Neymar no PSG: a culpa é do Rei Salman

A venda de Neymar tem muito mais a ver com política do que com desporto.

Os fãs do Barcelona e da tripla Messi-Suárez-Neymar que não se consolam com a saída do brasileiro podem dirigir a sua fúria para... Mohammed Bin Salman. Que é nada mais nada menos do que o rei da Arábia Saudita.

A explicação não é imediata, mas vale a pena. O Paris Saint-Germain é detido por um fundo de investimento directamente ligado ao Governo do Qatar; o Qatar está envolvido numa guerra fria com os outros países muçulmanos da região e precisa desesperadamente de recuperar boa imagem; o país é também o anfitrião do Mundial de 2022, que alguns países ameaçam boicotar por causa do excessivo calor e das alterações que vai provocar nos calendários desportivos desse ano; os cidadãos do Médio Oriente são fanáticos por futebol e vivem em função dos jogos das equipas europeias, que estão no epicentro da actividade social em muitos países da região.

Vamos, então, por partes. O Qatar é o país mais rico do mundo, com um rendimento per capita de 130 mil dólares, mais do dobro dos Estados Unidos. A razão para esta riqueza avantajada tem a ver com a energia, nomeadamente petróleo e gás natural — o que levou o país a ignorar tudo o resto e a ser obrigado a importar 90% da sua comida, criando ainda hábitos de desperdício tremendos na população. Há apenas 220 mil qataris, mas o país depende de uma força de trabalho imigrante de 2,2 milhões. E, como o seu exército tem apenas 12 mil homens, depende de um acordo militar com os Estados Unidos para assegurar a estabilidade das fronteiras — os americanos vendem muito material de guerra ao Qatar e é aí que está sediada a maior base militar dos EUA no Médio Oriente.

A Arábia Saudita e os seus aliados (Bahrein, Emirados Árabes, Egipto) decidiram bloquear as fronteiras e o tráfego aéreo, marítimo e terrestre com o Qatar. O argumento é o apoio qatari a terroristas (como as forças da oposição no Egipto), mas tem mais a ver com o facto de o país não aderir ao estilo de política externa saudita, que depende da sua visão sobre o mundo árabe e a religião muçulmana. Para isso, os sauditas emitiram uma série de exigências, ameaçando com um longo conflito caso o Qatar não as aceite. Da lista constava o fim da Al Jazeera, a estação de televisão altamente influente em todo o mundo árabe e que projecta uma imagem positiva do Qatar. A situação é de tal forma complicada que no ano passado o Governo da Arábia Saudita recomendou que os seus cidadãos não usassem t-shirts do Barcelona. Porquê? Porque o patrocinador do Barcelona era a Qatar Airlines — que deixou de ser nesta época 2017-18.

O Qatar limitou-se a arranjar novos amigos, nomeadamente o Irão e a Turquia, enfurecendo ainda mais a Arábia Saudita. Os aliados passaram a fornecer comida a Doha, resolvendo o problema imediato de importação de alimentos. Ao mesmo tempo, o Governo continua fortemente empenhado em concretizar o Mundial de futebol de 2022, que conquistou das mãos de Joseph Blatter. Será uma operação de charme à escala global, para a qual não se têm poupado custos. Xavi Hernández, um dos capitães do Barcelona de Guardiola, hoje alinha pelo Al-Sadd, uma das principais equipas do campeonato (e treinada por Jesualdo Ferreira). E o novo Presidente francês, Emmanuel Macron, tem acolhido com gosto a presença do dinheiro qatari em Paris.

A compra de Neymar Júnior por uma equipa ligada ao Governo do Qatar vai servir para promover intensivamente a imagem do Mundial 2022 e do poderio financeiro do país. Será também uma arma poderosa para converter os cidadãos dos países que querem provocar conflitos com o Qatar, até porque a imagem de Neymar será sempre associada ao evento e ao pequeno país. E se o contrato, por acaso, incluir a disponibilização da imagem para a promoção do Mundial, talvez até acabe por sair barato. Claro que isso fará do brasileiro o desportista com a imagem mais usada no mundo, mas até lhe poderá garantir a cidadania qatari — não por acaso, é um país onde os cidadãos não pagam um único imposto, algo que dá jeito a um futebolista...     

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