia plástica ora para a lucha libre mexicana, mas que têm predecessor no Z32 de Avi Mograbi (2008), onde o rosto de um antigo soldado de elite israelita transtornado pelos crimes a que assistiu e que ajudou a cometer era digitalmente eliminado para manter o anonimato. Ou no anonimato em que o “sicario” do narco-tráfico fazia a sua confissão no El Sicario Room 164 de Gianfranco Rosi (2010).

Ao longo de pouco mais de uma hora, estas vozes e estes olhos e estas bocas expressam perante a câmara de María Secco o desespero, a angústia, impotência, a raiva, a tristeza, mas sobretudo a incapacidade de pôr em palavras – ou sequer em imagens – o enorme e aterrorizador sentimento de vazio que lhes vai na alma. De um lado estão os que matam para não morrer, do outro os que morrem sem morrer, mas todos partilham essa sensação de a sua vida ter passado por um abismo quase intransponível que a dividiu num “antes” e num “depois”. Aliás, ver A Liberdade do Diabo é como estar à beira de um poço sem fundo, escuro, negro, assustador, sem saber se olhamos ou se damos um passo atrás. Há mesmo algo de quase perverso em estrear um filme como este na quadra natalícia – o que não invalida o seu valor, o seu peso, o seu gesto formal, a sua importância. 

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