The Deuce: prostituição e pornografia na HBO

A nova série de David Simon, o criador de The Wire, tem James Franco a fazer de gémeos e chega na madrugada de segunda ao TVSéries, logo após se estrear nos Estados Unidos.

Um proxeneta e uma nova conquista
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Um proxeneta e uma nova conquista DR
James Franco e Zoe Kazan
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James Franco e Zoe Kazan DR

Nova Iorque, 1971. Numa cidade suja e perigosa a indústria do sexo vai-se transformando quando a pornografia vai começando a legalizar-se. Sexo, prostituição, crime, drogas, egoísmo, capitalismo e tudo o que está debaixo da superfície do sonho americano e da cidade da altura são os ingredientes de The Deuce, a nova série da HBO de David Simon, o mesmo homem que criou The Wire, o tratado sobre o tráfico de droga em Baltimore, a sua cidade natal, que regularmente encabeça listas das melhores séries de sempre.

A série começa em Portugal na mesma altura que nos Estados Unidos: na madrugada de segunda, às 2 da manhã, através do TVSéries. Para quem não tiver paciência de ficar acordado até tarde e não quiser ou puder voltar atrás na gravação, os episódios repetem em horário nobre na segunda-feira, pelas 22h50.

Com (Don’t Worry) If There’s a Hell Below, We’re All Going to Go, de Curtis, o álbum clássico de Curtis Mayfield saído um ano antes da série começar no genérico, o retrato que Simon e companhia traçam dessa época é centrado nas personagens que rondam a 42nd Street, conhecida como “The Deuce”. Entre prostitutas, proxenetas, mafiosos, polícias, jornalistas ou clientes, das mais variadas origens e posições hierárquicas, são personagens a trabalhar e a tentar singrar na vida, muitas vezes sem qualquer sucesso, reféns das estruturas e instituições da sociedade.

No centro estão, contudo, dois estreantes no mundo de Simon: o sempre ocupado James Franco a fazer um papel duplo, de gémeos, ambos com bigode, um deles um barman que se envolve com a Máfia e outro que deve dinheiro a meia Nova Iorque, e Maggie Gylenhaal como uma prostituta sem proxeneta a tentar abandonar essa vida e seguir outras ambições. Eles, tal como as outras personagens, são apresentados e explorados sem pressa de chegar a algum lado, como é hábito do autor, e sem serem julgados.

A ideia, segundo o autor tem dito em entrevistas é que a série dure três temporadas, esta primeira, no início dos anos 1970, uma segunda, no final da década, já com a pornografia legalizada, e a última a meio dos anos 1980, com a indústria a entrar em declínio por causa da ascensão do VHS, uma transição que já foi imortalizada no cinema por Jogos de Prazer (Boogie Nights), de Paul Thomas Anderson, mas ainda tem muito por onde pegar com a expansividade da televisão.

É sempre uma boa notícia quando Simon tem um novo trabalho. O autor foi durante anos jornalista do The Baltimore Sun, depois passou um ano a pesquisar polícias da sua cidade e escreveu um livro que foi transformado numa das melhores séries de crime dos anos 1990, Departamento de Homicídios. E isso lançou a sua carreira televisiva, que depois passou pela criação ou co-criação, na HBO, da mini-série The Corner, a que se seguiu The Wire, a também mini-série Generation Kill, passada na invasão do Iraque em 2003, Tremé, um retrato da vida de Nova Orleães pós-furacão Katrina, e Show Me a Hero, sobre a construção e desagregação de habitação social em Yonkers, Nova Iorque, nos anos 1980.

Neste caso, Simon está acompanhado, como co-criador, por George Pelecanos, seu colaborador habitual e alguém com uma respeitada carreira na escrita de romances policiais – e há mais colegas do mundo dos livros policiais: Richard Price, outro associado de Simon que no ano passado foi um dos responsáveis pela brilhante The Night Of, bem como Megan Abbott e Lisa Lutz, também colaboram aqui. E a história chegou-lhes com alguma ligação a um crime da vida real. Há uns anos, Marc Henry Johnson, um produtor, chegou-se ao pé dos autores, na altura a trabalhar em Tremé, e passou-lhes uma ideia. Johnson, que agora está a cumprir um ano de prisão por ter ajudado a encobrir a morte de uma mulher por overdose, tinha passado muito tempo a pesquisar a vida de um homem que, nos anos 1970, tinha um bar em Nova Iorque, era testa de ferro da máfia e se tinha envolvido na indústria do sexo. Os argumentistas ficaram impressionados e começaram a desenvolver a história com ele.

Sem nunca cair em nostalgia barata ou no “antes é que era” que em demasia pode prejudicar muita ficção, Simon e Pelecanos tentam ao máximo não glorificar a cidade, a indústria e a misoginia que estão a retratar – é quase o oposto de Vinyl, a produção de Martin Scorsese que durou apenas uma época na HBO no ano passado e caía muitas vezes nesses erros. Tentaram fazer uma série excitante do ponto de vista narrativa, mas não particularmente sensual ou a apelar ao olhar masculino. 

Para evitarem esse tipo de erros, e por serem dois homens de meia idade, rodearam-se ao máximo de mulheres, seja como produtoras – Gyllenhaal é uma delas, argumentistas ou realizadoras. Tal como Ryan Murphy, o criador de American Horror Story, que criou a Half Foundation, uma iniciativa para metade dos episódios das suas produções serem realizadas por mulheres, aqui os números também batem certo, com quatro dos oito capítulos da história a terem nomes femininos atrás das câmaras – um dos episódios também é realizado pelo próprio Franco, sempre multifacetado.

A começar no episódio-piloto, que é filmado por Michelle McLaren, que começou em X-Files em 2002 e tem impressionado a realizar episódios memoráveis de Breaking Bad ou A Guerra dos Tronos – é impressionante e injusto que só em 2019, se tudo correr bem, é que a realizadora fará a sua estreia no cinema, com The Nightingale. McLaren também realiza o último episódio. A televisão é um meio onde são os argumentistas que mandam, e as produções de Simon nem sempre são conhecidas pela desenvoltura das suas imagens, mas esta, até pelo tom que McLaren dá ao estabelecer a linguagem visual da série no piloto, é a mais ambiciosa nesse departamento até agora.

Muitas séries da HBO, até A Guerra dos Tronos, são criticadas por uma visão pouco igualitária da nudez, que calha mais a mulheres do que a homens. Aqui não: há tanto uns quanto outros. E, como é sobre a indústria do sexo, é natural que haja muita.

No vasto e diverso elenco, além de Franco e Gylenhaal, há caras mais ou menos conhecidas como Gbenga Akinnagbe, Chris Bauer, Lawrence Gilliard Jr. ou Anwan Glover, de The Wire, Chris Coy, de Tremé e The Walking Dead, Dominique Fishback e Natalie Paul, de Show Me a Hero, Margarita Levieva, de Revenge, Emily Meade, de The Leftovers, Gary Carr, de Downton Abbey, Zoe Kazan, de Olive Kitteridge, David Krumholtz, de 10 Coisas que Odeio em Ti, Ralph Macchio, de Karate Kid, bem como os rappers Method Man – repetente de The Wire –, dos Wu-Tang Clan, e Tariq "Black Thought" Trotter, dos Roots.

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