Não-cinema de urgência

Vanessa Redgrave quer lançar um grito de alerta, mas fá-lo com um equívoco: Sea Sorrow é uma maqueta de filme que nunca chegou a ser feito.

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Ao deixar a urgência política falar mais alto do que a arte, Vanessa Redgrave perde-se sem redenção possível

Com todo o respeito que nos merece Vanessa Redgrave, senhora actriz que nunca escondeu o seu activismo político nem a sua intervenção cívica; e com toda a urgência que o seu tema – a questão dos refugiados e do seu tratamento na Europa contemporânea – tem, a verdade é que Sea Sorrow é um perfeito exemplo dos equívocos que rodeiam a relação entre activismo e cinema.

Este filme nascido do horror da actriz pelo que vê acontecer hoje na Europa é mais uma prova do seu empenho e da sua vontade de não deixar passar em branco o que se passa hoje. Mas manda a verdade que se diga que Sea Sorrow não é um filme – antes uma maqueta mal enjorcada, home movie com o coração no lugar certo mas que nem parece vindo de uma artista talentosa.

Ao deixar a urgência política falar mais alto do que a arte, ao cair nas boas intenções de que o inferno está proverbialmente cheio, Redgrave perde-se sem redenção possível. Até há ideias de filmes aqui, até para muitos filmes, mas como Redgrave nunca as leva a fundo e acaba por rodar entre elas sem nunca escolher, Sea Sorrow torna-se num objecto artisticamente descoordenado, desengonçado, errático, amador.

Fogo no Mar de Gianfranco Rosi era muito mais claro naquilo que queria ser, e qualquer reportagem televisiva minimamente bem feita é mais eficaz do que este objecto que só a convicção férrea da sua autora salva do embaraço (é, aliás, para ela que vai a solitária estrela da classificação que, de outro modo, seria uma redonda bola preta).

Que fique, mais uma vez, bem claro: a crise dos refugiados merece toda a atenção que se lhe quiser der, e o empenho de Vanessa Redgrave não está nunca em causa. Mas Sea Sorrow não pertence no grande écrã.

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