Os muito necessários reforços de Trump não vão mudar o rumo do Afeganistão

Governo afegão está à beira do colapso e os taliban não estavam tão fortes desde 2001. Trump conclui revisão da estratégia, mas alguns milhares de soldados não chegam para travar a espiral destrutiva que engole o país.

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Nos ataques e combates com os taliban, algumas unidades do Exército afegão perderam 50% dos seus efectivos Reuters

O ano de 2016 foi terrivelmente violento no Afeganistão. Quase 3500 civis e cerca de seis mil soldados afegãos morreram em atentados, explosões de engenhos improvisados e em combates entre o debilitado Exército e inimigos cada vez mais audazes – taliban sobretudo, mas também jihadistas ligados ao Daesh e outros grupos criminosos. O que já passou de 2017 indicia que as estatísticas serão ainda mais aterradoras no final deste ano. “Neste momento não estamos a vencer a guerra”, admitia em Junho o secretário da Defesa norte-americano, James Mattis, quando o Conselho de Segurança Nacional ainda se debatia entre enviar mais soldados para o Afeganistão ou pôr definitivamente fim a 16 anos de guerra.

Segundo a imprensa americana, o Presidente Donald Trump, que chegou à Casa Branca céptico do interesse estratégico desta guerra para os Estados Unidos, acabou por ceder aos generais que há meses lhe pediam reforços para o Afeganistão – quatro mil soldados para se juntarem aos 8400 que Barack Obama ali deixou para treinarem as forças afegãs e continuarem as operações de contraterrorismo.

O anúncio está marcado para a noite desta segunda-feira (madrugada de terça em Portugal) e, mais do que números, esperava-se que Trump revelasse qual é a sua estratégia para o conflito e quão diferente é da que foi desenhada pelo antecessor e que ele tanto criticou.

E se em 2009, quando Obama decidiu colocar cem mil soldados no país para empurrar os taliban para longe das cidades e vilas, muitos questionavam já se a guerra poderia ser ganha, os cépticos estão agora em clara maioria.

Entre eles está Steve Bannon, o ex-conselheiro principal de Trump, que durante meses enfrentou os “falcões” da Administração, insistindo que nada há já a ganhar no Afeganistão e que, em vez de soldados, Washington devia pagar a seguranças privados para apoiar o Exército afegão – mas Bannon deixou a Casa Branca e Erik Prince, o fundador da empresa de segurança Blackwater foi barrado da reunião de sexta-feira em Camp David onde a decisão foi tomada.

Mas entre os que dizem “basta” a uma guerra que já custou mais de 700 mil milhões de dólares e matou mais de 2300 soldados americanos, há uma percentagem cada vez maior da população, além de políticos e analistas. “Creio que deveríamos sair, reservando o direito e a capacidade de atacar se achássemos que estão a ser feitos esforços para fazer do Afeganistão uma nova base” para acções terroristas contra os EUA, disse à CNN John Kasich, governador do Ohio que foi um dos opositores de Trump nas primárias republicanas.

O aparecimento Daesh em algumas regiões do Afeganistão preocupa Washington – em Abril os EUA usou a sua maior bomba convencional contra um reduto dos jihadistas. Mas o Pentágono insiste que os taliban se mantêm como a principal ameaça à estabilidade do Afeganistão. E as notícias que chegam do terreno dão-lhe razão.

Segundo dados da Administração norte-americana, as forças governamentais controlam apenas 57% do território afegão (contra os 72% de há um ano). Só no último mês, os taliban tomaram cinco distritos. Todas as regiões conquistadas pelas forças da coligação internacional desde 2010 foram perdidas para os rebeldes e as capitais provinciais só se mantêm sob o controlo do Exército graças ao apoio aéreo americano, mas mesmo Cabul está cada vez mais à mercê de ataques terroristas. Algumas unidades do Exército que a NATO perderam metade dos seus efectivos e em algumas regiões as deserções superam os 50%.

Num artigo para o El País, o historiador e escritor William Dalrymple, acrescenta que, apesar de todos os esforços diplomáticos e militares, o governo do Presidente Ashraf Ghani está à beira do colapso, minado pelas rivalidades étnicas, a crise económica e uma corrupção sistémica que nenhuma pressão conseguiu travar, totalmente dependente da ajuda internacional. Em contrapartida, a insurreição mais forte do que alguma vez esteve desde a invasão americana de 2001, o que a torna ainda menos predisposta às há muito faladas negociações de paz.

“É possível que as mudanças que o Afeganistão atravessou desde 2001 sejam irreversíveis”, confidenciou-lhe Barnett Rubin, que foi enviado especial de Obama para o país. “Mas também são insustentáveis”. 

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