Entrega de Puigdemont a Espanha pode demorar meses

As medidas da UE para acelerar as anteriores ordens de extradição não ajudam Madrid num cenário de crimes com um enquadramento muito próprio na legislação espanhola.

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Carles Puigdemont Reuters/ALBERT GEA

Uma ordem europeia de detenção e entrega (OEDE), como a que foi pedida pelo Ministério Público à juíza Carmen Lamela para Carles Puigdemont e os seus quatro ex-conselheiros que, como ele, se encontram em Bruxelas, deveria, em princípio, acelerar a detenção e entrega dos investigados por parte das autoridades belgas. O problema é que os dois principais crimes de que são acusados pela Procuradoria – “rebelião e sedição” – são tão específicos que não integram a chamada lista de “delitos europeus”, 32 crimes comuns aos países da União Europeia.

Se os delitos pelos quais são investigados Puigdemont, Antoní Comin, Meritxell Serret, Lluís Puig e Clara Ponsati integrassem esta lista, a sua entrega deveria cumprir-se em dez dias. Assim, mesmo que Puigdemont seja detido esta semana não chegará a Espanha antes de Janeiro, depois das eleições marcadas por Mariano Rajoy para 21 de Dezembro na Catalunha. A ordem terá de ser analisada por um juiz de instrução belga, o que pode levar 60 a 90 dias.

Antes da existência das OEDE para se decidir uma extradição era necessário que o delito em causa existisse no país que recebia a petição. Agora, isso já não se coloca num cenário de um dos 32 ilícitos comuns ou em crimes uma pena de prisão igual ou superior a três anos no país de origem. O segundo critério cumpre-se, o primeiro não.

Na verdade, “rebelião” existe no Código Penal belga, mas com uma definição muito diferente da que existe em Espanha, referindo-se a “ataques, resistência ou ameaças” a autoridades, sendo castigado com uma pena máxima de cinco anos. Na prática, é um crime mais próximo da “sedição” na legislação espanhola.

Mas o crime de sedição, na Bélgica, só se aplica em delitos contra o rei, a família real ou a “tentativa para destruir, mudar a forma de governo ou ordem de sucessão real, ou levar os cidadãos a levantar armas contra a autoridade real ou as câmaras legislativas”.

Nenhum penalista espanhol considera provável que um juiz belga aplique o critério da dupla incriminação. Na verdade, poucos em Espanha consideram que o presidente destituído da Generalitat e os seus ex-conselheiros possam acabar acusados de “rebelião”, crime que implica a utilização de violência e que castiga com 15 a 30 anos de prisão os eleitos condenados.

Para especialistas como o juiz emérito do Tribunal Supremo, José Antonio Martín Pallin é bastante provável que um juiz belga decida não proceder à detenção e entrega dos ex-dirigentes catalães nem por “rebelião” nem por “sedição”. Ora, os cinco, tal como os ex-colegas de governo, em prisão preventiva, são acusados de um terceiro crime – “desvio de fundos” pelos milhões que terão utilizado na campanha do referendo sobre a independência e na criação de estruturas para a futura república.

Abre-se aqui uma via, já que o “desvio de fundos” costuma entender-se como “delito europeu”, debaixo do grande chapéu da corrupção.

O problema é que uma pessoa enviada ao país de origem sob de uma ordem destas só pode ser julgada por “desvio de fundos”, o menos grave dos crimes de que o procurador José Manuel Maza acusa o ex-governo da Generalitat. A estes obstáculos soma-se a tradição belga de juízes garantistas, que impõem um nível especial exigência de garantias ao Estado – daí os processos de etarras detidos na Bélgica se arrastarem durante anos.

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