Enfermeiros: “Queremos uma carreira! Queremos uma carreira! Queremos uma carreira!”

Presidente dos Sindicato dos Enfermeiros diz que os serviços mais afectados são blocos cirúrgicos e consultas e que a adesão ronda os 85% a nível nacional

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Imagens do protesto no Porto Adriano Miranda
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Uns envergando t-shirt preta, outros roupas pretas da cabeça aos pés, amontoaram-se às centenas em frente ao Centro Hospitalar de São João, no Porto. “Enfermeiros unidos jamais serão vencidos!”, gritavam. Ninguém gritava tão alto como Mário Sousa, que segurava um megafone.

Tinham saído de todo o Norte do país e desaguado naquele ponto estratégico logo cedo. O protesto decorria, ao mesmo tempo, em frente a outras unidades do Serviço Nacional de Saúde, país abaixo: Coimbra, Lisboa, Faro, Funchal, Ponta Delgada. “Queremos uma carreira! Queremos uma carreira! Queremos uma carreira!”, entoavam, em coro, entre o nevoeiro. 

Eram o lado visível da greve marcada pelo Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem e pelo Sindicato dos Enfermeiros entre as 00h00 desta segunda-feira e as 24h00 de sexta-feira. E ali mesmo estava o presidente dos Sindicato dos Enfermeiros, José de Azevedo, a dizer que os serviços mais afectados são blocos cirúrgicos e consultas e que a adesão ronda os 85% a nível nacional.

“Eu gostava que a comunicação social desmistificasse os motivos pelos quais estamos em luta”, confessou Mário Sousa. “A luta não é de hoje nem de ontem. É por isso que se vê cartazes: basta, basta, basta. Anos e anos de roubo da nossa carreira. Nós, neste momento, não temos carreira!”

A queixa de Mário Sousa repetia-se onde quer que se furasse aquela mancha negra para meter conversa. Catarina Barbosa, com a filha de alguns meses ao colo, conta nove anos de profissão e um salário-base de 1201,46 euros. Carina Ribeiro, a amiga que a acompanhava, conta 20 anos de profissão e o mesmo salário-base. Trabalham lado a lado no Centro Materno-Infantil do Norte. “Uma colega que tenha acabado de entrar agora ganha o mesmo”, sublinhou.

Antes, os enfermeiros eram todos bacharéis, isto é, tinham um curso de três anos. Em 1999, iniciou-se o processo de transição do grau de bacharelato para o de licenciatura. Muitos fizeram o "complemento de formação", que durava um ano, com “a promessa” de que os seus salários subiriam até ficarem iguais aos de outros funcionários com aquele grau de ensino. Não aconteceu.

Em 2002, criaram-se os hospitais de gestão empresarial. Os novos enfermeiros contratados por estas novas entidades ficariam com menos direitos laborais. Em 2005, começou o congelamento das carreiras. Em 2009, deixou de haver enfermeiro graduado e enfermeiro especialista, passou a haver apenas a categoria de enfermeiro. E deixou de haver enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor, passou a haver apenas a categoria de enfermeiro principal. Quase todos foram integrados no escalão 1 e 2 da tabela, o que corresponde a 1201,46 e 1252,97 euros de salário-base.

Mário Sousa é enfermeiro há 25 anos no Hospital de Guimarães. Funcionário público, trabalha 35 horas por semana. Ao seu lado, enfermeiros contratados que cumprem um horário de 40 horas. "O meu colega faz mais 20 horas de trabalho por mês do que eu e ganha o mesmo.”

De microfone na mão, detalha as reivindicações. Primeira: 35 horas de trabalho para todos. Segunda: aumentos salariais. Terceira: progressão na carreira. “Queremos que haja enfermeiro generalista, enfermeiro graduado, enfermeiro especialista, enfermeiro chefe.” Quarta: “Horas de qualidade, ou seja, trabalho nocturno, feito a partir das 20h, aos sábados à tarde, domingos e feriados, pagas a 100% e não a 50%.” Podia continuar a enunciar, mas cala-se. “Essas quatro razões chegam”, diz. “Estamos a falar de lutas que vêm de anos.”

Muito se falava na entrevista dada pelo ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, à SIC, na qual considerou o protesto “ilegítimo, ilegal e imoral”. Já antes a tutela pedira aos hospitais para estarem atentos a “eventuais ausências de profissionais de enfermagem”. Numa circular, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) alegou que o protesto foi convocado de modo irregular e que “eventuais ausências de profissionais de enfermagem neste contexto devem ser tratadas pelos serviços de recursos humanos das instituições nos termos legalmente definidos quanto ao cumprimento do dever de assiduidade".

“Amedrontar as pessoas que vão ter falta!”, insurgia-se Carla Rebelo, enfermeira há 23 anos. “O Estado tem de ter ética. O ministro diz que é à queima-roupa, mas não é. São muitos anos. O que queremos é igualdade em relação a outras classes profissionais com o mesmo nível de exigência.”

Pelo menos algumas unidades hospitalares estão a marcar faltas injustificadas aos profissionais em greve. O Hospital de Santa Maria, em Lisboa, seria o primeiro a ser objecto de uma intervenção jurídica por marcar faltas injustificadas aos enfermeiros em greve, adiantou à Lusa Emanuel Boieiro, do Sindicado dos Enfermeiros.

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