Rei acusa a Generalitat de “deslealdade inadmissível”

Catalães respondem ao monarca com batidas de tachos às janelas e gritos de “Independência”. Felipe VI defende que cabe “aos legítimos poderes do Estado assegurar a ordem”.

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Reuters/RAFAEL MARCHANTE

O discurso do rei foi anunciado com pouca antecedência, mas tempo suficiente para os habitantes de Barcelona decidirem adiantar uma hora a habitual “casserolada” das 22h, quando muitos se põem à janela a bater tachos. Enquanto isso, outros seguiam com atenção em cafés do centro da cidade e evitavam a custo ir comentando o que ouviam. “Na Espanha melhor que todos desejamos também estará a Catalunha”, disse Felipe VI. “Não, espero que não”, disseram alguns clientes de um café na avenida Layetana.

“Há algum tempo que determinadas autoridades da Catalunha não cumprem a Constituição e o seu Estatuto de Autonomia”, começou por denunciar o monarca. Esta “recusa” em “cumprir normas aprovadas e a legalidade” constitui “uma deslealdade inadmissível face às autoridades do Estado”, defendeu. “Hoje, a sociedade catalã está saturada”, afirmou.

As autoridades catalãs, disse, referindo-se ao governo autonómico e ao parlamento, que aprovou as Leis do Referendo de Autodeterminação celebrado no domingo e a chamada “lei da ruptura”, que prepara a separação da Catalunha de Espanha, “quiseram quebrar a unidade de Espanha” e “quebraram os princípios democráticos de instituições históricas”.

Se não houver reacções da parte dos líderes catalães entretanto, haverá certamente da maioria independentista do parlamento, que tem na quarta-feira de manhã a sua primeira sessão depois do voto de domingo.

Interrompido aqui e ali por alguns “porque no te calas” (a frase dita pelo rei emérito, Juan Carlos, ao então Presidente da Venezuela, Hugo Chávez, durante a Cimeira Ibero-americana de 2007), enquanto outros pediam silêncio e tentavam ouvir tudo o que dizia Felipe VI, as empregadas do café iam aumentado o som da televisão, tentando satisfazer todos e não irritar ninguém.

“São momentos difíceis, mas vamos superá-los porque acreditamos no nosso país”, continuou o rei. “É a responsabilidade dos legítimos poderes do Estado assegurar a ordem”, insistiu. “Reafirmo o firme compromisso da coroa com a democracia, com a unidade e com a continuidade de Espanha”.

A imprensa espanhola sublinha que não é habitual o rei dirigir-se numa mensagem aos espanhóis – para Felipe VI, que apareceu vestido de civil, com as bandeiras de Espanha e da União Europeia atrás de si, esta foi uma estreia, com excepção das tradicionais mensagens de Natal.

Para os catalães que ouviam foi muito pouco e tarde. “Onde estravas no domingo?”, pergunta Manuel, que seguiu a intervenção do rei de auscultadores, parado no meio da rua, junto à Esquadra Superior da Polícia de Barcelona, onde alguns jovens não arredam pé e continuam a protestar contra a Polícia Nacional. “Não tens nada a dizer sobre os 800 feridos?”, insiste o gestor de 43 anos.

Manuel teme que este discurso fosse o que o primeiro-ministro esperava para aplicar o artigo 155 da Constituição, que suspende a autonomia.

Entre os que protestam na Layetana muitos começaram a gritar que depois deste discurso o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, deve declarar a independência o mais depressa possível. “[Mariano] Rajoy não viu os nossos avós feridos no chão, o rei também não sabe de nada… O que é que nos resta fazer?”, pergunta um indignado Paul, estudante de 21 anos, antes de se juntar ao coro que grita “Independência, independência”.

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