Louis C.K. acusado de se masturbar com mulheres a ver e a ouvi-lo

O jornal The New York Times publicou um artigo com depoimentos de cinco mulheres que acusam um dos cómicos mais bem amados dos EUA de conduta sexual imprópria. Ainda antes deste ter saído, a estreia nova-iorquina de I Love You Daddy, o novo filme de C.K. como realizador, foi cancelada.

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Louis C.K. foi acusado de abuso sexual DR

A revista The Hollywood Reporter dava a notícia na quarta-feira à noite: a estreia nova-iorquina de I Love You Daddy, o novo filme do cómico Louis C.K., tinha sido cancelada. A razão? O jornal The New York Times preparava-se para publicar um artigo possivelmente comprometedor sobre Louis C. K., que viria confirmar alegações anónimas que existiam há vários anos na Internet sobre o realizador, um dos cómicos mais bem sucedidos e bem amados dos Estados Unidos. Também foi cancelada uma aparição de C.K. no The Late Show with Stephen Colbert.

Passadas poucas horas, o artigo saiu. Os rumores circulavam pelo menos desde 2012. O mais divulgado envolvia C.K. ter obrigado um duo de cómicas a verem-no masturbar-se após ter fechado a porta de um quarto de hotel. Com a publicação do texto, o que antes eram alegações anónimas ganharam finalmente caras e nomes. Entre elas, o duo Dana & Julia, que junta Dana Min Goodman e Julia Wolov, que ainda a 10 de Outubro escreviam na conta (agora privada) de Twitter: "Adorava que alguém perguntasse a Louis C.K. o que pensa sobre o escândalo de Harvey Weinstein", referindo-se ao produtor de Hollywood que, entre acusações de abusos sexuais, assédio e violação, se terá masturbado em 2007 para um vaso em frente de uma repórter televisiva.

O incidente com as duas terá acontecido em 2002, no festival de comédia de Aspen, no Colorado. As duas pensaram que se tratava de uma piada, já que era um cómico que admiravam, e, inicialmente, riram-se do sucedido. Quando ele ejaculou para a própria barriga, as duas foram-se embora, aterrorizadas. Pouco depois, segundo o The New York Times, o artista ligou-lhes, a perguntar qual delas era a Dana e qual delas era a Julia. Tentaram falar sobre o sucedido, mas alegam que Dave Becky, manager do cómico, as pressionou a manterem-se caladas e tiveram medo de repercussões em termos de carreira. Ao The New York Times, Becky nega tê-las ameaçado.

As acusações não são novas, mas, num mundo pós-Weinstein, havia várias pessoas a perguntar-se quando é que alguém se chegaria à frente. Desta vez foram cinco mulheres. Abby Schachner diz que um dia ligou a C.K. em 2003, a convidá-lo para assistir a um dos seus espectáculos, e ouviu-o a masturbar-se do outro lado da linha.

A também cómica Rebecca Corry, que participou num episódio-piloto de televisão em que C.K. era actor convidado em 2005, rejeitou dar autorização a C.K. para se masturbar em frente dela, após este lhe ter pedido. Segunda ela, o cómico ficou vermelho e disse-lhe que tinha problemas. Uma outra mulher, que decidiu manter o anonimato, trabalhou em The Chris Rock Show, talk show da HBO em que C.K., colaborador de longa data de Rock, era argumentista (e pelo qual ganhou um Emmy), e disse ao The New York Times que o cómico lhe pediu várias vezes para ela assistir enquanto ele se masturbava.

Uma das pessoas a falar publicamente sobre estas alegações nos últimos meses foi Tig Notaro. A cómica lançou Live, uma gravação ao vivo de um set espontâneo de stand-up em que falava sobre os traumas que lhe aconteceram entre 2012 (morreu-lhe a mãe, a namorada acabou com ela, tinha uma doença infecciosa rara e depois descobriu um cancro na mama que a obrigou a fazer uma mastectomia), através do site oficial de C.K. Isso ajudou à existência de One Mississippi, a série cómica semi-autobiográfica da Amazon por ela protagonizada e co-criada pela própria e Diablo Cody. A produção executiva era do cómico.

Em entrevista ao site Daily Beast, em Agosto, a cómica dizia que C.K. não tinha, afinal, nada que ver com a série e dizia que ele tinha de responder publicamente às alegações de abusos sexuais. C.K., que rejeitou comentar estas novas revelações ao The New York Times, tinha negado completamente tudo em Junho de 2016 numa entrevista ao Vulture, o site da New York Magazine, a dizer que "não queria saber disso e não significava nada para ele", adicionando ainda que, se alguém precisava de ter um "perfil público que fosse todo positivo", teria de estar "doente da cabeça".

Pouco depois dessa peça do Vulture, Roseanne Barr, a protagonista da entretanto renascida sitcom dos anos 1980 e 1990 Roseanne, tinha dito também ao Daily Beast que tinha ouvido várias histórias sobre C.K., mas sem entrar em nada de específico. Pouco antes, em 2015, Jen Kirkman, a cómica que apresenta o podcast I Seem Fun, falou num episódio sobre o conflito interior que sentiu quando um poderoso cómico contra o qual existiam alegações de abuso ou assédio sexual a tinha convidado para ir com ele em digressão. A linguagem era suficiente específica para C.K. ter vindo à baila nas notícias sobre o assunto, o que a levou a apagar o episódio. Este ano, em entrevista ao The Village Voice, confirmou que era a ele que se referia, mesmo não tendo qualquer acusação directa a fazer. 

Na segunda temporada de One Mississippi, sobre a qual versava a já mencionada entrevista de Notaro ao Daily Beast, uma das personagens femininas é forçada a ver um homem masturbar-se num contexto laboral. Ainda esta terça-feira, em entrevista ao podcast Bullseye, Notaro explicava que a equipa de argumentistas da série, toda composta por mulheres, já tinha, de uma maneira ou de outra, sofrido abusos ou assédio sexual. Quando questionada pelo apresentador, Jesse Thorn, sobre a ligação com C.K. e se a história teria sido escolhida de propósito, esta reiterou que este não estava envolvido na série, e que era um "relato na primeira pessoa de alguém que, no seu mundo profissional, tinha sentido isso", e que era "o seu dever levantar a voz para falar por pessoas que precisavam de apoio". Em declarações na mesma peça do The New York Times, a cómica explicou que tinha medo que C.K., que sempre teve uma postura de apoio a mulheres na sua comédia e na vida pública, tivesse lançado o álbum dela para "cobrir os seus rastos".

I Love You Daddy, o filme realizado por C.K. cuja estreia em Nova Iorque foi agora cancelada, é uma comédia a preto e branco que já tinha causado controvérsia em Setembro, quando se estreou no Festival de Cinema de Toronto. O filme deve muito a Manhattan, de Woody Allen, não só em termos de estilo mas também em termos de história. É que se foca num produtor de televisão, interpretado pelo próprio Louis C. K., cuja filha de 17 anos (Chloë Grace Moretz) começa a passar demasiado tempo com um realizador quase septuagenário (John Malkovich) com fama de ter relações pouco apropriadas com mulheres mais novas. A história remete não só para Allen, que foi acusado de abuso sexual pela filha adoptiva Dylan Farrow e casou, depois de uma relação que começou quando esta ainda não tinha feito 20 anos, com Soon-Yi Previn, a filha adoptiva da ex-namorada, Mia Farrow, mas também para os próprios rumores sobre C.K., com referências aos actos de que este é agora acusado.

O cómico, vencedor de seis Emmy, foi um dos argumentistas originais do Late Night de Conan O'Brien, tendo também passado pelo Late Show de David Letterman e sido chefe da lendária equipa de argumentistas de The Dana Carvey Show, que incluía também nomes como Stephen Colbert, Steve Carell, Bob Odenkirk ou Charlie Kaufman, além do já mencionado The Chris Rock Show, apresentado por Chris Rock, com quem escreveu filmes e com ajuda do qual realizou Pootie Tang, de 2001.

Em 2006, criou Lucky Louie, a pouco bem sucedida, tanto em termos de crítica quanto de público, sitcom da HBO, tendo em 2010 criado, protagonizado, realizado e desempenhado a maior parte dos papéis criativos em Louie, do FX. Nos últimos anos, tem sido cada vez mais conhecido pela stand-up, tendo o seu último especial, 2017, saído este ano no Netflix. Em 2016, criou e protagonizou Horace & Pete, uma série web que vendeu no seu próprio site e tinha no elenco nomes como Steve Buscemi, Alan Alda ou Edie Falco. Entre outros projectos, é co-criador e produtor executivo de Better Things, a série de Pamela Adlon no FX, sua colaboradora em Louie, bem como, ao lado de Zach Galifianakis, um dos responsáveis por Baskets, que se estreou em Portugal no passado dia 3 na plataforma FOX+.

O artigo do The New York Times deverá agora reacender a polémica em torno do filme que será exibido este mês, fora de competição, no LEFFEST, o Festival de Cinema de Lisboa & Sintra (no qual será também possível ver o novo filme de Woody Allen, Roda Gigante). A estreia em Portugal continua marcada para dia 21 de Dezembro.

Título alterado às 1h09

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