Republicanos fogem da Rússia como o diabo da cruz e deixam Trump sozinho a praguejar

Congresso prepara-se para aprovar documento que ata as mãos de Donald Trump nas negociações com a Rússia: ao contrário do que é habitual em política externa, o Presidente não pode retirar ou aligeirar sanções sem ouvir os legisladores

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Trump tentou encerrar o assunto dos ataques informáticos no G20, dizendo que Putin lhe garantiu que a Rússia não se envolveu na campanha Carlos Barria/REUTERS

A semana estava a começar, naquela segunda-feira 17 de Julho, e o Presidente Donald Trump recebia de braços abertos na Casa Branca representantes de 50 empresas norte-americanas que fabricam os seus produtos nos Estados Unidos. Era o arranque de uma iniciativa a que Trump chamou "Semana Made in America", ideal para recordar ao país uma das principais promessas da campanha eleitoral e perfeita para mostrar ao Partido Republicano que esta Casa Branca, afinal, também consegue marcar a actualidade e chegar ao topo das notícias sem levar atrás de si um cheiro a escândalo ou mais uma convulsão na sua equipa.

O desejo dos conselheiros da Casa Branca era que o país falasse sobre aqueles problemas que levaram milhões de eleitores a votarem em Donald Trump no ano passado e, ao mesmo tempo, afastar a palavra "Rússia" o mais possível dos jornais, nem que fosse por uns dias – o problema, mais uma vez, é que não foi preciso passar muito tempo para se perceber que o principal problema dos conselheiros de Donald Trump é o próprio Donald Trump.

Ainda a semana ia a meio, e já o Presidente norte-americano enterrava a sua "Semana Made in America" com uma entrevista ao The New York Times em que pôs o seu procurador-geral no grelhador – na prática, Trump disse que se soubesse o que sabe hoje, não teria convidado Jeff Sessions para a pasta da Justiça na sua Administração. E, na sexta-feira, daquela "Semana Made in America" já só sobrava a palavra "semana" – a semana em que o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, bateu com a porta e deixou atrás de si mais uma mini-remodelação em cima da secretária do Presidente.

Republicanos cansados de escândalos

A semana passada foi apenas uma das várias semanas conturbadas que a Administração Trump tem vivido desde que se instalou na Casa Branca – seja qual for a opinião sobre os motivos que levam o Presidente a estar quase sempre encostado às cordas nos media, a verdade é que ele está quase sempre encostado às cordas.

Ora, se há um sítio em que um partido com maioria na Câmara dos Representantes, com maioria no Senado e com um Presidente na Casa Branca não gosta de estar é encostado às cordas. É uma chatice – seis meses depois de o Partido Republicano ter começado a trabalhar para moldar o país à medida das suas convicções e interesses, a única coisa de relevo que conseguiu foi nomear um juiz para o Supremo Tribunal e, mesmo assim, só depois de ter acabado com a regra que exigia uma maioria de dois terços no Senado.

Apesar das tentativas mais ou menos desesperadas para criar um novo programa federal de acesso a cuidados de saúde, a verdade é que o Obamacare continua bem vivo, e a prometida reforma do sistema fiscal vai ficando cada vez mais difícil quanto maior for a divisão interna no Partido Republicano.

Por todas estas razões – e por outras que passam pelo receio de que as várias investigações às suspeitas de conluio entre o Governo russo e a campanha de Donald Trump nas eleições do ano passado possam ter fogo para além do fumo –, vários membros do Partido Republicano começam, ainda que timidamente, a querer registar os seus nomes na coluna dos que não se limitam a carimbar as vontades do Presidente.

Se isso já se notou no falhanço em curso que tem sido a tentativa de demolição do Obamacare, nunca tinha ficado tão claro como esta semana, na questão mais delicada para a Casa Branca e para o Presidente Donald Trump em particular: a Rússia.

De forma inesperada para o grande público, o Partido Republicano e o Partido Democrata parecem ter alcançado o seu primeiro grande acordo no tempo de vida da actual Administração – e um dos poucos de relevo na última década –, ao anunciarem uma proposta que inclui um reforço de sanções à Rússia por causa dos ataques informáticos do ano passado durante a campanha eleitoral.

Desde os últimos tempos da era Obama, as várias agências de serviços secretos dos Estados Unidos dizem estar certas de que a Rússia deixou de se limitar a observar a campanha e passou a tentar interferir directamente – alguns analistas dizem que o objectivo era impedir a vitória de Hillary Clinton, outros dizem que a finalidade era causar uma falta de confiança generalizada no processo eleitoral norte-americano e, assim, enfraquecer as instituições do país.

A Rússia negou sempre essas acusações, e o Presidente Donald Trump mostrou desde cedo que um dos seus principais objectivos era aproximar-se de Vladimir Putin. Já este mês, durante a cimeira do G20 na Alemanha, os dois líderes reuniram-se e, no final, Trump tentou encerrar o assunto dos ataques informáticos dizendo que Putin lhe garantiu que a Rússia não se envolveu na campanha do ano passado.

Trump reforça críticas aos republicanos

É por isso que o consenso no Congresso a favor de novas sanções contra a Rússia irritou o Presidente. O seu secretário de Estado, Rex Tillerson, tentou até à última hora convencer os congressistas do Partido Republicano de que a Casa Branca precisa de margem de manobra para lidar com a Rússia – o poder do Presidente para eliminar ou aligeirar sanções, sem consultar o Congresso, é uma arma de política externa poderosa, e cuja utilidade e legitimidade tem sido reconhecida pelos legisladores. Foi assim, com esse poder, que Barack Obama conseguiu levar o Irão a assinar um acordo de controlo do seu programa nuclear.

Olhando para esse passado recente, a proposta que republicanos e democratas se preparam para aprovar esta terça-feira é ainda mais significativa: se passar no Congresso, não só a Rússia vai ser alvo de novas sanções por causa dos ataques informáticos, como o Presidente Donald Trump vai ter à sua frente um monte Everest de dificuldades se quiser retirar ou aligeirar essas sanções sem a autorização do Congresso – uma indicação de que o seu próprio partido não quer deixar o assunto Rússia totalmente nas mãos de um Presidente que tem o filho mais velho, o genro e um antigo director de campanha a prestar esclarecimentos ao Congresso sobre as suspeitas de conluio com a Rússia.

De acordo com o documento, as sanções por causa dos ataques informáticos da Rússia só poderão ser alteradas pelo Presidente se a Casa Branca conseguir provar que os russos recuaram nos seus programas de ingerência na política americana por meios informáticos; e as sanções por causa da anexação da Crimeia só poderão ser aligeiradas ou retiradas por Donald Trump se o Presidente conseguir provar que a Rússia cumpriu todas as exigências feitas aquando da aplicação da primeira leva de sanções – duas exigências do Congresso que, na prática, atam as mãos do Presidente Donald Trump para agir sozinho na questão das sanções à Rússia. Ainda por cima, Trump ficou numa posição muito difícil: se vetar a proposta do Congresso, vai ser soterrado em novas acusações de conluio; se a aprovar (como parece ser o caso, de acordo com a nova porta-voz da Casa Branca), vai perder margem de manobra para lidar com a Rússia da forma que acha mais correcta.

É verdade que as novas sanções são menos pesadas do que as que foram aplicadas em 2014 por Barack Obama após a anexação da península da Crimeia, e que o Partido Republicano incluiu sanções à Coreia do Norte para tornar o documento mais sobre as "ameaças externas" do que sobre a Rússia, mas a verdade é que Donald Trump ficou irritado com a decisão do seu partido.

No domingo, já depois de ter sido noticiado o acordo no Congresso sobre as sanções a aplicar à Rússia – e a diminuição do poder do Presidente para agir de forma unilateral –, Trump disparou uma série de mensagens no Twitter dirigidas ao Partido Republicano e ao seu procurador-geral. "É muito triste que os republicanos, incluindo alguns que ganharam eleições graças a mim, estejam a fazer tão pouco para proteger o seu Presidente", acusou Donald Trump, antes de perguntar porque é que as comissões do Congresso e o seu próprio procurador-geral "não estão a investigar os crimes da Desonesta Hillary e das suas relações com a Rússia".

E, por entre ameaças de que um falhanço na questão do Obamacare terá "repercussões muito maiores" do que aquilo que os congressistas do Partido Republicano julgam, o Presidente acusou também os republicanos de estarem a ajudar a narrativa do Partido Democrata: "Enquanto a falsa caça às bruxas contra a Rússia continua, há dois grupos que se estão a rir desta má desculpa para uma derrota eleitoral: os democratas e os russos!"

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