Contra ventos e marés

Nos Interstícios da Realidade não traz nada de novo, mas é importante pelo olhar que lança sobre a história esquecida do cinema português.

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Não é preciso conhecer em profundidade, nem mesmo gostar, do cinema de António de Macedo para compreender a importância seminal que o documentário de João Monteiro (completado há um ano, mas só agora chegado às salas) assume no cinema que se faz em Portugal. Em parte, é por causa da sua estrutura tradicional de entrevistas em modo “cabeças falantes” entrecortadas por excertos de filmes — que não traz nada de novo, mas que raramente terá sido feita em Portugal desta maneira. Em parte, é pelo seu evidente lado de labour of love — há anos que João Monteiro, cine-clubista apaixonado pelo género e director do MOTELX, trabalhava no filme, iniciado como projecto de crowdfunding, e essa paixão é transbordante. Mas, acima de tudo, é pelo modo como procura manter viva uma memória que corre o risco de se perder.

Sabendo como Portugal é um país com problemas na preservação da sua memória cultural Nos Interstícios da Realidade torna-se num documento fulcral para compreender, mais do que um cineasta, toda uma geração de cineastas nas suas ambições, desejos e frustrações. Há um adicional de comoção por vermos reunidos figuras centrais do Cinema Novo como Seixas Santos, Fonseca e Costa, Cunha Telles, António-Pedro Vasconcelos e Fernando Lopes, algumas das quais já nos deixaram, todas prestando homenagem a um contemporâneo nada consensual que preferiu percorrer um caminho idiossincrático e que foi mal visto por isso.

De certo modo, a história de Macedo, figura revelada no Cinema Novo que se desviou para o cinema de género num país onde isso não era bem visto, é um exemplo prático da liberdade e dos custos de um “contra ventos e marés” que parece continuar a ser marca registada da produção nacional. Recordá-lo, e reavaliá-lo, é essencial num país que precisa de se reconciliar com a sua memória, e num meio do cinema que precisa de se reconciliar com a sua diversidade.

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