Crise Belém-São Bento reaproxima PSD de Marcelo

Presidente da República defende que não interessa quem ficou mais chocado com o discurso de quem em matéria de incêndios. "Chocado ficou o país", disse Marcelo Rebelo de Sousa

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Costa e Marcelo já passaram por momentos melhores Reuters/ADRIANO MACHADO

É como se a icónica fotografia de Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, juntos em Paris, debaixo do mesmo guarda-chuva, deixasse de fazer sentido. Nesta quinta-feira, abriu-se uma brecha na relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro e desapareceu o encanto dos primeiros 18 meses. A notícia do PÚBLICO, segundo a qual o Governo ficou “chocado” com a declaração que Marcelo fez ao país na semana passada, provocou reacções de parte a parte e até do PSD, que está a rejubilar com a aparente “zanga”.

No Facebook, vários sociais-democratas criticaram a inabilidade demonstrada pelo PS ao meter-se com a principal figura da Nação, que tem taxas de aprovação de 80% nos barómetros políticos. “Alguém, por favor, consegue explicar aos socialistas que, mesmo no estado desesperado em que estão, não é muito avisado e prudente lidar com o actual Presidente da República seguindo a sua velha máxima: ‘Quem se mete com o PS, leva’?”, questionou o vice-presidente da bancada do PSD Carlos Abreu Amorim.

“A mesma arrogância socialista de sempre, a mostrar que os tempos de Sócrates regressaram e em força”, comentou o deputado Miguel Morgado. “O senhor Presidente da República tem acompanhado com grande humanidade uma tragédia, duas vezes repetida, que assolou a sociedade portuguesa”, disse ainda Marco António Costa, para quem “um partido de Governo não riposta assim contra um Presidente”.

Em declarações ao jornal Sol, o vice-presidente do PSD acrescentou que Marcelo “agiu dentro dos poderes que são constitucionalmente seus”, respondendo à crítica directa de Simões Ilharco, o jornalista reformado que escreveu nas páginas do Acção Socialista, o jornal oficial do PS, que o Presidente “exorbitou claramente os seus poderes constitucionais” com a postura adoptada na sequência os incêndios florestais.

“Gosto muito sempre que um Presidente traduz para ‘miúdos’ o sentimento da nação”, concluiu Duarte Marques, outro parlamentar social-democrata.

Concurso de choques

O PSD sentiu-se confortado pela mensagem que o Presidente da República enviou nesta quinta-feira ao Governo a partir dos Açores. “O que os portugueses esperam é que o Presidente coloque o essencial muito acima daquilo que não tem importância nenhuma, e o essencial são as vidas desaparecidas, as vítimas que esperam a reparação, a reconstrução, que possam retomar a sua existência. Tudo o resto, com o devido respeito, parece-me totalmente irrelevante”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, em reacção à notícia do PÚBLICO que dava conta da surpresa do executivo ao ouvir a sua última declaração ao país.

“Há duas maneiras de encarar a realidade: uma é o 'diz que disse' especulativo de saber quem ficou mais chocado, se foi A com o discurso de B, se foi B com o discurso de A. E depois há outra maneira que é perceber que chocado ficou o país com a tragédia vivida pelos milhares de pessoas atingidas”, acrescentou o Presidente na Praia da Vitória, Açores.

Depois, numa visão de médio prazo, Marcelo deixou um recado: “Faltam menos de dois anos para o termo da legislatura, deste Parlamento e deste Governo, e portanto há uma urgência”. Ou seja, o Governo tem de agir depressa em matéria de incêndios, porque vai a votos em menos de dois anos. E tira a conclusão: “A forma correcta de olhar para este problema é a segunda, e quem olha para a realidade na base do 'diz que disse' especulativo não entendeu e não entende nada do que se passou nas últimas semanas”.

Questionado sobre o artigo de opinião de Simões Ilharco - e no qual o jornalista escreveu também que “a esquerda deve estar unida e coesa para impedir esta caminhada preocupante e perigosa, combatendo a tentação presidencialista de Marcelo, que ameaça a democracia” -, Marcelo insistiu: “O que interessa é o choque que o país sofreu, a capacidade de resposta e uma resposta rápida”.

Também Porfírio Silva, do secretariado nacional do PS, criticou no Facebook  o teor da comunicação ao país feita pelo Presidente na sequência dos incêndios, considerando que se tratou de "um inaceitável aproveitamento politiqueiro" de uma tragédia. Apesar disso, o dirigente socialista disse à agência Lusa que "não deve haver uma mudança global de atitude nas relações entre o Presidente e o Governo".

Na mesma lógica, o presidente do partido e líder parlamentar, Carlos César, manifestou o desejo de que Belém e São Bento mantenham o entendimento. “Não tenho comentários a fazer à notícia. O que sei é que as relações entre o Governo e o Presidente da República são boas e muito relevantes na estabilidade política que o país vive. E assim devem continuar.”

No final do Conselho de Ministros, Pedro Marques, que tutela o Planeamento e as Infra-estruturas, também falou sobre o assunto para dizer que o Governo não discutiu "estados de alma" ou notícias de jornais, tendo dando prioridade à recuperação dos concelhos afectados pelos fogos recentes.

Antes, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Tiago Antunes, havia referido que em causa estava uma conferência de imprensa de resumo da reunião dos ministros, não um encontro com os jornalistas para abordar "estados de alma". "Essa matéria não foi discutida no Conselho de Ministros de hoje. Não houve qualquer tratamento, nem abordagem dessa matéria", referiu Tiago Antunes, questionado sobre a manchete desta quinta-feira do PÚBLICO: "Governo chocado com Marcelo: ‘As coisas estavam combinadas'".

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