Para "desencalhar o navio" das negociações Londres aceita pagar factura maior

Jornais adiantam que montante pode aproximar-se dos 50 mil milhões de euros. Oficialmente as duas partes garantem que as negociações ainda prosseguem.

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Barnier espera que nos próximos dias possa anunciar que já há acordo sobre a chamada factura do "Brexit" FELIPE TRUEBA/EPA

Ainda não há acordo escrito e muito menos um valor em cima da mesa, mas é já claro que o Governo britânico está pronto a dar o passo que a União Europeia lhe exigia há meses, comunicando que está disponível para liquidar grande parte dos compromissos financeiros que assumiu enquanto Estado-membro. Oficialmente, as duas partes garantem que as negociações sobre a chamada “factura do ‘Brexit’” ainda estão a decorrer e que os próximos dias serão decisivos para assegurar que, na próxima cimeira europeia, Londres consegue a tão desejada “luz verde” ao avanço das negociações. 

“Isto é uma completa traição que em nada serve o nosso interesse nacional”, reagiu Nigel Farage, o antigo líder do partido eurocéptico UKIP que foi peça chave no referendo que, em Junho do ano passado, ditou a saída do Reino Unido da UE, avisando que “os britânicos vão unir-se em repúdio” àquilo que toda a imprensa descreveu como uma cedência às exigências de Bruxelas. Menos taxativos, mas igualmente duros na avaliação, os deputados da ala eurocéptica não esconderam o seu desagrado com a notícia de que a primeira-ministra, Theresa May, se prepara para prometer aos europeus os milhões que eles sempre afirmaram que o país não estava legalmente obrigado a pagar.

O Governo “está a dançar ao ritmo” da UE, lamentou o arqui-eurocéptico Jacob Rees-Mogg, afirmando que May está agora obrigada a garantir que consegue um acordo de comércio muito mais favorável do que a situação em que ficaria se saísse da UE sem pagar nada. “Se não houver acordo, então em minha opinião – e creio que é também a opinião de todo o Partido Conservador – não lhes devemos dinheiro nenhum”, acrescentou o ex-ministro Ian Duncan Smith.

Mas apesar da pressão, May conseguiu ter do seu lado (pelo menos para já) os ministros sem os quais não poderia ter dado este passo – a começar por Boris Johnson e Michael Gove, líderes da campanha pelo “Brexit”. “É altura de desencalhar o navio das rochas” e “pô-lo de novo em marcha” afirmou o chefe da diplomacia britânica, o mesmo que há meses tinha dito que a UE “bem podia assobiar” se achava que o Reino Unido iria pagar as somas avultadas que lhe estava a exigir.

É, no entanto, precisamente isto que a primeira-ministra britânica se prepara para fazer. Segundo o Financial Times, May enviou na semana passada a Bruxelas o seu braço-direito para o “Brexit”, Oliver Robbins, para comunicar à Comissão Europeia que está disposta a aceitar uma fatia maior da factura que lhe era exigida – obrigações financeiras que, no total, rondam os cem mil milhões de euros, mas que Londres acredita que, em termos líquidos representem qualquer coisa entre os 40 e os 45 mil milhões de euros. Em causa estão não só as contribuições para o orçamento comunitário em vigor até 2020 (algo próximo dos 20 mil milhões de euros, que Londres já aceitara pagar), mas também os salários e pensões dos funcionários britânicos da UE e, ainda mais significativo, a comparticipação nos programas e projectos já aprovados mas que só são pagos após a sua concretização.

Segundo várias fontes, Londres não se comprometeu com um montante final, mas apenas com uma fórmula de cálculo para se chegar a esse valor que, adianta o FT, poderá ser pago ao longo de vários anos (ou mesmo décadas no caso das pensões).

Downing Street recusou comentar “a especulação mediática” e assegurou, tal como a Comissão Europeia, que as negociações ainda decorrem. Mas Michel Barnier, o chefe dos negociadores europeus, mostrou o muito que se avançou na última semana ao afirmar que “espera anunciar um acordo nos próximos dias”. O objectivo é que quando na segunda-feira, May se reunir em Bruxelas com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, esteja já em condições de formalizar a oferta, adianta o jornal Guardian.

No entanto, o Governo britânico continua a insistir que isso só acontecerá se tiver garantias de que os 27 vão dar o seu aval ao início da segunda fase das negociações já na cimeira de 14 e 15 de Dezembro. Essa é, no entanto, uma garantia que Bruxelas pode não estar em condições de dar se até lá não forem feitos progressos sobre o outro tema quente das negociações do divórcio: o futuro estatuto da fronteira entre as duas Irlandas. Dublin insiste que não aceita que se comece a falar do futuro das relações bilaterais se Londres não lhe der garantias de que o “Brexit” não implicará o regresso dos controlos fronteiriços. “Estão a ser feitos progressos, mas ainda não são suficientes”, afirmou nesta quarta-feira o primeiro-ministro irlandês. 

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