Os ponteiros do relógio correm como loucos e deixam o San Juan cada vez mais sozinho

Submarino da Marinha argentina com 44 tripulantes a bordo deixou de dar sinais de vida há uma semana. Mau tempo tem dificultado as operações de busca, que entraram agora numa fase decisiva.

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Centenas de familiares estão reunidos em Mar del Plata à espera de notícias Marcos Brindicci/Reuters
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Imagem do ARA San Juan Marinha da Argentina/EPA (Arquivo)
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Eliana Krawczyk foi a primeira submarinista da América Latina e é a única mulher a bordo do ARA San Juan Ministério da Defensa da Argentina/Reuters
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O Presidente argentino, Mauricio Macri, visitou os familiares Reuters
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Habitantes de Mar del Plata e familiares dos tripulantes deixaram mensagens de apoio Marcos Brindicci/Reuters

Passaram sete dias e a família de Eliana Krawczyk ainda acredita que ela está a remendar as falhas no submarino San Juan para que possa regressar a casa o mais depressa possível. O pai chama-lhe "a rainha dos mares", ela que foi a primeira submarinista na Argentina e em toda a América Latina. Mas agora, e desde quarta-feira da semana passada, ninguém sabe onde está Eliana – nem Eliana, nem os outros 43 tripulantes do submarino que continua desaparecido ao largo da Argentina numa área equivalente ao território de Espanha.

Quando o jornal La Nación falou com a família de Eliana, na segunda-feira, eram quase oito da noite. Em terra fazia-se tudo para se imaginar mais um dia como outro qualquer a bordo do San Juan: "Deve estar a jantar e depois começa a ronda para rever os radares e o milhão de sensores que o submarino tem", disse um dos familiares de Eliana Krawczyk.

A família não quer acreditar no pior, mas os responsáveis pelas operações de busca já começaram a preparar o país: ao fim de sete dias sem comunicações e de seis dias a passar os mares a pente fino sem nenhum resultado a não ser dois falsos alarmes, as hipóteses de se encontrarem os marinheiros argentinos com vida no submarino são cada vez mais remotas.

Curto-circuito

A história deste desaparecimento começou na quarta-feira da semana passada, quando o comandante do San Juan comunicou pela última vez com a base na cidade de Mar del Plata, uns 400 quilómetros a Sul de Buenos Aires. O San Juan estava nesse momento de regresso à base, depois de uma fiscalização de pesca ilegal lá mais para baixo, na ponta que separa o Oceano Atlântico do Oceano Pacífico.

Por essa altura, o comandante disse à base que tinha sido registada uma falha no sistema de baterias do submarino (baterias enormes, muito diferentes das que são usadas nos automóveis, e que custam vários milhões de euros). Pouco depois, o comandante disse que havia um curto-circuito a bordo, e foi nesse momento que recebeu ordem para regressar imediatamente à base – uma ordem de rotina, já que o problema relatado pelo comandante exige atenção mas não é considerado catastrófico. Nessa conversa foi também dito que todos os tripulantes estavam bem, segundo o porta-voz da Marinha argentina, Gabriel Galeazzi.

A partir desse dia, nunca mais se ouviu nada do San Juan – sabe-se que estará na zona do Golfo de São Jorge, mais ou menos a meio caminho entre a partida, em Ushuaia, e o destino, em Mar del Plata. A área que está a ser coberta pelas equipas de busca começa a uns 400 quilómetros da costa e é sensivelmente do tamanho do território de Espanha, mas o pior não é isso: desde sexta-feira passada, os barcos, helicópteros e aviões que foram enviados para encontrar o San Juan têm enfrentado ventos muito fortes e ondas com vários metros de altura, o que torna a tarefa quase impossível – num oceano muito agitado e com pouca visibilidade é muito difícil distinguir um pequeno ponto, isto se o submarino estiver à superfície.

Dois falsos alarmes

As centenas de familiares dos 44 tripulantes, que vão chegando a Mar del Plata desde a passada sexta-feira para acompanharem mais de perto as operações de busca, já tiveram dois momentos de esperança, mas nenhum deles resistiu à confirmação dos factos: primeiro, no sábado, foi dito que sete tentativas de ligação por satélite detectadas na área poderiam ser do San Juan, mas na segunda-feira a empresa responsável pelo satélite pôs fim a essa hipótese; depois, já esta semana, foram ouvidos sons que poderiam ser de tripulantes a bater no casco para chamar a atenção dos navios, mas a Marinha disse horas depois que esses sons tinham "origem biológica" – ou seja, foram emitidos por uma qualquer forma de vida e não por batimentos no casco de um submarino.

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O momento mais duro para os familiares aconteceu na segunda-feira de manhã, quando chegou a notícia de que, afinal, ninguém no San Juan tinha tentado usar o telefone por satélite – quando se pôs essa possibilidade ainda só tinham passado dois dias desde que o submarino deixou de comunicar, e todos acreditavam que o pesadelo iria acabar em breve. Quando essa esperança ruiu, pelo menos cinco mulheres que estavam em Mar del Plata ficaram "fisicamente doentes" e algumas delas desmaiaram: "Houve um pico de esperança quando souberam dos sinais, e na segunda-feira de manhã havia muita ansiedade", disse ao New York Times um dos psiquiatras que tem acompanhado os familiares na base, Enrique Stein.

Resgate difícil

O tempo vai passando sem notícias do San Juan e dos seus 44 tripulantes, mas ainda é possível que o desfecho seja feliz – muito difícil, alguns diriam improvável, mas ainda assim possível. Tudo depende: se o submarino não consegue emergir desde que fez a última comunicação, na passada quarta-feira, o oxigénio pode estar quase a acabar; se está à superfície, com a escotilha aberta, poderá ter oxigénio e mantimentos para um mês, mas nesse caso está também à mercê da violência do mar.

Também é possível que esteja no fundo do oceano, e nesse caso depende da área: se for mais junto ao continente, pode ter ficado a uma profundidade segura; numa zona mais afastada as profundidades são maiores e o risco de a fuselagem ceder à pressão é também maior. Para agravar ainda mais o cenário, mesmo que o submarino San Juan seja encontrado intacto e com sobreviventes, a operação de salvamento será uma tarefa muito complicada e mais uma corrida contra o tempo.

Na memória de muitos está ainda o afundamento do submarino russo Kursk, em Agosto de 2000, no Mar de Barents. Depois de uma explosão a bordo que matou a maioria dos seus 118 tripulantes, 23 homens ficaram encurralados num compartimento na parte de trás do submarino. Durante as operações de resgate dos corpos, dois meses depois do desastre, foi encontrado um bilhete no bolso do capitão Dimitri Kolesnikov, um dos 23 que sobreviveram à explosão mas que acabariam por morrer horas ou dias depois: "13h15. Todo o pessoal dos compartimentos seis, sete e oito foram para o nove. Somos 23 aqui. Tomámos esta decisão em resultado do acidente. Nenhum de nós consegue sair."

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