Um orçamento que deixa a esquerda a cantar vitória

Podia haver um orçamento sem PCP e BE? Podia, mas não seria a mesma coisa. O OE 2018 tem a marca das esquerdas que apoiam o Governo em questões essenciais como o IRS, o chamado mínimo de existência, a derrama estadual, a vinculação de professores e o descongelamento de carreiras

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Enric Vives-Rubio
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Não está lá tudo, mas está lá muita coisa. E há algumas medidas que dão “sinais políticos” de que os compromissos que uniram os partidos da esquerda ao PS, em Novembro de 2015, continuam a sair do papel para a vida dos portugueses – ainda que por fases. De uma forma mais concreta ou de outra mais discreta, BE, PCP e PEV podem continuar a dizer ao seu eleitorado que a política de recuperação de rendimentos e de direitos que os agregou ainda continua a ser o combustível para fazer andar a “geringonça”.

Feitas as contas do deve e do haver, Bloco de Esquerda e PCP poderão cantar várias vitórias. Entre as mais significativas estão o aumento dos escalões do IRS de cinco para sete, o aumento do limite do mínimo de existência, o descongelamento da progressão nas carreiras da função pública e o respectivo pagamento até 2019, a reposição por inteiro do pagamento das horas extraordinárias, o aumento da taxa da derrama estadual para empresas com lucros superiores a 35 milhões de euros anuais e um novo aumento extraordinário de 10 euros das reformas e pensões.

Foram duas semanas de negociações intensas no pós-autárquicas, com pequenos avanços a cada reunião, e um ambiente um pouco mais crispado do lado do PCP depois da fuga de câmaras e eleitores dos comunistas para os socialistas e o endurecimento das exigências dos sindicatos, com o pré-anúncio de greves. No final, mesmo apesar dos avisos do primeiro-ministro sobre a necessidade de prudência nas contas públicas, sem a pressão destes dois partidos o orçamento agora apresentado teria certamente sido diferente.

No IRS, o executivo recuou nas negociações e cedeu sobretudo ao BE, criando dois novos escalões através do desdobramento dos actuais segundo e terceiro, passando para sete já em 2018, sem faseamento. O PCP continua a insistir na necessidade de estender a graduação até aos dez escalões, com taxas mais altas para quem ganha mais de 80 mil euros por ano.

Depois de inscrever no Programa de Estabilidade, em Abril, 200 milhões para baixar o IRS, o Governo acabou por se aproximar dos 440 milhões pedidos pelos bloquistas (que também recuaram, depois de terem apontado para 600 milhões). Apesar de o PCP não estar inteiramente satisfeito com esta proposta, também tem motivos para celebrar no chamado mínimo de existência, o valor abaixo do qual os rendimentos não pagam IRS, e que era uma das suas bandeiras. Dos actuais 8500 euros, os comunistas pressionaram o Governo que, depois de uma oferta inicial de 8850 euros, subiu a fasquia para os 8980 euros – mais de metade do caminho para os 9350 euros que o PCP pedia -, admitindo que essa “aproximação é um elemento que importa sublinhar”.

Uma das mais recentes vitórias cantadas pelo BE foi a de que conseguiu acordo para a vinculação extraordinária de 3462 professores do pré-escolar ao secundário, em situação precária - tantos como este ano. O executivo sempre se mostrou disponível para corrigir a situação dos docentes precários, mas só na véspera de o documento ser entregue no Parlamento é que o BE anunciou a boa-nova. A vinculação de professores tem sido também exigida pelo PCP.

No descongelamento das carreiras da função pública é inegável a pressão dos sindicatos – mantém-se o pré-aviso de greve para 27 de Outubro da Frente Comum que exige aumentos salariais - e o dedo de comunistas e bloquistas. Depois de começar por propor que a progressão se estendesse por quatro anos e de ter a oposição dos dois parceiros que recusavam estender o processo para lá do fim da legislatura, o Governo recuou e propôs o faseamento até Dezembro de 2019 (já depois das próximas legislativas), à razão de três tranches de 33% (Janeiro próximo, e Janeiro e Dezembro de 2019).

Ontem de manhã, o PCP anunciou que chegou a acordou para um calendário com o mesmo prazo mas que implica dois faseamentos de 25% em cada ano, o que, apesar de não se traduzir em muito mais dinheiro, permite em Setembro próximo dar o “sinal político importante de que se está a caminhar na resolução do problema”, como dizia ao PÚBLICO o deputado comunista Paulo Sá.

Há duas matérias em que o Governo preferiu fazer uma espécie de acordo de cavalheiros e em que o PCP se antecipou ao Bloco a reclamar vitória. Não aparecem na proposta do executivo mas serão aprovadas quando os comunistas e os bloquistas as apresentarem nas alterações na especialidade. São o aumento da taxa de 7% para 9% da derrama estadual de empresas com lucros superiores a 35 milhões de euros anuais, assim como o fim do corte de 10% no subsídio de desemprego a partir dos 180 dias. Medidas que os dois partidos reclamam há muito.

O aumento extraordinário de até dez euros nas pensões que foi a grande vitória do PCP no OE2017, será repetido na mesma forma em 2018, dividido entre o aumento de Janeiro decorrente do crescimento da economia e da aplicação da fórmula e o mês de Agosto. Ficarão de fora as pensões actualizadas no Governo PSD/CDS.

E também a transparência sobre as cativações é uma vitória das esquerdas, aplaudida à direita. O Governo inscreveu no orçamento uma regra em que se obriga a comunicar ao Parlamento trimestralmente as cativações. Não sendo propriamente uma bandeira dos partidos à esquerda, irá servir-lhes para se distanciarem destas medidas do Governo e reclamarem compromissos adiados por António Costa.

Do lado das derrotas, é preciso dizer que o Bloco não conseguiu convencer o executivo a acabar com o factor de sustentabilidade, usado para calcular o valor a atribuir nas reformas antecipadas, para quem tem 40 anos de trabalho e 60 de idade. E também ficou pelo caminho um aumento de impostos que englobasse no IRS rendimentos de capital e de património.

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