A arriscada estratégia de sanções contra a Venezuela

EUA estão a ponderar medidas contra o sector petrolífero do país, uma opção que pressionaria como nenhuma outra Caracas, mas que agravaria a situação económica no país.

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Os EUA anunciaram segunda-feira sanções directas contra o Presidente Nicolás Maduro Palacio Miraflores/Reuters

Nicolás Maduro não recuou, fazendo eleger uma assembleia para mudar a Constituição, e a pressão internacional que até aqui se fazia sobretudo de palavras começa a passar aos actos. A Administração norte-americana deu o mote e outros países mobilizam-se para adoptar sanções contra o regime venezuelano – medidas que quanto mais duras mais riscos comportam.

As já aprovadas

Não era a retaliação que Washington fazia prever, mas a medida tem um forte simbolismo: pela primeira vez, os EUA sancionaram directamente o Presidente venezuelano, juntando-o à lista negra do Departamento do Tesouro, onde já estavam incluídos outros 22 dirigentes do regime, incluindo o vice-Presidente Tareck el Aissami, no seu caso acusado de ter “um papel fundamental no tráfico internacional de narcóticos”.

Além do arresto de eventuais bens ou congelamento de contas que possa ter nos EUA (a Administração americana não se pronunciou sobre a sua existência), Maduro fica também impedido de obter visto (ainda que enquanto chefe de Estado tenha direito a deslocar-se à Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque). As empresas e cidadãos americanos passam também a estar proibidos de ter negócios com ele, o que pode, por exemplo, excluí-lo do sistema bancário internacional, onde as norte-americanas Visa e Mastercard têm posição dominante. Grandes empresas com interesses nos EUA podem também repensar negócios com o Estado venezuelano em que Maduro apareça como signatário, escreve a BBC.

Vários observadores duvidam, no entanto, que estas medidas sejam suficientes para convencer Caracas a inverter caminho, ainda que possam ser adoptadas por outros países. E muitos consideram-nas mesmo contraproducentes. “Ampliar a lista de funcionários sujeitos a sanções acabará por ajudar o governo de Maduro a fortalecer o seu círculo próximo”, disse à AFP David Smilde, perito do Gabinete para os Direitos Humanos na América Latina (WOLA).

As sanções dolorosas

É por reconhecer o alcance limitado das medidas individuais, que a Administração americana assume abertamente que está a estudar a hipótese de adoptar sanções económicas contra o regime venezuelano, a começar pelo sector petrolífero, que responde por 95% das receitas do país. Os EUA são um dos principais compradores do crude venezuelano, importando perto de 800 mil de barris por dia, uma parte dos quais regressa depois ao país na forma de produtos refinados.

Fora da equação parece estar um embargo à compra de crude venezuelano – “a opção nuclear”, segundo o Financial Times – pelos efeitos catastróficos que teria sobre a economia do país, a braços com uma crise sem comparação na história recente da região, podendo também fazer subir o preço dos combustíveis nos EUA.

Mas há várias outras “armas” de que Washington se pode servir para pressionar o regime de Maduro, incluindo vários tipos de acções contra a petrolífera estatal PDVSA, que detém aliás duas refinarias no golfo do México. Já esta semana, a Reuters noticiou que a Administração Trump está a equacionar proibir transacções em dólares à petrolífera venezuelana, o que afectaria de forma drástica as suas exportações e privando Caracas de reservas na moeda americana.

Qualquer destas opções teria pesado impacto sobre a população. “A Venezuela está numa situação tão delicada que pode passar-se da crise humanitária a uma tragédia humanitária se as sanções forem muito duras”, disse ao jornal El País Francisco Rodríguez, venezuelano que é economista-chefe de um fundo de investimento americano. Smilde acrescenta que esta situação “geraria o ressentimento dentro da Venezuela contra os EUA”, a quem há muito Maduro acusa de ser responsável pelos males económicos do país, fragilizaria a oposição interna, e “iria provavelmente causar uma maior aproximação entre a Venezuela, a Rússia e a China”.

A pressão dos parceiros

Jason Marczak, especialista em América Latina do Atlantic Council disse ao FT que, para o sucesso de qualquer pressão, “o essencial é que qualquer acção dos EUA seja coordenada com os outros governos da região”. A maioria das capitais condenou a votação de domingo e os países do Mercosur podem ser os primeiros a agir – o Presidente da Argentina e principal crítico de Maduro, aumentou a pressão sobre os outros membros para que a Venezuela seja suspensa permanentemente do bloco, por incumprimento da “cláusula democrática”.

O Uruguai tem sido o principal opositor desta medida, mas Maurício Macri acredita que depois de Maduro ter ignorado os apelos do bloco para suspender a votação e dialogar com a oposição, Montevideo não tem argumentos para manter a sua posição. O jornal argentino La Nación diz que cabe ao Brasil, que preside actualmente ao Mercosur, agendar a reunião em que a questão será discutida, o que ainda não aconteceu.

Já a União Europeia tem mantido uma posição prudente – disse que a votação em nada ajudou a pacificação do país e disse ter “sérias dúvidas” sobre as hipóteses de reconhecer a nova assembleia – mas nesta terça-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, veio exigir abertamente que os 28 adoptem “medidas adicionais restritivas, individuais e específicas” contra os “responsáveis pela situação” no país, acrescentando estar em contactos com a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, e os Estados-membros mais renitentes em endurecer a resposta a Caracas.

Notícia corrigida: A Venezuela exporta para os EUA perto de 800 mil barris por dia e não 800 milhões como inicialmente  escrito.

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