Os Óscares já foram os “Harveys”, mas expulsaram Weinstein – vem aí “um tsunami”?

Produtor foi banido pela Academia e está a ser investigado pela Scotland Yard. Há novas denúncias sobre “grandes nomes” do sector. Hillary Clinton diz que há “um agressor na Sala Oval”.

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Carlo Allegri
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A Academia decidiu sábado expulsar Weinstein DANNY MOLOSHOK/Reuters
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Gloria Allred e Louisette Geiss, uma das mulheres que acusa Weinstein de assédio LUCY NICHOLSON/Reuters
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Algumas das mulheres que acusam Harvey Weinstein de assédio ou agressões sexuais LUSA/N. PROMMER / G. HORCAJUELO / S. NOGIER / A. GOMBERT / PETER FOLE

A imagem é forte, mas a onda de denúncias e indignação é rápida e cada vez maior. O aviso da conhecida advogada Gloria Allred pode ser um prenúncio: “A barragem rebentou para Weinstein e para outros”, disse ao Washington Post no dia em que o produtor Harvey Weinstein se tornou na segunda pessoa alguma vez expulsa da Academia dos Óscares. Allred, que representa várias das mulheres que o acusam de 30 anos de crimes sexuais, está a receber mais denúncias, sobre “nomes grandes” em Hollywood. “É um tsunami.” O problema está longe de terminar, também para a Academia, e Hillary Clinton diz que há “um agressor na Sala Oval”.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood decidiu sábado, em pouco mais de duas horas e meia, expulsar Harvey Weinstein. Perderam o respeito pelo produtor e distribuidor que já teve tanto peso na cerimónia dos Óscares que, em 2003, o Los Angeles Times lhes chamou “os Harveys”. Mas quiseram sobretudo “enviar uma mensagem”. Para o conselho de governadores, onde têm assento Tom Hanks, Kathleen Kennedy, Steven Spielberg ou Whoopi Goldberg, “a era da ignorância voluntária e da cumplicidade vergonhosa em relação ao comportamento sexualmente predatório e ao assédio no local de trabalho na nossa indústria terminou”.

Gloria Allred, que se descreve como “advogada feminista” e tem no currículo processos contra Bill Cosby, OJ Simpson, Bill Clinton ou Donald Trump, por temas que vão do assédio sexual à discriminação, tem “recebido telefonemas sobre outros homens em Hollywood. Executivos dos estúdios, actores da Lista A. Nomes grandes. Nomes conhecidos”. O caso Cosby, em que dezenas de mulheres acusam o comediante de as drogar para abusar sexualmente delas – o actor nega –, teve um efeito de contaminação semelhante em 2014. Mas “isto vai ser maior. É um tsunami.”

A decisão da Academia segue-se à mais rápida reacção da sua congénere britânica, que entrega os BAFTA e o suspendeu na quarta-feira; o Sindicato dos Produtores vai reunir esta segunda-feira e a Academia de Televisão, que entrega os Emmys, também pondera uma decisão. O próprio Governo francês encetou o processo que pode retirar a Legião de Honra que atribuiu a Weinstein, a mais elevada distinção atribuível a um civil.

Expulso de Hollywood

A expulsão de Weinstein da Academia representa uma forma quase oficial de a indústria se afastar do tóxico Weinstein, que não voltou a pronunciar-se publicamente, mas que negou ter forçado relações sexuais ou ter retaliado contra as suas alegadas vítimas. É como se tivesse sido expulso de Hollywood, diz o Los Angeles Times. O facto de muitos dos alegados crimes de Weinstein terem ocorrido no âmbito da indústria e sob pretextos com ela relacionados – reuniões para rever guiões, encontros marcados através dos agentes dos actores, castings – mereceu especial atenção dos 54 governadores, detalhou o New York Times, citando fontes presentes na reunião.

Aplaudida por vários dos seus membros, a decisão pode ser “o princípio de um capítulo muito duro” para a Academia, comentou Scott Feinberg, especialista na Academia e na temporada de prémios, ao New York Times. Era a vontade do seu irmão mais novo e sócio, Bob Weinstein, ou do presidente da CBS Films, Terry Press, que ameaçava sair se Harvey não fosse expulso, e de mais de 140 mil signatários de uma petição online. Mas, continuou Feinberg já na Hollywood Reporter, agora “a Academia enfrentará mais decisões difíceis: como lidar com o número não pouco considerável de outros dos seus 8.427 membros com um historial turbulento e que agora são alvos para aqueles que querem purgar a indústria de predadores sexuais”.

Antes de Weinstein, só o discreto actor de O Padrinho II Carmine Caridi perdeu o estatuto de membro da Academia. Em 2004, foi punido por ter emprestado os DVD dados pela Academia com filmes nomeados para os Óscares, que acabariam por ser pirateados online. A sua história não teve repercussões como a de Mel Gibson, que, embriagado, insultou judeus e mulheres e mais tarde foi acusado de violência por uma ex-namorada. Nem como a história de Roman Polanski, acusado de violação de uma menina de 13 anos e condenado pelo crime de sexo com menor.

Polanski foi mencionado na reunião dos governadores da Academia no sábado, diz o New York Times, e a PBS assinala que Weinstein fez circular uma petição e publicou um artigo de opinião para evitar a prisão do realizador de O Pianista em 2009, quando corria risco de extradição.

Já a história de Cosby, ainda em curso, teve muito mais atenção e, depois de anos de silêncios e acordos judiciais, voltou a lume e ganhou gás em 2014, resultando em mais denúncias. Cosby deve voltar a tribunal em Novembro. Há ainda o acordo a que o actual detentor do Óscar de Melhor Actor, Casey Affleck, chegou após acusação de ter assediado sexualmente duas mulheres com quem trabalhou. Todos são membros da Academia, tal como Donald Trump é membro da Academia Televisiva.

“Temos alguém que admite ser um agressor sexual na Sala Oval”, disse Hillary Clinton à BBC One este domingo, referindo-se à gravação “grab them by the pussy” de Trump. “É importante que não nos foquemos apenas” em Weinstein, acrescentou, “mas que reconheçamos que este comportamento não pode ser tolerado em lado algum, no entretenimento ou na política”.

A toxicidade do nome Weinstein estende-se à esfera política de muitas formas. Apoiante do Partido Democrata, doou mais de 1,4 milhões ao partido dos Clinton e Obama desde 1992, segundo dados do Center for Responsive Politics citados pela PBS. Um valor baixo em comparação com os grandes financiadores, mas hoje com alta visibilidade. Em 1998, Weinstein deu também 10 mil dólares para ajudar Bill Clinton a pagar despesas judiciais durante o caso Monica Lewinski, escreve o Washington Post, quando o então Presidente quase foi destituído por perjúrio sobre o envolvimento com mulheres que trabalhavam sob a sua chefia.  

O esforço da Academia, após dois anos de protesto #OscarsSoWhite e da reformulação da sua demografia, agora com 28% de mulheres e 13% de minorias raciais, será agora de perceber “que tipo de mau comportamento conta e o que não conta. Onde está a linha vermelha?”, como disse ao New York Times Martin Kaplan, director do Norman Lear Center.

Para as autoridades policiais, que entre Londres e Nova Iorque já estavam a investigar o caso, o trabalho será um pouco diferente. A Scotland Yard juntou este domingo mais três casos de alegadas agressões sexuais por parte de Weinstein, dois dos quais ocorridos entre 2010 e 2015 e um que remonta ao final dos anos 1980. No The Times, uma antiga funcionária da Miramax, a produtora dos Weinstein, e a actriz Lysette Anthony acusaram o produtor de violação.

Já Woody Allen, que não é membro da Academia, disse este domingo à BBC que considera o caso Weinstein, sobre o qual já tinha ouvido rumores, “triste para todos os envolvidos. Trágico para as pobres mulheres envolvidas, triste para o Harvey que a sua vida seja tal confusão.”

Allen nega a acusação de ter abusado sexualmente da filha adoptiva Dylan Farrow, denunciada em 1994 pela actriz e sua ex-mulher Mia Farrow, e reiterada pela alegada vítima num texto no New York Times em 2014. Na altura foi apoiada pelo irmão Ronan Farrow, autor da investigação da New Yorker sobre Weinstein.

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