O fim de uma era: Schäuble sai do Governo alemão

É a primeira grande consequência política das eleições na Alemanha. O poderoso ministro das Finanças, figura dominante durante a crise da zona euro, deixa o cargo para facilitar acordo de coligação - e garantir vigilância da extrema-direita no Parlamento.

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Wolfgang Schäuble aceitou candidatar-se à presidência do Bundestag Reuters/FABRIZIO BENSCH

Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças alemão que foi a figura dominante durante a crise da zona euro e é genericamente considerado o arquitecto da austeridade para os países do Sul da Europa, não vai fazer parte do próximo Governo de Angela Merkel. Na próxima legislatura, o veterano político conservador vai assumir a presidência do Bundestag, a câmara baixa do Parlamento, que contará pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial com uma bancada de extrema-direita.

A transição de Wolfgang Schäuble do Governo para o Parlamento foi, considera a agência Bloomberg, a primeira grande “consequência” política do sucesso eleitoral do populismo e nacionalismo da Alternativa para a Alemanha (AfD) na votação de domingo.

A sua “promoção” terá também sido a forma mais pragmática da CDU resolver dois problemas nesta fase de negociações delicadas para formar uma nova coligação que se avizinha. Apesar de já haver contactos preliminares e conversas exploratórias – Sondierungsgespräche –, as conversações só deverão arrancar depois de ultrapassada a próxima etapa eleitoral na Baixa Saxónia, a segunda região mais populosa do país, a 15 de Outubro.

Por um lado, a sua saída do ministério das Finanças serve para facilitar o diálogo entre a CDU de Angela Merkel e o FDP de Christian Lindner. O líder dos liberais nunca escondeu que o seu objectivo num eventual acordo de formação de Governo é “arrecadar” a pasta das Finanças para o seu partido, que em comparação com a CDU é bastante mais ortodoxo na sua abordagem à política fiscal e orçamental. Numa entrevista ao Die Welt, Lindner lembrou que “os democratas livres só se juntarão a uma coligação se houver uma mudança de rumo na política alemã”.

Por outro lado, a presença de Schäuble no Bundestag garante à CDU um controlo efectivo sobre a actividade parlamentar, numa legislatura que será bastante mais complexa do que a anterior. À importância institucional própria do cargo de presidente do Parlamento – protocolarmente, é a segunda figura do Estado, depois do Presidente, Frank-Walter Steinmeier, e antes da chanceler Angela Merkel –, Schäuble acrescenta-lhe a uma enorme autoridade pessoal e grande experiência: aos 75 anos, é o político alemão há mais tempo em actividade e com mais mandatos (está há 45 anos no Bundestag).

“Estamos muito satisfeitos por Wolfgang Schäuble ter aceitado candidatar-se ao cargo de presidente do Bundestag”, afirmou esta quarta-feira o líder da bancada parlamentar da CDU, Volker Kauder. A candidatura vai ser formalizada a 17 de Outubro, uma semana antes do arranque dos trabalhos e da eleição do novo presidente, no dia 24 – o actual mandatário, Norbert Lammert, também da CDU, não concorreu à reeleição como deputado e depois de liderar o Bundestag desde 2005 vai afastar-se da política parlamentar.

“Grexit”?

A demissão de Wolfgang Schäuble do ministério das Finanças – onde chegou em 2009, quando a crise financeira dos Estados Unidos contaminou a economia mundial e provocou a crise da dívida – foi a palavra de ordem que uniu manifestantes em vários países sob resgate financeiro internacional. Visto como o principal promotor da austeridade como única receita para reequilibrar o défice, o ministro alemão era particularmente odiado na Grécia por causa da sua insistência em cortes drásticos na despesa em troca do apoio financeiro, uma solução que deixou o país à beira de uma crise humanitária.

Ainda assim, para os países do euro com défices elevados, pode ser precipitado festejar a saída de Schäuble das Finanças. Apesar da sua inflexibilidade, o conservador era defensor de maior integração na zona euro. Se for Lindner o seu sucessor no cargo, como se prevê, pode esperar-se uma visão bem mais intolerante e punitiva dos défices orçamentais.

O chefe dos liberais discorda de quase tudo o que o Presidente francês, Emmanuel Macron, acabou de propor para uma maior integração no espaço europeu, nomeadamente um orçamento comum. Rejeita “todas e quaisquer transferências financeiras automáticas” entre os membros da zona euro e quer endurecer as regras relativas à disciplina fiscal – o que pode levantar, outra vez, o fantasma do “Grexit”.

Novo palco

A presidência do Bundestag não deixará de ser um desafio para Schäuble, que como sempre lembram os jornalistas alemães, não tem nenhuma intenção de deixar tão cedo o grande palco da política nacional. O próximo Parlamento, com 709 deputados, terá mais dois grupos parlamentares do que o anterior: os liberais do FDP, que tinham sido punidos nas anteriores eleições por causa da sua aliança à CDU, regressam fortalecidos ao Bundestag. Mas a principal novidade é mesmo a entrada da AfD pela porta grande, como a terceira força política da Alemanha (equivalente a uma bancada de 94 deputados).

Esse resultado obrigou os dois maiores partidos, CDU e SPD, a rever as suas estratégias pós-eleitorais. Os sociais-democratas, confrontados com o seu pior desempenho desde 1949, precisam de regenerar o partido: perante a ameaça da extrema-direita, não lhes restava outra hipótese que não tentar afirmar-se como a grande força de oposição e verdadeira alternativa ao Governo conservador. Merkel mantém a porta aberta à negociação de uma nova “grande coligação”, consciente que Martin Schulz não tem margem de manobra para responder ao seu gesto de boa-vontade.

Menos pressionado, mas ainda assim penalizado pelo protesto dos seus eleitores tradicionais que se desviaram para a AfD nestas eleições, o partido de Merkel viu a sua missão negocial muito dificultada pela dispersão do voto para as franjas do espectro político. Irredutível na sua promessa de não conversar com as forças radicais à direita e à esquerda (a AfD e o Die Linke), a chanceler terá de fazer uso de todo o seu pragmatismo e talento para os consensos para montar uma coligação que será inédita a nível federal. Designada como Jamaica por causa das cores preta, amarela e verde dos partidos que a compõem, será sempre uma união forçada entre a CDU, o FDP e os Verdes – partidos (especialmente os liberais e os ecologistas) com posições por vezes antagónicas em diversos assuntos, da energia aos impostos, à Europa e à imigração.

Em declarações esta quarta-feira, Christian Lindner subiu a parada negocial, sublinhando que “embora haja uma maioria aritmética, os partidos envolvidos [na hipótese Jamaica] têm de seguir as instruções dos seus próprios eleitores. Se estas instruções podem ser combinadas sem contradições e no interesse nacional ainda é uma incógnita”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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