Trump celebra na China o primeiro aniversário da eleição. E Xi Jinping tem um presente especial

Faz hoje um ano que Donald Trump ganhou as eleições presidenciais, deixando o mundo perplexo. Xi Jinping preparou-lhe uma grande recepção em Pequim. A ambição chinesa ainda não dispensa os EUA.

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Nem de propósito, Donald Trump celebra o primeiro aniversário da sua eleição em território chinês. A China foi um dos alvos privilegiados da sua campanha eleitoral, elevando-a à causa de quase todos os males americanos. A sua eleição constituiu um abalo sísmico no mundo inteiro, mesmo que de intensidade variável. O seu comportamento na Casa Branca tornou-se num foco de instabilidade mundial. Hoje Xi Jinping recebe-o com todos as passadeiras vermelhas que tiver à mão.

Não haverá, como em Tóquio ou em Seul, manifestações contra o Presidente americano. Não só porque não são permitidas, mas porque a opinião pública chinesa, expressa nas redes sociais, vê Trump com simpatia – alguém que soube enriquecer, que diz o que pensa, que não pertence às elites ocidentais com a sua habitual sobranceria. O seu homólogo chinês reserva-lhe uma prenda de aniversário muito especial: o anúncio de “uma nova era”. Acaba de tomar conta do Partido Comunista, do Estado e do Exército com mão firme, anunciando que a China iniciou a sua caminhada em direcção ao estatuto de “grande potência” mundial, onde tem apenas um concorrente à altura, que é, precisamente, a América. É um jogo apenas a dois, mesmo que o seu predecessor, Hu Jintao, tivesse rejeitado o G2, um presente “envenenado” que Obama lhe ofereceu, quando anunciou que o maior desafio estratégico da América era a ascensão da China, pondo de pé uma política de “cooperação e de contenção” que os chineses não aceitam.

Xi tem tempo para afirmar a sua nova “doutrina” e sabe que uma boa relação com Washington ainda continua a ser um elemento importante para a nova ambição chinesa. E não apenas economicamente. “Para a China se tornar uma superpotência como os EUA, precisa de uma nova estratégia, que contemple alianças genuínas e não apenas as chamadas parcerias estratégicas”, escreve Yan Xuetong no Global Times, um jornal próximo do PCC para estrangeiro ler. A nível militar ainda está a anos-luz dos EUA.

Embora dependa menos das exportações para a América, o mercado americano ainda é demasiado importante para ser dispensado. Não é fácil nem rápido fazer a transição de uma economia que cresceu à custa das exportações, para um modelo mais dependente do mercado interno, tal como Xi prometeu. Numa palavra, o proteccionismo americano ainda é um pesadelo para Pequim. A preocupação de Xi, escrevia recentemente o mesmo Global Times “é a crescente polarização politica” a que se assiste na América. “Neste ambiente de polarização, [Trump] terá dificuldade em encontrar consensos em qualquer questão política importante, incluindo a relação China-EUA”. No mesmo artigo, o jornal acrescenta que a data da visita de Trump “duas semanas depois do Congresso do Partido Comunista Chinês” não foi coincidência.

Um mapa enganador

Xi conhece o mapa que Trump tem todos os dias à frente dos olhos: da ilha mais remota do Pacífico à maior potência asiática, passando pela União Europeia, todos registam um excedente comercial com os EUA. A leitura deste mapa é mais complicada do que parece. O gigantesco mercado americano é o “mercado de último recurso” para qualquer crise económica, seja onde for que ela surja, o que lhe dá um poder enorme sobre a economia mundial; as transacções comerciais são ainda maioritariamente feitas em dólares; a América não costuma olhar para o comércio apenas do prisma económico. Trump não vê as coisas desta maneira. A primeira coisa que Trump fez quando chegou à Casa Branca foi rasgar a Parceria Transpacífica negociada pelo seu antecessor, que envolvia 12 países da região, menos a China, e que tinha uma intenção geopolítica muito para lá das simples relações comerciais. Xi vai levantar outra questão delicada: as restrições dos EUA às exportações para a China de produtos de alta tecnologia. A proibição foi decretada pela Europa e pelos EUA logo a seguir ao massacre de Tiananmen em Junho de 1989 e ainda não foi levantada.

America First?

O Presidente americano chega a Pequim em manifesta ruptura com a política externa dos seus antecessores. A única palavra de ordem que conta é “America First”, que resume duas ideias simples: a superioridade militar, que ninguém está em condições de desafiar; a renegociação dos acordos comerciais firmados pelos EUA nas últimas décadas, que serviram apenas para prejudicar o seu país.

Em Tóquio, sem a menor diplomacia, criticou o Japão pela falta de reciprocidade no comércio. Sugeriu a Shinzo Abe, que quer ser o seu melhor amigo na região, que fabricasse os seus carros nos EUA ou, então, abrisse o mercado aos carros americanos. Não foi esse, no entanto, o seu conselho mais polémico. Sugeriu que o Japão comprasse mais armamento americano para se defender de Pyongyang.

A Constituição japonesa proíbe o país de deter armamento que não seja exclusivamente para fins defensivos. O primeiro-ministro japonês, reeleito por larga margem, ainda anda à volta da ideia de alterar a Constituição. A instabilidade regional é crescente e Tóquio não tem a certeza absoluta de que a América a defenderá. Trump disse mais ou menos a mesma coisa em Seul, sugerindo ao Presidente Moon Jae-in, mais inclinado para o diálogo com Pyongyang do que para a ameaça de guerra, que a compra de armamento americano é uma boa forma de equilibrar as contas externas entre os dois países. Tinha-o acusado de “apaziguamento”. Ontem abriu-lhe uma porta, admitindo que ainda se pode conseguir uma negociação e exortando o regime de Pyongyang a “fazer o que está certo.”

Tal como fez no Japão, visitou a maior base americana no país, a 100km da linha de demarcação, com quase 30 mil homens. Tal como o Japão, a segurança da Coreia do Sul depende dos EUA. A lógica de Trump foi a mesma: se querem segurança têm de pagar mais por ela. Já fez o mesmo com a Europa.

Em Pequim, o ponto alto da sua viagem, fará tudo para convencer Xi a aumentar a pressão sobre a Coreia do Norte, insistindo em que não é apenas um problema da América. Vai à cimeira da APEC (Cooperação Económica da Ásia-Pacífico), que decorre amanhã no Vietname, para se encontrar com o seu homólogo russo. Quer a China e a Rússia a seu lado. Ver-se-á o que consegue.

Cordão de segurança?

Os países que rodeiam a China, e que a temem, continuam a contar com a protecção americana. Obama tratou de reafirmar esse compromisso com cada um deles. O mesmo autor do Global Times lembrava que “é difícil imaginar que a China pode ser uma potência liderante sem que a maioria dos seus vizinhos aceitem o seu papel de líder regional”. O que não os impede de viver no eterno dilema do qual Pequim tentará tirar partido: dependem dos EUA para a segurança e da China para a economia. É esta a razão pela qual o Vietname, eterno inimigo de Pequim, está a reforçar os seus laços com os EUA.

A cimeira da APEC vai decorrer em Da Nang, um nome que lembra a maior base militar americana durante a guerra do Vietname, mas que uma visita ao Google apenas apresenta como uma agradável estância turística do país. Pelo contrário, a memória das guerras travadas com a China está sempre presente.

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